Negros

Nova regra da UFMG para cotas não barra fraude na inscrição

Aluno terá que fazer carta dizendo porque merece benefício, mas informação só será checada por denúncia

Sex, 15/12/17 - 02h00
Carta de próprio punho pode constranger estudantes que pretendem fraudar o sistema de cotas étnico-raciais da UFMG | Foto: Leo Fontes - 22.5.17

A partir de 2018, os estudantes que se autodeclarem negros e indígenas deverão escrever uma carta de próprio punho para realizar o registro acadêmico na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O novo sistema pode constranger aqueles que pretendem fraudar o sistema de cotas étnico-raciais. No entanto, a medida não vai, de imediato, barrar nenhum tipo de trapaça na matrícula, já que o documento só será submetido a uma comissão caso haja alguma denúncia. A alteração no sistema foi divulgada nessa quinta-feira (14) pela instituição. Antes, o candidato se autodeclarava negro, pardo ou indígena apenas marcando um “x” na ficha de inscrição. A UFMG também incluiu pessoas com deficiência no sistema de cotas.

A mudança vem depois de denúncias que mostravam alunos brancos que teriam entrado na UFMG pelo sistema de cotas. Os casos são investigados por uma comissão da universidade. Um dos estudantes deixou o curso por iniciativa própria após a repercussão. O pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis da instituição federal, Rodrigo Ednilson, informou, porém, que a mudança não tem relação com as denúncias, já que a implementação da carta já estava em estudo desde abril.

Redação. Edinilson informou que não existe uma fórmula pronta para que o aluno escreva a carta de autodeclaração. O texto é livre. No entanto, ele deverá ser redigido em formulário próprio e entregue no momento do registro acadêmico. O objetivo é fazer com que o próprio estudante pense em sua identidade. A carta também vai servir como um documento em que a pessoa deliberadamente se identificará como negro, pardo ou indígena. “Não se descarta a autodeclaração, que continua a vigorar como um princípio importante do reconhecimento da identidade dos sujeitos”, argumenta.

Para o pró-reitor, a carta não exime a universidade de qualquer tipo de fraude, mas “aumenta os custos de uma autodeclaração falsa”. Se, após a entrega da carta, a universidade receber algum tipo de denúncia, uma comissão será acionada para estudar a situação.

Nesse caso, a comissão vai analisar, entre outras questões, o fenótipo da pessoa (características físicas do estudante).

Clareza. Segundo Ednilson, além da obrigatoriedade da carta, a instituição mudou o texto do edital para ficar mais claro. Antes, o texto falava em reserva de vagas para autodeclarados pretos, pardos e indígenas. O novo edital vai explicitar: autodeclarados negros (pardos e pretos) ou indígenas. “No imaginário da população, pardo é quem não é branco nem negro. Embora a gente tenha um grau de miscigenação, a política é para negros”, explica o pró-reitor adjunto. Desse modo, se a pessoa tem avós negros e é branca, ela não se encaixa na política de cotas.

No caso dos candidatos com deficiência, eles deverão comprovar sua condição por uma perícia médica obrigatória. O laudo médico deve ser apresentado conforme modelo disponível na site www.ufmg.br/sisu.

Antigo. Há registro de fraude no sistema de cotas da UFMG em 2009. Uma aluna aprovada em primeiro lugar para o curso de medicina usando bônus de cotas tem a pele clara e cabelos loiros.

Entenda. A legislação determina que 50% das vagas dos cursos de graduação sejam destinadas para aqueles que fizeram o ensino médio em escolas públicas. Depois, os candidatos são classificados por renda (com renda familiar bruta mensal per capita inferior ou superior a 1,5 salário mínimo). Em seguida, o aluno indica se têm ou não deficiência e indica a opção pelo recorte étnico-racial. As vagas reservadas são distribuídas entre oito modalidades de cotas.

Fraude. Em setembro o jornal “Folha de S.Paulo” mostrou que pelo menos três estudantes brancos ingressaram na UFMG por meio de cotas raciais. Um deles deixou o curso por iniciativa própria, após a repercussão negativa com a divulgação do caso.


Poucos checam as informações

O pesquisador da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Adilson Pereira dos Santos analisou o processo seletivo de 104 instituições de ensino brasileiras vinculadas ao Ministério da Educação. Desses centros de ensino, somente nove exigiam que uma comissão verificasse a autodeclaração com relação a vagas reservadas para negros, pardos e indígenas.

Segundo Santos, a legislação não obriga que as instituições de ensino verifiquem a autodeclacaração racial por meio de uma comissão. No entanto, extrapolar a regra, nesse sentido, garante que as vagas reservadas não sejam ocupadas por brancos. “O objetivo de uma ação afirmativa é corrigir uma distorção passada”, relembra o pesquisador.

Santos explica que a autodeclaração é, inclusive, uma demanda do movimento negro no país. No entanto, há alguns anos, estudiosos começaram a perceber que pessoas brancas poderiam usar esse instrumento como uma maneira de burlar o sistema, por isso a combinação de uma comissão verificadora e a autodeclaração seria o ideal, para o doutorando.

Além disso, Costa não considera que a pessoa que se autodeclara negra seja necessariamente um fraudador. “Como o tema é complexo e a lei é nova (tem cinco anos), a pessoa pode estar desinformada”, considera.

Validação. As cotas raciais nas universidades foram validadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. A corte não definiu, no entanto, a obrigatoriedade de uma comissão para a validação das autodeclarações nas universidades e nas instituições públicas.


Números

6.339 é o número de vagas na graduação para 2018

3.172 é o número de vagas para alunos de escola pública

3.167 é o número de vagas de ampla concorrência

32 mil é o número atual de alunos de graduação da UFMG

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