Em Vespasiano

PMs acusados de homicídios enfrentam segundo dia de julgamento

A sentença dos réus será dada por júri composto por três homens e quatro mulheres; interrogatórios terminaram às 19h desta terça; trabalhos recomeçam na manhã desta quarta (16), com a fase de debates

Ter, 15/07/14 - 19h00

O segundo dia de julgamento dos seis policiais acusados de tentativa de homicídio contra três pessoas durante um cerco policial, começou às 9h desta terça-feira (15), no Fórum de Vespasiano, na região metropolitana da Belo Horizonte. O dia foi marcado pelo depoimento de testemunhas e interrogatório dos réus. Os trabalhos foram encerrados às 19h. Na manhã desta quarta(16), o julgamento entra na fase de debates.

A sessão foi iniciada com o depoimento de Edmilson de Souza, policial que participou da operação de bloqueio na rodovia. Ele respondeu às perguntas da defesa e falou sobre a hierarquia do grupo responsável pela operação em Vespasiano.

Souza contou que chegou com atraso ao local do cerco por problemas técnicos em sua viatura e pelo movimento gerado pelo Carnaval. Ele disse também que não se lembra se o manual de práticas que era utilizado na época é o mesmo de hoje. O policial disse ainda que, em 2004, não havia treinamento para ações como aquela,

Ele explicou que, em situações como aquela, o policial mais graduado que estiver presente é o responsável por orientar os procedimentos, mas não soube dizer se o bloqueio no bairro Morro Alto foi realizado sob as ordens de um policial militar.

Souza contou que já viveu outras situações em que houve troca de tiros e que é preparado para atuar nesses casos. Mesmo assim, ele reconheceu que cada um pode reagir de maneira diferente diante de uma situação, de acordo com seu preparo psicológico. O depoimento do policial foi encerrado pouco antes das 10h, quando começou a ser ouvido Simei Teles da Silva, policial militar reformado. Ele trabalhava na noite em que o crime aconteceu e disse que recebeu, via rádio, a informação de que um carro havia sido roubado na região.

Silva contou que recebeu ordens para manter sua atenção no veículo que estava em fuga e, como era o comandante de sua guarnição, ele decidiu posicionar seu carro de modo que a rodovia ficasse bloqueada. A intenção, segundo Silva, era fazer com que os ocupantes deixassem o veículo ao ver o efetivo policial. No entanto, ainda de acordo com o policial, os assaltantes ultrapassaram a barreira e atiraram contra os policiais. Assim que o carro passou, segundo Silva, os policiais seguiram a rota de fuga.

Durante a sessão, o policial reformado respondeu aos questionamentos da promotora do Ministério Público, Marina Kattah e, em seguida, às perguntas da defesa. O depoimento dele foi encerrado pouco antes das 11h, quando começou a ser ouvido o perito Maurício Brandão Elias, contratado pela defesa dos réus.

Laudo

Em seu depoimento, Elias disse que o posicionamento dos veículos descrito no laudo não é compatível com as estratégias de abordagem da Polícia Militar e que o posicionamento dos veículos apontado no documento é inclusive diferente do apresentado na reconstituição dos fatos.

Ainda de acordo com Elias, não há elemento técnico nos autos que confirme o posicionamento da vítima, conforme apresentado no parecer. A testemunha acrescentou que a reconstituição feita pela Polícia Civil indica que haveria, como hipótese mais provável, mais de uma linha de tiro no local. Mas, para Elias, não é admissível que se faça uma conclusão com base em hipóteses.

Ele analisou também o laudo de necropsia de Ana Paula Nápoles, que informava haver apenas um orifício no corpo, local de entrada do projétil. De acordo com o perito, para precisar a trajetória externa de um projétil, é necessário contar também com a informação do posicionamento do orifício de saída e que, por isso, não é possível saber o local exato em que Ana Paula estava quando foi atingida. Segundo Elias, não foi possível determinar a origem do disparo que vitimou Ana Paula.

Questionado pela Promotoria, o perito Maurício Elias disse que o parecer da Polícia Civil utilizou os mesmos elementos pesquisados por ele. Disse, inclusive, que os peritos da polícia civil só visitaram o local dos fatos após um ano do ocorrido. Elias informou que tinha conhecimento de que as armas dos policiais presentes na operação estavam em perfeito funcionamento.

Após analisar a afirmativa do perito, de que o parecer da Polícia Civil seria inidôneo, porque foi feito após a retirada da vítima e dos projéteis, a promotora questionou se não seria então igualmente inidôneo o laudo feito pelo próprio Elias, já que ele realizou seu trabalho meses após o ocorrido. Ele respondeu que não, pois se ateve a questões que ficaram idôneas nos autos.

Interrogatório dos réus

A sessão foi suspensa para o almoço pouco antes de 12h, quando terminou o depoimento do perito Maurício Brandão Elias. Os réus começaram a ser interrogados quando os trabalhos foram retomados. 

O policial Marcílio Vieira Jr., que estava na viatura com o cabo Renato Losha, contou que os suspeitos passaram pelo carro atirando. O policial revidou com dois disparos e seguiram em perseguição. Ainda segunda Marcílio, após a colisão, os ocupantes do Gol desceram atirando. O réu informou que desceu na mesma direção dos assaltantes, que atiravam e revidou com dois disparos.

Ainda segundo Marcílio, os acusados teriam entrado em quintais no bairro Morro Alto e neste momento, outros policiais se aproximaram. O réu ainda disse que o local dos fatos era mal iluminado e dificultava a visibilidade e informa que ele não realizaria um bloqueio na MG- 010 por causa do intenso trânsito de carros e a passagem constante de civis.

Ele também disse que só soube que havia civis feridos quando já estava dentro do bairro Morro Alto e acredita que após o fato adquirir ampla visibilidade na imprensa, houve uma mudança de postura por parte do comando da PM.

Marcílio chegou a falar que os policiais se sentiram “órfãos” sem receber o apoio da corporação e que acredita que outros policiais deveriam responder ao processo, pois seria possível identificá-los por meio da escala do dia.

Em seu depoimento, o réu deixou claro que houve troca de tiros e que atirou contra os suspeitos, mas alegou não existir mais ninguém na linha de tiro a não ser os suspeitos.
O segundo réu a ser interrogado, o cabo Renato Losha, garantiu não ter disparado contra os suspeitos e disse que somente depois disso foi que ele atirou duas vezes contra o pneu do carro usado pelos assaltantes. Ele também disse que permaneceu na viatura e afirmou que os assaltantes seguiram atirando e em fuga em direção ao Morro Alto. Losha também disse que não houve bloqueio e que depois de um carro parar, os outros foram parando na sequência. Ele disse ter atirado três vezes.

O réu informou que foi aposentado por invalidez por ter sofrido duas lesões e também por problemas psiquiátricos e também disse não ter visto nenhum civil na rodovia, apenas os assaltantes.

Em seguida, foi ouvido o policial Edson Simonal, que participava da operação de Carnaval e disse que quando ouviu o alerta no rádio se deslocou com a viatura até o local mas, avaliando que não chegaria a tempo, ele parou em um trecho e ficou esperando, até que outras viaturas passaram por ele e disseram que o Gol era visado.

Nesse momento, segundo ele, não houve disparos, mas durante a perseguição, depois, ele disse ter visto clarões de tiros vindos do Gol. Edson afirmou que sua viatura não reagiu, mas ouviu o barulho de tiros, provavelmente disparado por outros policiais. Em uma das manobras, o carro dele ultrapassou a viatura de Pedro Leopoldo e ficou em segundo lugar. Foi quando o Gol tentou desviar, de acordo com o policial, mas bateu no poste e os ocupantes desceram. Edson disse que a viatura parou atrás.

Os assaltantes teriam pegado uma trilha e dois deles atiraram, segundo Edson, com revólveres calibre 38 ou 32, como a polícia. Quando isso aconteceu, o policial teria saído e ficado no acostamento, e revidado com dois disparos, apesar de ter ouvido vários outros tiros.

Havia muitos militares no local, mas o réu não soube dizer se eles atiraram. Foram pelo menos 10 disparos, mas quando os suspeitos pularam o muro de uma casa, o policial disse ter os perdido de vista e disse que os assaltantes só atiraram uma vez.

Edson contou que a perseguição foi muito rápida e que não sabia do bloqueio. Ele também garantiu que não viu nenhum civil no local, já que se concentrou nos suspeitos. O militar afirmou que só soube dos baleados após retornar ao Morro Alto, sendo que informou a numeração de sua arma e foi orientado a entregá-la no fim do turno. 

O policial ainda chegou a dizer que os militares que chegaram depois não viram os assaltantes e podem ter confundido alguns dos civis com os perseguidos. Edson é PM há mais de 20 anos e disse que "a operação deu errado por falta de comunicação e por ter envolvido civis no bloqueio". Ele ainda disse que, assim como os demais policiais, sofreu ao saber da morte de uma inocente.

Em seguida, o réu Robson Balbino Leonardi passou a ser interrogado pelo juiz. Ele afirmou que os ocupantes do veículo atiraram contra as guarnições que os seguiam durante a fuga e, após furarem um bloqueio, bateram no poste e "os três desceram atirando para todos os lados", disse durante o julgamento. 

O policial chegou a confessar que efetuou disparos contra os suspeitos revidando após eles terem atirado. A arma do militar, que também está na corporação há 20 anos, foi recolhida por determinação do comando no final do turno. Ele também chegou a afirmar que o que deu errado na operação foi "parar o carro de pessoas que nada tinham a ver com a situação". 

O próximo réu a ser ouvido foi Claudinei Cassemiro, que era da guarnição que atendeu primeiro à ocorrência, sendo os primeiros a chegar no local. Ele contou que as vítimas disseram que os suspeitos estavam armados e, quando o veículo passou por eles, os acusados foram identificados e passaram a seguí-los. 

Ele também afirmou que os suspeitos efetuaram diversos disparos contra as viaturas antes de correrem em direção ao aglomerado. Claudinei também confessou ter efetuado disparos e disse ter corrido atrás do trio juntamente com Marcílio, Robson, Edson e Renato. Ele também teve sua arma apreendida. 

Depois de Claudinei, o réu José Luiz, que estava na mesma viatura dele, passou a ser ouvido. Em seu depoimento, o militar afirmou que as vítimas disseram que todos os assaltantes estavam armados. Após os assaltantes efetuarem disparos em direção à viatura, José diz ter efetuado um disparo, mas que errou. Ainda segundo ele, durante a perseguição outras viaturas também passaram a auxiliar na tentativa de prisão. Próximo à favela do Marcelão, duas viaturas faziam um afunilamento. O Gol e os três carros da polícia passaram, daí houve troca de tiros. Os carros passaram a rodar em zigue-zague e o Gol bateu. A viatura de Luiz parou, e ele correu atrás dos assaltantes, que já haviam descido e atiravam contra os militares.

Luiz  afirma que ficou para trás e não subiu, mas entrou pelo mato, porque viu um homem se dirigir para lá. Ele não sabe quem atirou. Quando os indivíduos entraram no bairro, Luiz viu vários policiais do outro lado. Na sequência ele  viu uma pessoa agachada, se assustou e atirou. O homem se levantou, e o militar atirou de novo. No entanto, Luiz sustenta que a pessoa saiu do Gol e correu para lá. Luiz disse ainda não ter disparado na direção do Morro Alto nem no Gol. Depois de deixar o baleado na viatura, ouviu que uma moça fora baleada. Segundo ele, a iluminação no local era péssima. O policial Luiz desceu até a vala, e ajudou no socorro à Ana Paula, que foi levada até o Hospital Dom Bosco. Luiz chorou e diz ter se arrependido por ter atingido um inocente e também pela morte de Ana Paula.

Na época do crime, 2004, José Luiz tinha 20 anos de Polícia Militar. Ele se reformou neste ano.

Os interrogatórios foram encerrados no início da noite desta terça. A sessão será retomada às 8h45 desta quarta-feira (16), com os debates.

O caso

Em fevereiro de 2004, os militares perseguiam assaltantes pela MG-010, próximo a Pedro Leopoldo e, durante a abordagem, a comerciante Ana Paula Nápoles Silva, que passava pelo local, foi baleada na cabeça e morreu. Outras duas pessoas ficaram feridas na ação.

A sentença dos réus será dada por um júri, composto por três homens e quatro mulheres. A previsão é de que o julgamento dure até esta quarta-feira (16). Na tarde dessa segunda-feira (14), cinco  testemunhas foram ouvidas.
 

Atualizada às 19h

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