Pesquisa

Quase metade dos processos de homicídio prescreve em BH

Além de tempo longo entre datas de crime e júri, há casos em que réu morre antes de receber pena

Seg, 29/05/17 - 03h00
BH tem dois Tribunais do Júri; hoje há 500 processos pendentes | Foto: Charles Silva Duarte – 30.6.2010

Passados 20 anos da data de um assassinato não esclarecido, a Justiça considera que não faz mais sentido punir o autor, e o crime prescreve. Isso deveria ser uma exceção, mas não é. Uma pesquisa inédita, obtida pela reportagem de O TEMPO, mostra que em quase metade dos processos de homicídio de Belo Horizonte se leva tanto tempo para atingir a fase de julgamento que, quando eles chegam ao Tribunal do Júri, já estão prescritos – quatro a cada dez – ou o réu morreu, e não há qualquer sentença, a não ser para as famílias das vítimas, condenadas a viver todos esses anos sem que haja justiça.

O que o judiciário chama de “extinção de punibilidade” ocorreu em 45,2% dos processos de homicídios intencionais na capital. Do total de casos estudados (823), em apenas 24,5% os réus foram condenados. Os números estão no levantamento feito pelo Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que, recentemente, analisou, por amostragem, os processos finalizados em BH em 11 anos (de 2003 a 2013).

Entre os que tiveram a pena extinta, a maioria foi por prescrição (cerca de 80%), e o restante, por morte do réu. “Situações em que, se já houvesse condenação, o réu estaria preso e, dessa maneira, poderia estar vivo”, pontua o relatório ainda não divulgado.

Impunes. O principal achado do estudo, nas palavras da pesquisadora Flora Lima, “é a impunidade relacionada ao tempo de processamento (andamento na Justiça)”. Ela explica que há um grande espaço temporal em todas as fases judiciais, desde o cometimento do crime até a sentença do júri, e, muitas vezes, o prazo de 20 anos para prescrição é extrapolado – o que pode ocorrer antes desse período, pois depende do tempo de condenação. O homicídio simples tem pena de seis a 20 anos de prisão (quanto menor a sentença, mais rápido ele prescreve).

De acordo com os processos analisados, quando o homicídio consegue superar a fase de investigação, onde está o maior gargalo, a denúncia criminal é oferecida pelo Ministério Público e aceita pelo juiz. Saber onde o acusado do homicídio está para notificá-lo do processo é o primeiro entrave em 48,7% das ações. Há casos em que o réu foi citado até 17 anos depois disso. Muitas vezes, também, as audiências precisam ser remarcadas, quando o réu não aparece, e o caso é suspenso para aguardar informações.

Em um segundo momento, após o encaminhamento do processo ao Tribunal do Júri, os réus podem mudar de endereço e não ser encontrados para o julgamento; alguns (4,3%) falecem antes, principalmente, como vítimas de outros processos de homicídios, caracterizando crimes de retaliação, destaca o relatório do Crisp.

Sentença. Estão marcados para o próximo dia 31 de maio dois júris em que os assassinatos ocorreram em 1994 e 1995 e os réus estão soltos. Se familiares forem assistir, é provável que ouçam do juiz o veredito de que os crimes já estão prescritos.

“Algumas vezes, isso ocorre só quando se decide a condenação, faz-se as contas e vê-se a prescrição”, afirmou a coordenadora do estudo, Ludmila Ribeiro. Na avaliação dela, os únicos dois Tribunais do Júri existentes em Belo Horizonte e a burocracia que eles representam nos processos de homicídios se tornaram terreno fértil para injustiça. “É um procedimento complexo, é preciso sortear 21 pessoas para cada júri”, exemplifica.

Belo Horizonte era uma cidade pacata há 30 anos, narra a pesquisadora. “A partir da década de 90, houve aumento do número de homicídios. Nos últimos anos, foram, em média, 700 mortes (anualmente)”. A sessão do júri demora ao menos um dia (útil) inteiro, e “muitas vezes não acontece porque o réu ficou doente, o juiz passou mal; são vários impedimentos”, frisa Ludmila.

Quando tudo funciona bem, os dois tribunais conseguem fazer no máximo 500 júris por ano (em dias úteis). “Como dar conta? Temos que repensar o júri”, conclui a pesquisadora.

 

TJMG

Programa Julgar dobra sessões

Acabar com o Tribunal do Júri só é possível se uma nova Constituição for feita, diz o juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Minas (TJMG), Thiago Colnago Cabral. Mas, desde outubro do ano passado, ressalta ele, o Judiciário implantou na capital o Programa Julgar, que dobrou a capacidade de julgamento. Com a designação de um juiz a mais nos tribunais disponíveis na cidade, as sessões são duplicadas em alguns dias da semana, o que significa até quatro júris diários.

“Sempre tinha crescimento de acervo e, de outubro a abril agora, conseguimos reduzir de 700 para 500 o números de processos pendentes para júri em BH”, diz o magistrado. Ele lembra que o funcionamento do júri passou por reforma em 2008 – até então, era um modelo de 1940. “Ficou mais simplificado. No regime anterior, era permitido que as partes solicitassem a leitura de todas as peças, e demorava dias. Também aumentou o número de jurados sorteados, reduzindo as ausências”, exemplifica Cabral. “Temos que ver os resultados disso agora e identificar se há demanda para novas alterações”, diz. (JS)

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