Brumadinho

MPT investiga se Vale usa sobreviventes em buscas

Promotores abrem inquérito sobre trabalho de funcionários no local da tragédia

Qua, 12/06/19 - 03h00
Resgate. Segundo os bombeiros, quando um corpo é achado, funcionários da Vale que atuam na área de buscas são retirados do local | Foto: Cristiane Mattos - 24.4.2019

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Depois de passarem pelo trauma da perda de parentes e amigos, os trabalhadores sobreviventes do rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana, teriam recebido uma nova função: ajudar nas buscas das 24 vítimas ainda desaparecidas. A denúncia, feita por representantes dos funcionários da Vale, está sendo apurada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que já instaurou inquérito para investigar a situação.

O Corpo de Bombeiros confirmou que trabalhadores da mineradora atuam na área de resgate das vítimas operando máquinas e equipamentos na retirada de rejeitos. A corporação explicou que, quando um corpo é encontrado, os funcionários da empresa são retirados do local.

Mesmo não sendo responsáveis por recolherem os restos mortais dos colegas de trabalho, os colaboradores da Vale se dizem abalados com a situação. Empregado da mineradora há 19 anos, Carlos Roberto Magalhães, 40, perdeu a mulher e três primos na tragédia. Em entrevista à reportagem de O TEMPO, ele disse que precisa caminhar sobre a área coberta por rejeitos todos os dias. “É uma situação desumana”, classificou o técnico em elétrica.

Desde que voltou ao trabalho, há três semanas, Magalhães, que atuava na usina da mina, foi conduzido pela empresa para fazer reparos em máquinas pesadas e manutenção do sistema de iluminação na área de buscas. Ao saber que precisaria andar sobre a lama seca que ainda esconde corpos de amigos e de um primo, ele sentiu angústia e desolação. “Foi horroroso. Quase todos que ainda estão ali eram meus amigos”, desabafou.

O técnico em elétrica garantiu que o caso dele não é isolado. “Já virou coisa normal por aqui. O cara está lá operando uma retroescavadeira e, de repente, tira um pedaço de braço, perna, cabeça”, relatou o funcionário. Segundo ele, a maioria dos trabalhadores da Vale que atua na área de buscas exerce as funções de operador de máquinas e motorista de caminhão.

Penalidade

Segundo o MPT, que investiga a veracidade da denúncia, caso o trabalho esteja agravando os danos psicológicos provocados pela tragédia nos sobreviventes, a mineradora será multada.

“Nós vamos avaliar se há comprometimento psicológico sobre essas pessoas. Se houver, será descumprimento de acordo – já que a empresa se comprometeu a dar esse suporte aos empregados. A multa prevista nesse caso é de R$ 5.000 a R$ 50 mil por dia”, afirma o procurador do Trabalho Geraldo Emediato, que coordena o grupo do MPT em Brumadinho.

Empregados podem pedir indenização

A utilização dos trabalhadores nas ações de buscas das vítimas da tragédia em Brumadinho pode ser considerada pela Justiça um desvio de função. Os trabalhadores que se sentirem lesados podem, inclusive, tentar obter indenizações por danos morais.

“O empregador não pode alterar a função do empregado. Sem conhecer todos os casos a fundo, posso dizer que, em tese, se uma pessoa é contratada para operar máquinas na retirada de minério, ela tem um tipo de treinamento. Se ela vai buscar corpos, ela precisa estar apta para essa outra função”, afirma Conrado Di Mambro Oliveira, advogado trabalhista e membro do Instituto dos Advogados.

Ele explica que, coletivamente, os trabalhadores podem questionar a situação na Justiça com a ajuda de sindicatos da categoria. Segundo Oliveira, aqueles que sentirem impactos psicológicos mais graves podem ajuizar ações individuais e buscar indenizações específicas.

Sindicato vai acionar Justiça se dupla função for confirmada

O Sindicato Metabase de Brumadinho, que representa os funcionários da Vale, recebeu nos últimos dias várias denúncias de funcionários, que relatam atuar na área de buscas das vítimas desde que voltaram ao trabalho na mina de Córrego do Feijão.

A entidade afirmou que, além do dano psicológico provocado aos funcionários, será apurado se está ocorrendo desvio de função. Nesta quinta-feira (13), os empregados serão ouvidos em uma assembleia. Se os casos forem confirmados, o sindicato vai acionar a Justiça.

“O mais grave é que os trabalhadores estão expostos a uma situação que gera sofrimento à medida que eles revivem a tragédia”, disse o advogado do sindicato, Luciano Pereira.

Vale

Resposta. A mineradora informou que funcionários “que manifestaram desejo de retornar ao trabalho foram acolhidos e executam suas funções”. Por meio de nota, a empresa negou que empregados auxiliem no trabalho de resgate de corpos das vítimas do rompimento da barragem. Ainda de acordo com a Vale, somente trabalhadores aptos clinicamente retornaram ao trabalho e que disponibiliza psicólogos nos locais para acompanhamento constante. 

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