Na UFMG

PF apura desvio de R$ 4 milhões destinados a bolsas de estágio

Reitor e vice-reitor além de seis pessoas foram conduzidos coercitivamente à sede da Polícia Federal em BH; sindicatos e comunidade acadêmica questionam operação

Qua, 06/12/17 - 12h46
Dados. Polícia Federal fez busca e apreensão na sede da Fundep e recolheu computadores e documentos | Foto: Uarlen Valerio

A Polícia Federal (PF) deflagrou na quarta-feira (6) a operação Esperança Equilibrista, que apura a não execução de obras e o desvio de recursos públicos destinados à construção e implantação do Memorial da Anistia Política do Brasil, uma iniciativa do Ministério da Justiça em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os repasses foram realizados pela pasta, e a execução é de responsabilidade da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep).

O inquérito apurou que teriam sido gastos cerca de R$ 19 milhões na construção da estrutura e em pesquisas de conteúdo para a exposição permanente do memorial. Porém, segundo a PF, o único produto aparente é um dos prédios do projeto, ainda inacabado.

O delegado responsável pela operação, Leopoldo Lacerda, afirmou que as investigações indicam, até o momento, que R$ 4 milhões foram desviados por meio do pagamento de bolsas de estágio e de extensão na UFMG. “Verificamos desvio de quase R$ 20 milhões efetivamente pagos nesse projeto. Cerca de R$ 4 milhões temos comprovado que foram desviados para contas de outros projetos e pagamentos de bolsas de estágio e de extensão. Pretendemos com as buscas e apreensões identificar quais são essas contas e projetos”, contou.

Lacerda explicou que o valor do auxílio para o projeto variava entre R$ 1.800 e R$ 8.000. Questionado sobre o destino do dinheiro desviado e quem seria o suposto beneficiário, o delegado afirmou que a PF ainda não possui essa informação: “Ainda estamos investigando o beneficiário final. Temos a conta de passagem, que é da própria Fundep, valores que deveriam ser pagos e foram desviados para outras contas da fundação”.

A operação conduziu coercitivamente oito pessoas, ligadas à UFMG e a empresas que participaram do suposto esquema. Lacerda disse que o projeto sempre esteve a cargo da reitoria e da vice-reitoria da universidade.

Foram conduzidos coercitivamente o atual reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramírez; a vice-reitora e reitora eleita, Sandra Regina Goulart de Almeida; a ex-vice-reitora Rocksane de Carvalho Norton; o presidente da Fundep, Alfredo Gontijo de Oliveira; a professora e organizadora da exposição, Silvana Coser; e a ex-vice-reitora Heloísa Maria Murgel Starling.

À imprensa, a professora Silvana Coser negou ter conhecimento das irregularidades. “Trabalho em uma instituição íntegra, séria e com 90 anos de história. Não só a instituição é séria, como as pessoas envolvidas são sérias. Desconheço qualquer desvio”, disse.

Mais tarde, a integrantes da comunidade universitária que se reuniram em frente ao prédio da reitoria, Jaime Ramírez anunciou reunião extraordinária do Conselho Universitário para a definição de ações em defesa da instituição. “A UFMG nunca se curvou e nunca se curvará ao arbítrio. Vamos resistir sempre”, disse o reitor.

Na ordem judicial que autorizou a operação da PF ainda constam os nomes da gerente de finanças da Fundep, Sandra Regina de Lima, e da ex-secretária de Cultura do governo Aécio Neves (PSDB) Maria Eleonora Barroso Santa Rosa. Ela administrava a empresa Santa Rosa Bureau Cultural, em que foram encontradas irregularidades nos contratos.

Caso o envolvimento dessas pessoas seja comprovado, elas podem responder pelos crimes de peculato e organização criminosa. Segundo o delegado, todos foram conduzidos coercitivamente para serem ouvidos ao mesmo tempo, o que, de acordo com Lacerda, contribui para a qualidade da investigação.

Nome

Explicação. A operação foi batizada de Esperança Equilibrista em referência à música “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc. A canção é considerada o hino dos anistiados.

 

Obra inacabada motivou ação

O projeto do Memorial da Anistia Política do Brasil é dividido em duas etapas. A primeira consiste na construção do museu, e a segunda, em pesquisa de conteúdo e produção do material a ser exposto. As obras começaram em 2013, e a entrega deveria ter acontecido em 2015. Até hoje, porém, elas não foram finalizadas. “O projeto não foi concluído não só por má gestão, mas também por desvio de dinheiro público”, disse o delegado responsável pela operação, Leopoldo Lacerda.

A investigação teve início em março deste ano. Segundo o delegado, o que motivou o início dos trabalhos foi a visível obra inacabada do memorial, localizado no bairro Santo Antônio, na região Centro-Sul da capital. Além da Polícia Federal, a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) também participam das investigações.

“Esses dois órgãos tinham informações graves a respeito de irregularidades que aconteciam nesse projeto do Memorial da Anistia do Brasil. Dentre eles, eu posso citar documentos que apresentavam nitidamente informações falsas, como assinatura de bolsistas e informações na prestação de contas que não condiziam com a movimentação bancária que de fato aconteceu”, explicou o delegado.

Por meio de nota, a UFMG informou que, por se tratar de apuração que ocorre em sigilo, a instituição “não pode se manifestar sobre os fatos que motivam a investigação em curso”. “Entretanto, dada a transparência com que lida com as questões de natureza institucional, a UFMG torna público que contribuirá, como é sua tradição, para a correta, rápida e efetiva apuração do caso específico”, diz o texto.

Próximo passo

Futuro. Segundo a Polícia Federal, os próximos passos da investigação consistem em analisar os objetos apreendidos nas buscas, principalmente os contratos de bolsistas e prestadores de serviço.

Sem resposta

Algumas perguntas foram feitas aos investigadores da Polícia Federal, mas ficaram sem resposta:

Quem foram os beneficiados pelos supostos desvios de verba pública no Memorial da Anistia Política do Brasil?

Para onde esse dinheiro teria sido desviado?

Quantas bolsas de estudo teriam sido usadas para o desvio dos recursos destinados ao memorial?

Por que os suspeitos de envolvimento nos desvios não foram chamados para prestar esclarecimentos antes de serem conduzidos coercitivamente pela Polícia Federal?

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.