Adolescentes fora da lei

"O Estado não é cumpridor de seus deveres junto à infância e à adolescência"

Juíza de Passos, no Sul do Estado, fala da importância da família e do governo na ressocialização dos infratores e na prevenção dos crimes

Por Aline Diniz e Fernanda Viegas
Publicado em 23 de maio de 2013 | 06:00
 
 

A juíza da Vara da Infância e Juventude de Passos, no Sul de Minas, Lúcia Landgraf, conversou com a reportagem do portal O TEMPO sobre a questão dos menores infratores.

Como podem ser aplicadas as medidas socioeducativas? Existe somente a internação ou há outras medidas?
As medidas socioeducativas são aplicadas todas as vezes que um adolescente comete um ato infracional, este definido em artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como uma conduta considerada crime ou contravenção.

Qual o critério usado para aplicação dessas medidas?
A idade do adolescente, as características da infração, a situação em que o ato infracional foi praticado e a capacidade do adolescente em cumprir a medida.

Qual tempo máximo e mínimo que um menor pode ficar apreendido?
O período máximo de internação deverá ser de três anos. Atingido esse limite de tempo, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

O menor pode ficar apreendido em um presídio ou cadeia comum por algum período até que apareça uma vaga?
O assunto está disciplinado no art. 185, 2º do ECA, que dispõe que o adolescente somente poderá aguardar vaga em estabelecimento prisional por no máximo cinco dias, e desde que em cela isolada da dos adultos e com instalações apropriadas.

Quando um adolescente infrator comete um ato infracional grave, como homicídio, e não há vaga para internação, o que é feito?
Infelizmente, nesse caso, o juiz determina a liberação do adolescente que está apreendido provisoriamente na cadeia há cinco dias.

O Estado providencia número necessário de vagas, já que não há centros no Sul de Minas?
Não, de forma alguma. O Estado é deficiente, raramente disponibiliza uma vaga e, quando isso ocorre, geralmente é para aqueles adolescentes que praticam atos infracionais gravíssimos, situação que resulta na sensação de impunidade, fomento da violência e insegurança da população.

Para onde os adolescentes, geralmente, são levados? A senhora considera que a transferência de menores para outras cidades prejudica a execução das medidas socioeducativas daquela região?
Aqui em Passos, em cinco meses que estou atuando na Vara da Infância e Juventude, nos foram disponibilizadas 16 vagas, em vários centros socioeducativos localizados em diversas cidades do Estado, como Sete Lagoas, Uberaba, Belo Horizonte e Montes Claros, ressaltando que a mais próxima fica a cerca de 350 km daqui, e a mais longínqua, a quase mil quilômetros. Esse quadro, além de prejudicar sobremaneira a execução das medidas socioeducativas, gera uma situação dramática aos familiares dos adolescentes, pois esses jovens são, na maioria dos casos, provenientes de famílias que vivem na base da pirâmide social ou abaixo da linha da pobreza, extremamente carentes, que não possuem recursos sequer para a própria subsistência, quanto mais para viajar e visitar seus filhos.

Na opinião da senhora, como deve ser um centro socioeducativo que realmente ajude na ressocialização dos adolescentes infratores? A senhora considera que os centros de Minas Gerais cumprem bem essa tarefa?
Os centros socioeducativos deverão contribuir para a educação e a profissionalização dos adolescentes em conflito com a lei, propiciando-lhes condições necessárias para que construam um projeto de vida independente e responsável. Também deverão fortalecer os vínculos familiares e comunitários, investir em atividades esportivas e solidárias, planejar e executar programas de orientação e apoio aos familiares. A experiência mostra que o percurso comum entre os infratores é o retorno à criminalidade, já que, mesmo sofrendo cerceamento de suas liberdades de locomoção, os adolescentes internados não recebem orientação pedagógica e escolar, o que compromete a estrutura preconizada das medidas socioeducativas pela ausência de meios ressocializadores.

A senhora considera que o Estado poderia atuar na prevenção de atos infracionais? Quais medidas poderiam ser adotadas?
Com certeza, e não só o Estado, mas também a sociedade e, sobretudo, a família. Atualmente, verificamos famílias que vivem “ilhadas” em uma mesma casa, cada um de seus membros permanece isolado. A preocupação com os acontecimentos individuais parece não ser um fator relevante entre os familiares. Não existe diálogo no interior das residências, cada indivíduo tomando conta de seus próprios afazeres sem qualquer preocupação com o outro, não existe a união familiar. Essa falta de atenção, essa omissão, esse descaso, essa indiferença fazem com que os pais não percebam atitudes suspeitas de seus filhos, como mudanças bruscas de comportamento, agressividade exagerada, isolamento, atitudes que, muitas vezes, estão relacionadas a companhias ou até a envolvimento com drogas. Por vezes, o adolescente autor de ato infracional não se sente pertencendo àquele grupo familiar. As figuras parentais são insatisfatórias para dar o suporte necessário ao desenvolvimento dos filhos. São figuras que estão presentes apenas fisicamente, e não conseguem uma ligação mais profunda com os filhos. Além da questão da família, o Estado não é cumpridor de seus deveres junto à infância e à adolescência. O Estado deve priorizar as políticas públicas para o atendimento desses indivíduos de necessidades especiais, investindo no desenvolvimento e melhoria das políticas sociais básicas, notadamente nos serviços de saúde e educação; das políticas de assistência social, incluindo programas auxiliares para indivíduos de baixa renda; das políticas de proteção especial, criando abrigos aos necessitados; das políticas de garantia de direitos, garantindo que todas as conquistas do Estado democrático de direito sejam colocadas à disposição de todos.