OCUPAÇÃO VITÓRIA

Por não permitir venda de lotes em ocupação, militante é assassinado

Ele foi morto na tarde dessa terça-feira por três pessoas que queriam ficar com um terreno da ocupação, mesmo morando em Betim; os suspeitos seguem foragidos

Por JULIANA BAETA
Publicado em 01 de abril de 2015 | 16:58
 
 
Morte de Bahia chocou moradores da ocupação Vitória, que se mobilizam junto a movimentos populares e pedem pela prisão dos responsáveis arquivo pessoal

Um dos principais militantes e lideranças do local foi assassinado a machadadas e marteladas na tarde dessa terça-feira (31). O corpo de Manoel Ramos de Souza, de 26 anos, mais conhecido como Bahia - em referência a sua terra natal - é velado na ocupação Vitória desde as 15h desta quarta-feira (1°).

O motivo do crime teria sido, segundo companheiros de Bahia, a luta do líder em não aceitar a venda de espaços dentro da ocupação Vitória, na região do Isidoro. A área fica na divisa entre Belo Horizonte e Santa Luzia e é alvo de grande especulação imobiliária.

Em 2010 o prefeito Marcio Lacerda anunciou que a área, comercialmente conhecida como Granja Werneck, abrigaria um amplo projeto de moradias com 75 mil habitações, podendo ser transformada em uma nova regional de Belo Horizonte. A área é maior que a compreendida pela Avenida do Contorno, e o investimento previsto à época era de R$ 7,7 bilhões. O projeto ainda não saiu do papel.

Bahia será velado até as 21h, quando o corpo deve partir rumo a cidade de Paulo Afonso, na Bahia, onde nasceu e será enterrado. A morte do militante chocou não só seus vizinhos na ocupação, mas mobiliza também diversos movimentos populares que pedem pela prisão e punição dos responsáveis.

De acordo com o boletim de ocorrência registrado pela Polícia Militar, o crime aconteceu por volta de 15h dessa terça, quando Bahia iniciava um processo de assentamento. Ele foi surpreendido por três pessoas que moram em Betim, sendo eles dois irmãos e o filho de um deles. O trio chegou em um Fiat Siena e uma Kombi ao local, cada um armado com alguma ferramenta: um machado, um martelo e uma enxada. Testemunhas disseram que um deles empunhava um facão também. 

O trio passou a agredir Bahia com as ferramentas até ele cair no chão, e mesmo sem esboçar nenhuma reação, a vítima continuou sendo agredida, principalmente, na cabeça. Após vários golpes, dois dos suspeitos entraram no Siena e, antes de fugirem, passaram pelo terceiro suspeito que ainda continuava agredindo Bahia no chão e gritaram: “acaba de matar, acaba de matar”.

Depois de mais alguns golpes o último suspeito entrou no carro e o trio fugiu, deixando a vítima inconsciente no chão e testemunhas indignadas com o que havia acabado de acontecer. Moradores da ocupação colocaram fogo na Kombi que foi deixada para trás pelos suspeitos e o veículo foi completamente destruído pelas chamas.

Segundo a Polícia Militar, a irmã de dois dos suspeitos foi quem chamou o trio para “conversar” com a vítima, já que, de acordo com ela, o terreno que Bahia havia demarcado como um novo assentamento, seria uma área prometida por ela a uma filha dela que vai se casar. Ainda de acordo com a polícia, uma testemunha contou que os suspeitos costumam apenas demarcar as áreas que eles querem na ocupação e que eles não moram no local, mas mesmo assim tomam os terrenos à força.

Os suspeitos seguem foragidos e a polícia informou que ainda procura por eles. A vítima chegou a ser socorrida pelas próprias testemunhas e levada para a UPA São Benedito, mas por causa da gravidade dos ferimentos que sofreu na cabeça acabou não resistindo e morreu na unidade. 

A Polícia Civil informou que está investigando o caso e que, por enquanto, não irá dar mais detalhes. 

Luto e homenagens

Desde a morte de Bahia, movimentos populares e entidades ligadas às ocupações se manifestam por meio de páginas e redes sociais. O blog da ocupação Vitória, por exemplo, postou sobre o ocorrido:

“Bahia foi assassinado a golpes de machado e facão por oportunistas infiltrados na comunidade Vitória, indivíduos que pretendiam lucrar com a luta de milhares de famílias que lutam aguerridamente por moradia própria, digna e adequada. Bahia tombou no lugar onde sonhou viver, um sonho que não era só dele, mas compartilhado por milhares de famílias que desejam se libertar do aluguel e da humilhação de sobreviver de favor; um sonho de outras tantas pessoas, dentro ou fora das ocupações, que assumem o compromisso de construir uma cidade onde caibam todos e todas”.

FOTO: ocupacaovitoria.blogspot.com.br
Imagem da vítima é divulgada pelos movimentos em homenagem 

O site do movimento Brigadas Populares também se manifestou: “Bahia morreu impedindo que as áreas ocupadas não fossem griladas por aproveitadores e oportunistas que vivem às custas da batalha do povo pobre brasileiro. Morreu por ser justo e por fazer do princípio da igualdade seu maior estandarte. Foi vítima da cobiça intolerável de poucos, da intransigência dos poderes públicos em construir uma solução justa, pacífica, negociada e rápida para o maior conflito social urbano do Brasil, hoje instalado na Região do Isidora. Foi a ausência de uma política efetiva de Reforma Urbana que fez do Bahia uma vítima, e nos privou a todos da presença deste gigante em coragem e generosidade”.

Integrantes dos movimentos disseram que Bahia já vinha sendo ameaçado há algum tempo por não permitir que outras pessoas lucrem em cima das ocupações. Eles também citaram a vítima como “uma das pessoas mais humanas que já conheceram” e se referiram a ele como um grande lutador pelo direito à moradia e à terra. Apesar de não se identificarem, os entrevistados preferirem unificar os depoimentos citando os movimentos envolvidos: o Brigadas Populares, Comissão Pastoral da Terra, Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas e a coordenação das Ocupações Vitória, Esperança e Rosa Leão.

Traslado e enterro

A mobilização também gira em torno do traslado do corpo de Bahia para a cidade de Paulo Afonso. Por meio de uma postagem no Facebook, um integrantes dos movimentos, antes de anunciar a “vaquinha” para arcar com os custos do sepultamento do corpo e o traslado, lembrou da vítima no Carnaval:

“Semanas antes do carnaval caminhamos pelas ruas de terra que ligam as ocupações Esperança e Vitória. Bahia desenhava o percurso, nos apresentando pessoas, lugares. Ele, com um sorriso largo, brincava com as crianças, provocava os moradores e anunciava a saída do bloco Filhos de Tcha Tcha na ocupação. No dia da festa, as águas lavaram o caminho transformando em barro a terra. E nós pudemos vivenciar a dificuldade ordinária daquelas família e experienciar sua solidariedade no acolhimento que davam às pessoas, abrigando os foliões em seus barracos, doando roupas limpas e secas, preparando um café quente”.

Os custos com o traslado do corpo e o sepultamento giram em torno de R$ 10 mil, e com a mobilização nas redes sociais e entre os movimentos, já foi possível conseguir um quarto do valor. Para quem quiser ajudar com os custos do enterro, os dados são:

Caixa Econômica Federal (104)
Conta Corrente 1811-7
Agência 1667 / Cooperação Comunitária e Popular - Casa Palmares
CNPJ 12.528.103/0001-08.