Negros

UFMG não puniu nenhum aluno que fraudou sistema de cotas

Universidade afirma que comissão ainda analisa as 61 denúncias de irregularidades que recebeu

Por Luciene Câmara
Publicado em 23 de fevereiro de 2018 | 03:00
 
 
Redes sociais. O UFMG contra as Fraudes criou uma página para receber denúncias de estudantes Foto: Reprodução/Facebook

Após os casos de alunos brancos fraudando o sistema de cotas para entrar para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ganharem as páginas de jornais, cresceram as denúncias de ocorrências semelhantes na instituição. A comissão da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis apurou, no ano passado, 61 queixas – sobre pessoas diferentes – feitas formalmente à universidade antes e depois do escândalo, segundo movimentos negros e estudantis que acompanham os casos.  Porém, as entidades afirmam que até hoje, cerca de cinco meses depois, nenhum dos acadêmicos foi afastado ou expulso.

A assessoria de imprensa da UFMG informou que os processos para apurar as supostas fraudes não foram finalizados. No entanto, a Unegro Minas Gerais e o UFMG contra as Fraudes em Cotas garantem que há um relatório final, que optou por não ditar punições. “Ninguém foi punido por dar declaração falsa”, disse o presidente do Unegro Minas Gerais, Alexandre Braga.

“A comissão constatou que não houve fraude, e sim mau uso das cotas, justamente por essa dificuldade no Brasil de se definir o que é preto e pardo. Por isso, não teve punição. Queremos que haja uma apuração mais sensível desses casos”, disse o estudante de biologia Vinícius Morais, 20, integrante do UFMG contra as Fraudes em Cotas. A universidade teria, então, entendido que não houve intenção de cometer irregularidades.

Ato. Nesta sexta-feira (23), primeiro dia de matrícula dos calouros, está marcado um ato contra fraudes, como forma de conscientização. A Lei de Cotas (12.711/2012) determina que 50% das vagas dos cursos de graduação sejam destinadas para quem fez o ensino médio em escola pública, é de família de baixa renda e se autodeclara preto, pardo ou indígena.

O objetivo é reduzir as desigualdades sociais, econômicas e educacionais entre raças. Mas algumas das vagas são ocupadas por estudantes loiros, de pele branca e olhos claros. Os 61 casos suspeitos de fraude foram identificados em dez cursos, e os estudantes chegaram a ser ouvidos pela instituição, segundo as duas entidades. Entre eles está o ex-aluno de medicina Vinícius Loures, 23, que assumiu o erro, cancelou a matrícula e fez o Enem novamente no fim do ano passado.

“Sabemos também de uma menina da comunicação que trancou a matrícula e vai tentar cota na categoria econômica”, relatou Alexandre Braga. “Esperamos uma medida mais incisiva da universidade, não dá para aceitar que o aluno continue com um benefício que não tem direito”, completou o militante.

A assessoria da UFMG informou que o pró-reitor Rodrigo Ednilson, que preside a Comissão de Assuntos Estudantis, estava viajando e não poderia dar entrevista.

 

Entidades querem checagem de dados

A falta de uma checagem das autodeclarações tem permitido que fraudes em cotas raciais aconteçam, seja por desinformação do candidato ou mesmo má-fé. Por isso, a Unegro Minas Gerais enviou um ofício a todas as universidades federais do Estado, no fim do ano passado, sugerindo a criação de comissões de verificação dos dados.

“Não existe um critério científico para definir quem é negro ou não. Mas a cota racial é destinada a quem tem fenótipo, traços físicos, que a sociedade discrimina”, explicou o presidente da Unegro, Alexandre Braga.

A Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e a Universidade Federal de Viçosa (UFV) aderiram à proposta. Já a UFMG coloca em prática, neste ano, a carta consubstanciada, em que o estudante que se autodeclara negro tem que preencher uma carta explicando quais os elementos usados para se reconhecer como negro.

Saiba mais sobre o assunto

Ato. O manifesto, organizado pela Unegro, começa às 12h desta sexta-feira, no Centro Administrativo 2 (CAD 2), do campus Pampulha, onde os calouros farão a matrícula. Segundo o movimento, o objetivo não é intimidar os alunos, mas sim criar um clima de fraternidade e abrir diálogo para explicar o que é a cota racial. Haverá um bolo para recepcionar os novatos.

Perfil. A cota racial é destinada àqueles com fenótipo (características físicas) de negros. Quem foge a esse perfil tem a chance ainda de concorrer a uma cota socioeconômica ou de escola pública.

Carta. A UFMG não estabelece os critérios para uma pessoa ser considerada negra. A carta consubstanciada dá apenas a chance de o aluno refletir sobre seu pertencimento e os elementos que o fazem se ver como negro. Não haverá nenhum tipo de checagem da carta. A autodeclaração só será investigada se houver denúncia.

Crime. Além da possibilidade de ser expulso, quem fraudar o sistema pode responder criminalmente por falsidade ideológica, que prevê pena de até cinco anos de reclusão.