Tragédia

Seis meses de lama, poeira e obras em Mariana e região 

Atingidos por rejeitos de barragem não restabeleceram rotina e sofrem com incertezas sobre o futuro

Qui, 05/05/16 - 03h00
Danos. A lama trouxe prejuízos para Gesteira, na zona rural de Barra Longa | Foto: Alex de Jesus

Mariana e Barra Longa. A vida pacata, a proximidade com a terra, o dia a dia em comunidade e toda a identidade, própria de pequenos vilarejos do interior das Minas Gerais, foram completamente assolados pelos rejeitos da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central do Estado. Seis meses depois do rompimento da estrutura, o cenário é caótico, opaco e sujo. Os atingidos vivem entre canteiros de obras, lama e abandono. Mesmo com as medidas adotadas pela Samarco para a reconstrução desses povoados, fazendas e casas, a sensação, para a maioria, é de que a vida nunca mais será a mesma e que eles terão que se acostumar a essa nova realidade.

Na última semana, O TEMPO percorreu as cidades de Mariana e Barra Longa, na região Central, e quatro distritos atingidos para retratar como as pessoas têm vivido. Pedras, Gesteira, Camargos e Paracatu de Baixo ainda estão cobertos de lama.

Em Gesteira, vilarejo na zona rural de Barra Longa, casas ficaram completamente destruídas, e algumas fazendas, inundadas pelo rejeito de minério. Zilmar Marcelo Cota, 50, vive no local desde que nasceu e, agora, convive diariamente com a incerteza. “Não sei se vou conseguir produzir novamente. Eles dizem que sim, mas é tudo muito demorado”, afirmou.

Cota ficou ilhado em sua propriedade e passou quase 40 dias dormindo na casa de motor do curral. Aos poucos, conseguiu se restabelecer e, atualmente, vive em dois cômodos improvisados no terraço de sua residência. A visão, antes privilegiada, agora é a de um rio morto e de máquinas e operários trabalhando em seu quintal. “Já se passaram seis meses, e não sei quando poderei dormir na minha casa de novo”, lamentou.

Em Barra Longa, grande parte da cidade passa por obra, e a rotina dos moradores também é refém de tratores, de engenheiros e da poeira de minério que entra pelas casas. “Aqui em casa ainda não foi arrumado, e conseguimos receber o benefício da Samarco há pouco tempo. Eles estão trabalhando, mas está tudo muito diferente. Ficamos o dia todo dentro de casa, essa poeira entra, e isso nos faz mal”, disse o aposentado Geraldo Magela Pena, 57, que faz hemodiálise semanalmente devido à falência dos rins e, agora, tem crises de alergia por causa da poeira.

Outros impactos. Para quem vivia na tranquila e turística Camargos, o local mais parece um distrito fantasma. O acesso pela Estrada Real, que ligava o vilarejo a Bento Rodrigues e à cidade de Santa Rita Durão (na mesma região), está interditado. “Antes, a toda hora chegavam pessoas visitando a cidade, pessoas para passar o fim de semana e muitos jipeiros. Agora, não vejo mais nada nas ruas”, reclamou a dona de casa Adriana Maria Rodrigues, 65. Segundo ela, a pousada e o único restaurante da cidade já fecharam as portas, evidenciando o aspecto de abandono do distrito.

Nas comunidades de Pedras, Camargos e Paracatu de Baixo, muitos permaneceram e, segundo os relatos dos moradores, eles são afetados diariamente pela tragédia: fazendeiros ainda não sabem quando poderão produzir novamente, há demora em reconstruir o que sobrou, além de doenças, medo e solidão. Isso mostra que os resquícios desse desastre ainda serão vividos por muito tempo, e alguns podem ser para sempre.

A Samarco informou, por meio de nota, desconhecer o fechamento dos estabelecimentos em Camargos e que tem feito reuniões mensais com a comunidade. Sobre a via interditada, a mineradora explicou que ela não oferece condição para fluxo de veículos.

No caso de Barra Longa, todos os acessos foram desobstruídos, e a parte interna das casas liberadas pela Defesa Civil. Foram concluídas obras em 58 residências, e 27 estão em andamento. Cerca de 80% dos quintais foram limpos, e os trabalhos devem se encerrar em dezembro.
 

FOTO: Alex de Jesus
Da falta de acesso à renda comprometida
No dia seguinte ao rompimento da barragem (6.11.2015), a reportagem se deparou com a aposentada Dalva Martins Viana, 62. Moradora de Pedras, na zona rural de Mariana, ela estava ilhada, com alguns poucos vizinhos que optaram por não sair de suas casas. Na ocasião, Dalva fazia uma trilha para buscar doações na estrada que passa pela região. No início, ela conta que os problemas eram devido à falta de acesso. Agora, passados seis meses, as estradas foram liberadas, mas o pequeno comércio que ela mantém resiste com dificuldades. “Muitas pessoas saíram daqui. A falta de acesso fez com que eu ficasse quase três meses sem vender nada. Agora, estou começando a retomar o trabalho, mas é muito difícil”, disse. Sair de lá, para ela, não é opção, já que essa é a única forma de vida que conhece.

 

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