Cubículos com pequenas camas, sugerindo para um possível "cativeiro de crianças", foram encontrados na madrugada desta quinta-feira (2 de março) no lote em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde uma família teria sido mantida em cárcere privado. A Polícia Militar (PM) compareceu ao local após um pedido de "ajuda" da advogada Andrezza Araújo, que é a defensora de Katia Cristina, de 30 anos, mãe dos meninos que foram resgatados completamente desnutridos e trancados em um apartamento no bairro Lagoinha, em Belo Horizonte.
A informação foi confirmada a O TEMPO nesta manhã pela Polícia Militar (PM), que foi acionada até o terreno depois da denúncia feita pela advogada. A defensora já havia pedido que a Polícia Civil fizesse buscas no local após vizinhos e ela sentirem um forte cheiro de "carniça" no local.
Segundo a corporação, a "informante" relatou que no local onde o menino de 4 anos foi espancado e morto "existiria um compartimento trancado por telhas onde possivelmente poderiam estar outras crianças". Ao chegar no local, os militares do Grupo Especializado em Recobrimento (GER) encontraram os cubículos com "caminhas".
Ainda conforme os militares, mesmo no escuro, durante a madrugada foram realizadas buscas em todo o terreno com pelo menos 20 militares. Entretanto, por conta das condições e possibilidade de haver um corpo no local, foi solicitada uma nova busca com o apoio de cães farejadores ao amanhecer. Militares permaneceram no local, para garantir a preservação da cena, durante toda a madrugada.
A manicure Viviane do Nascimento Pereira Santos, de 29 anos, que foi uma das vizinhas que denunciaram e ajudaram no resgate aos dois garotos em BH, acompanhou a polícia militar durante a operação. "Misericórdia, nunca vi uma coisa tão assustadora. Horrível. Saí daqui era meia-noite e só cheguei em casa 4h. Quanto mais você anda no sítio, mais coisa você vai achando", contou, ainda assustada, a mulher.
Crianças estão reaprendendo a comer
As crianças mantidas em cárcere em apartamento no bairro Lagoinha, região Noroeste de Belo Horizonte, são mantidas por dias no hospital porque elas estão reaprendendo a comer. A informação foi confirmada a O TEMPO por uma fonte ligada à apuração dos crimes e que pediu sigilo por medo.
Os irmãos, de 6 e 9 anos, estão internados no Hospital Municipal Odilon Behrens, desde o dia 21 fevereiro, após darem entrada com sintomas de desnutrição. Ao todo, eles podem passar até 15 dias internados, já que ficaram, pelo menos, três dias sem comer, após uma mulher que se identificava como avó das crianças sumir sem deixar vestígios. Os meninos foram localizados por uma vizinha que fazia churrasco no dia do resgate.
Entenda o caso
- A denúncia
A denúncia de que as crianças estavam sendo mantidas em cárcera foi feita por uma vizinha, a vendedora Poliana Pereira dos Santos, de 37 anos. Ela acionou a polícia depois que percebeu que elas estavam sozinhas no apartamento e sem o auxílio de familiares. Ela tentou alimentar as crianças por um buraco na parede do apartamento. A porta da residência onde elas estavam foi trancada com um cadeado e correntes.
- O local em que as crianças estavam
Conforme a denunciante, no local em que as crianças estavam, havia uma vasilha de comida com bicho. Em entrevista ao TEMPO, ela descreveu o cenário. "Encontramos muita sujeira, o cheiro era tão forte que, quando os policiais abriram a porta, nem eles aguentaram. A gente se emocionou muito quando vimos os dois, com os bracinhos fininhos, um deles sem conseguir nem falar. Aí começamos a chorar. Aqui tudo sujo, tudo podre, vasilha com bichos, colchão no chão", relatou.
- Menino sentiu cheiro de churrasco e pediu comida
Uma das crianças resgatadas pediu um pouco de comida para a vizinha depois que sentiu o cheiro do churrasco que era feito por ela. "Meu sobrinho estava andando de bicicleta aqui e, pelo buraquinho, ele viu e pediu um pouco de comida. Meu sobrinho, que tem mais ou menos a idade dele, veio até mim e contou. Fui até a porta e vi os dois, um deles disse que estava com fome e pediu churrasco para ele e o irmão. Pedi para ele abrir a porta, e ele falou que podia ser por ali mesmo. Falei que a vasilha não cabia no buraco. Ele, então, sugeriu que eu colocasse em uma sacolinha e disse 'eu estou com muita fome, me dá churrasco'", detalhou a vendedora Poliana dos Santos, de 37 anos, responsável por fazer a denúncia para a polícia.
A criança disse para a vendedora que elas estavam acompanhadas da avó. No entanto, o menino voltou a pedir comida durante a noite daquele dia, o que intrigou a vizinha e indicou de que elas estariam sozinhas.
- Os responsáveis pelas crianças
A investigação apontou que as crianças são filhas de uma mulher, de 30 anos, que foi presa por maus-tratos a outro filho, morto no último dia 6 de fevereiro. O caso foi registrado em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital. De acordo com o boletim de ocorrência, no início do mês, a mulher levou o filho de 4 anos ao médico, mas a criança já estava morta. O menino chegou com lesões no olho, inchaço no pé e queimaduras no tornozelo.
O pai biológico das crianças, segundo a apuração do caso, teria morrido de Covid-19, em 2020. Em depoimento à polícia, uma das vítimas resgatadas no apartamento, na última terça-feira (21), informou que elas haviam vindo de São Joaquim de Bicas, na semana anterior ao resgate, e que a avó teria passado a noite de sábado (18) com elas, mas não retornou.
No texto, que O TEMPO teve acesso com exclusividade nesta sexta-feira (24), a mulher começa pedindo perdão ao irmão. "Me perdoa por tudo que está acontecendo", escreveu. "Proteja os meninos por favor, se você pode cuidar deles, pois não sei quando sairei daqui", continua Kátia.
O irmão dela está, desde quinta-feira (23), acompanhando os dois garotos no Hospital Odilon Behrens. Eles estão internados no local após serem resgatados com sinais de desnutrição no apartamento, que estava trancado com uma corrente. Os garotos foram localizados após sentirem cheiro de churrasco que era feito na casa vizinha e pedirem um pouco de comida.
Em seguida, Kátia ainda afirma que, se o irmão quiser a guarda dos filhos, "pode pedir que eu assino". A mulher está presa desde o dia 6 de fevereiro, quando levou o filho de 4 anos para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) já sem vida. Ela estava acompanhada, na ocasião, de um homem de 31 anos que, no dia seguinte, acabou preso sob suspeita de envolvimento no crime.
- Advogados acreditam que ela foi vítima de escravidão
Apesar da suspeita de maus-tratos contra o filho de 4 anos que recai sobre Kátia, os advogados acreditam que ela e a família tenham sido vítimas de uma quadrilha que alicia pessoas e as força ao trabalho análogo à escravidão. O garotinho morreu.