Transporte

Perueiros atuam livremente

Mesmo com fiscalização, veículos clandestinos levam passageiros da região metropolitana para BH

Sex, 24/03/17 - 03h00

Apenas dois dias após o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) tirar de circulação 70 ônibus que faziam de forma clandestina transporte intermunicipal de passageiros, na operação Ponto Final, atividade semelhante pôde ser facilmente encontrada em diversos pontos de Belo Horizonte e da região metropolitana. Depois de mostrar em outras ocasiões os perueiros que rodam na capital, a reportagem de O TEMPO flagrou, na manhã dessa quinta-feira (23), diversos motoristas que ligam Belo Horizonte a cidades vizinhas. Os veículos irregulares continuam a circular mesmo com uma fiscalização atuante e atraem usuários em função do preço baixo, da agilidade e do conforto

O combate aos perueiros envolve uma série de desafios, entre elas a dificuldade de caracterizar esses veículos como transporte ilegal. Ha ainda o risco aos passageiros, uma vez que os condutores clandestinos não se submetem a normas, incluindo vistorias para verificar itens de segurança.

Segundo o tenente Reginaldo Silva, do 1° Batalhão da Polícia Militar, a maior parte dos passageiros chega de Ribeirão das Neves, na região metropolitana. Ele comandou nessa quinta-feira (23) uma operação realizada no cruzamento entre as ruas Tupinambás e Rio Grande do Sul, no centro, em parceria com o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DEER-MG).

“É uma fiscalização complicada. As vans costumam ter liminares que permitem que elas rodem. A que multamos (23), por exemplo, terá que ser liberada. Além disso, temos um grande número de carros de passeio que realizam esse tipo de serviço, e fica difícil caracterizar como transporte ilegal”, afirmou.

Durante a operação, uma van foi multada, e uma caminhonete acabou sendo apreendida. A repressão, porém, não intimidou alguns dos motoristas. Enquanto a fiscalização agia, dezenas de pessoas desembarcavam de carros de passeio em um ponto de ônibus nas proximidades.

Já o motorista da caminhonete, Emerson Chamone, 40, lamentou a apreensão de seu veículo e tentou justificar a infração. “O fim do mês apertou, e resolvi pegar uns passageiros no bairro Santa Cecília, em Ribeirão das Neves, para fazer um dinheiro. Estava cobrando o mesmo valor da passagem, R$ 6,10. Era a minha primeira vez nesse serviço, mas agora, nunca mais”, garantiu.

Ponto Final. Não são apenas os perueiros que estão atuando livremente após a realização da operação Ponto Final. Por volta das 6h40 dessa quinta-feira (23), um micro-ônibus foi flagrado desembarcando passageiros na avenida Olegário Maciel, entre as ruas Tupinambás e Caetés. Ele tinha como origem a cidade de Montes Claros, no Norte do Estado, de onde saiu por volta de 23h de anteontem.

Uma passageira do veículo, que não quis ser identificada, afirmou que usa frequentemente o serviço pelo preço mais baixo. “É mais barato, me custou R$ 80. Normalmente, a passagem chega a R$ 100. A viagem foi tranquila, os motoristas vieram certinho, não tive problema”, garantiu. A ilegalidade foi exposta na última terça-feira, quando o MPMG deflagrou a investigação sobre 15 empresas que estariam praticando o transporte clandestino intermunicipal, trazendo passageiros principalmente do Norte de Minas e do Vale do Aço.

Constante. Apesar de oferecerem preços mais baixos ou similares aos dos ônibus convencionais, os veículos clandestinos não oferecem garantias aos usuários, como seguros, vistorias, manutenções e treinamento de motoristas.

MPMG quer identificar crimes e punir ilegais com mais rigor

A partir da operação Ponto Final, deflagrada na última terça-feira, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pretende mudar a forma de abordagem ao transporte clandestino. Como explica a promotora Cláudia Freitas, as punições previstas atualmente no Código de Trânsito são brandas.

“Mudamos o enfoque para uma visão criminal, que tem consequências mais rígidas. Muitas vezes, quando os veículos são parados, eles acabam liberados em função da legislação de trânsito, tomando apenas uma multa, um risco que, muitas vezes, compensa para eles. Agora, conseguimos enquadrar os veículos como sendo usados para a prática de um crime”, afirmou.

A estimativa do MPMG é que o esquema investigado pela operação Ponto Final tenha contribuído para uma redução de 30% na venda de passagens das empresas regulares no Estado entre 2012 e 2016.


Usuários relatam medo de viagens

Embora para os passageiros que optam pelo serviço de transporte clandestino os riscos sejam compensados pelo baixo preço, pela velocidade e pelo conforto, relatos de usuários demonstram que a situação não é tranquila. Muitos dizem ter medo de viajar nesse tipo de veículo.

Uma passageira que veio em um micro-ônibus de Montes Claros, no Norte de Estado, afirmou que, para fugir de uma possível apreensão, o motorista pegou um caminho alternativo. “Em um dado momento, ele teve que fazer um desvio, pois havia uma fiscalização à frente”, contou a mulher, que pediu para não ser identificada.

Outra usuária, que desembarcou de um carro na rua Tupinambás, no centro de Belo Horizonte, na manhã dessa quinta-feira (23), disse que optou pelo clandestino pela falta de oferta do transporte regular em seu bairro. “Esperei meia hora, não passou nenhum ônibus. Todo mundo tem horário, prazo. Não posso esperar demais para vir trabalhar”, desabafou.


Saiba mais

Fiscalizações. O DEER-MG informou que realizou, em 2016, 160 ações de fiscalização em BH. Segundo o órgão, foram apreendidos 66 veículos, com a aplicação de 164 multas. Neste ano, até agora, foram 57 ações, seis veículos irregulares apreendidos e 49 multas.

Trabalho. O DEER-MG informou ainda que mantém ações diárias, em pontos diversificados e em horários aleatórios, em parceria com PM, BHTrans e Guarda Municipal.

Penas. Os motoristas flagrados estão sujeitos às penas previstas na Lei 19.445/2011. São elas apreensão do veículo; pagamento de multa (R$ 1.625,70), no caso de reincidência o montante dobra; pagamento das despesas referentes a transbordo de passageiros, guincho e permanência do automóvel no pátio de detenção.

Justiça. Liminares expedidas pelo Tribunal de Justiça de Minas (TJMG) apresentam decisões que inibem e impedem as ações de fiscalização, segundo o departamento, que alega ter recorrido de todas elas.

Neves. Procurada para comentar o assunto, a Prefeitura de Ribeirão das Neves não havia se posicionado até o fechamento desta edição.

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