EMPODERAMENTO

Mulheres pretas e autônomas conquistam renda pela educação: "um sonho"

Defensoria Pública forma nesta sexta (3) primeira turma de mulheres assistidas; oportunidade auxilia na geração de renda, empoderamento pessoal e na criação de grupos de apoio entre as mulheres

Por Isabela Abalen
Publicado em 03 de fevereiro de 2023 | 03:00
 
 
Nicoly de Oliveira fez o curso de design de sobrancelhas e agora trabalha em um salão na região Leste da capital Foto: Videopress produtora

Nicoly, Eliana e Paloma têm mais em comum do que imaginam. As três mulheres negras de idades distintas - 28, 50 e 24, respectivamente - dividem a luta contra um mesmo desafio: não perder a vontade de conquistar cada vez mais autonomia para viver e fazer renda, independente de todos os desafios pelo caminho. Nesta sexta-feira (3), elas ficam lado a lado para receber o certificado profissionalizante da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac Minas). Se tornam, agora, profissionais especializadas na área que escolheram. 

É o Projeto Oportunidade, da DPMG em parceria com o Senac Minas e Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (Cori-MG). Por meio dele, 85 mulheres assistidas puderam cursar aulas de culinária, como confecção de bolos e salgados; estética, como designer de sobrancelhas e maquiagem; e bem-estar, como massagem relaxante. Tudo de graça, com passagem inclusa e horário pensado para se adequar a rotina de mães, trabalhadoras e moradoras de áreas afastadas da cidade e, até mesmo, do sistema prisional. 

Nicoly de Oliveira jamais imaginou que procurar a Defensoria uma vez se tornaria em oportunidade de mudança de vida, mesmo que seu interesse inicial tenha sido esse. Como mulher trans, estava em busca de ser reconhecida como Nicoly nos documentos oficiais, até ser convidada a fazer parte do projeto e ir além: se tornar Nicoly, a designer de sobrancelhas. “Um divisor de águas na minha vida. Eu fiquei muito tempo procurando serviço, mas depois, já com aparência feminina, ficou mais difícil. Eu tinha que dar um jeito. Me apaixonei pelo trabalho de estética e a oportunidade do curso veio na hora certa”, conta. 

Hoje, em um salão da região Leste de Belo Horizonte, Nicoly trabalha com mais duas amigas, dividindo a conta e os aprendizados. “Depois do curso, já aconteceu de uma mulher em que eu errei na sobrancelha voltar no salão, fazer de novo, e virar cliente nossa. Eu me tornei melhor. Era o meu sonho e eu não tinha dinheiro para pagar o curso, então só tenho a agradecer”, continua ela, que foi escolhida a oradora da turma na formatura. “Meu discurso é para todas, nós conseguimos nos desenvolver e estou orgulhosa”, celebra.

O orgulho também é sentido pela defensora pública Juliana Bastone, que idealizou o projeto e correu atrás de patrocinadores por mais de um ano para tornar o sonho das mulheres assistidas possível. “Nossa equipe de defensores públicos atende, todos os dias, ex-companheiras que não recebem pensão alimentícia dos filhos e casos de violência contra a mulher. Faltava uma ação para empoderar financeiramente as assistidas, para que elas tivessem oportunidade de se tornar independentes”, conta. 

Quem sabe o valor que a independência tem, tanto no trabalho quanto na autoconfiança, é a Eliana Batista, que fez o curso de produção de salgados. Seu contato com a Defensoria foi se prolongando aos poucos, à medida que era necessário. “Eu procurei por ser vítima de agressão. Tive um tratamento com uma psicóloga por uns nove meses porque não é fácil, melhorava e recaía, com o agressor por perto, a preocupação com filhos”, diz. Mas a imagem que Eliana passa não é diferente de uma mulher positiva e alegre, tendo aprendido a voltar a acreditar em si mesma e na sua força. 

“Eu sou uma mulher alto astral, sempre fui, e a Defensoria me lembrou disso. Sou maravilhosa, mãe, trabalhadora, guerreira, e tudo o que eu quiser só depende de mim. Aprendi a enxergar isso e hoje repasso isso para as colegas”, fala Eliana, que encontrou nas outras mulheres, amigas do curso, um centro de apoio. “Na sala, ninguém sabe o seu problema. O encontro com essas mulheres, cada uma do seu jeito, cor, religião, foi onde aprendemos a nos apoiar. Nós somos maltratadas pelo machismo e precisamos mesmo nos unir”, inspira. 

Agora formada, Eliana tem um sonho para correr atrás. Ela quer abrir um delivery de comidas, sabendo o amor que tem pela cozinha. É isso que motiva ainda mais o trabalho da defensora Bastone. “Ver esses resultados e acompanhar esse projeto me transformou. Eu acredito na educação como transformação social, e esse é um dos trabalhos da Defensoria Pública”, diz ela que foi professora por 20 anos na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Puc Minas). 

E a oportunidade dos cursos foi tão boa que teve quem aproveitou em triplo. A Paloma Rodrigues está se formando em escovista iniciante, massagem relaxante e design de sobrancelhas. A diversidade de atendimentos vai ajudar a autônoma a conseguir mais clientes e custear as despesas próprias e da filha, de sete anos. “Não imaginei que teria essa oportunidade, eu me inscrevi querendo ser independente e correr atrás do meu dinheiro sem precisar depender de homem”, fala, começando a se emocionar. 

É que Paloma procurou a Defensoria porque o pai da criança não pagava a pensão alimentícia da menina. Desde os cinco meses de idade, sua filha sofre com redução de visão, e, desde então, tem sido só as duas. “Eu ligava para ele pedindo caixa de leite, mas a Defensoria me ofereceu muito mais do que isso”, diz. Inclusive, a realização de um sonho. “Eu sempre quis aprender a escovar, e o curso tem um valor alto. Quando vi a oportunidade, foi um sonho. Tanto que fui fazendo outros cursos”. 

Paloma está atendendo as clientes a domicílio e contou com a ajuda de uma amiga, que emprestou a escova de cabelo. Para ela, que ainda não entrou na faculdade, poder se profissionalizar tem um gostinho a mais. “É em uma área que eu gosto, que me identifico. Fico feliz em ver que me apareceram as pessoas certas na hora certa”. 

Na formatura, as mulheres também ganham um kit relacionado a cada curso, para dar mais um incentivo na hora de iniciar o trabalho. Com o sucesso das histórias de cada participante, a intenção agora é que o projeto se amplie, possivelmente para o interior de Minas Gerais, ajustes que ainda estão sendo acordados.