Habitação

Um imóvel é demolido a cada 24 horas em Belo Horizonte 

Em 15 anos, prefeitura liberou 7.240 demolições, mas isso não representa melhoria da ocupação

Seg, 17/10/16 - 03h00

Todos os dias, em média, uma casa ou prédio vai ao chão em Belo Horizonte, levando abaixo, além da massa de concreto e da ferragem, um pouco da história da cidade. Nos últimos 15 anos (de 2002 até junho deste ano), a prefeitura autorizou 7.240 demolições – 1,3 a cada 24 horas. Os números poderiam aparentemente representar um desenvolvimento natural da capital, mas a maioria das edificações que surgem em substituição às antigas não garante melhorias na ocupação do espaço urbano nem na arquitetura de BH. Há situações também, apesar de raras, de imóveis tombados que foram derrubados mesmo em desacordo com a legislação municipal.

Belo Horizonte é uma cidade com uma área territorial considerada pequena para uma metrópole – são 331,4 km², conforme o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – e com escassez de terrenos. Nesse cenário, a especulação imobiliária vem pressionando para a substituição de casas por prédios cada vez mais altos. Em 2002, foram concedidas 390 licenças para demolição. Já em 2010, auge do boom imobiliário, esse número subiu para 706, uma alta de 81%.

“A especulação imobiliária é tão grande hoje que estão demolindo prédio de três andares para construir um edifício com mais pavimentos, sendo que a demolição é algo que custa caro”, aponta a chefe do Departamento de Gestão e Monitoramento da Diretoria de Patrimônio Cultural da prefeitura, Mariana Brandão. No bairro Lourdes, na esquina das ruas São Paulo e Antônio Aleixo, na região Centro-Sul, recorda Mariana, havia um “predinho” de quatro pavimentos. “Uma gracinha. Agora já estão construindo um enorme lá”, lamenta.

“Se a gente for demolindo tudo, não vai sobrar nada da memória da cidade”, conclui Mariana. Ela e os protetores do patrimônio afirmam entender que a cidade precisa se desenvolver, que não pode estagnar, mas que isso pode ser conciliado com a proteção da história: “Nosso trabalho é atender as pessoas que querem fazer intervenção (no imóvel tombado) e compatibilizar com a preservação”, aponta.

Contradição. A arquitetura moderna prevê um maior adensamento para que mais pessoas morem em um espaço urbano menor. O problema é que um prédio mais alto não garante mais moradores e nem sempre ajuda a reduzir a necessidade de deslocamento e a otimizar a oferta de infraestrutura urbana.

“Temos casos em que um prédio de quatro andares, com 18 apartamentos, dá lugar a um prédio com 12 andares e os mesmos 18 apartamentos e um monte de vaga de garagem”, explica o professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés. Ele diz que, dessa forma, ocorre ao mesmo tempo “uma verticalização e uma redução do adensamento”.

Os novos prédios são construídos sem interação com a rua, destaca o professor. “Esses edifícios (atuais) não se agregam à cidade. Criam um afastamento frontal, janelas para as laterais, que distanciam o local de moradia da via e deixam a rua morta”, pondera Andrés.

Existem imóveis tombados que acabam sendo demolidos sem autorização, agindo como uma doença de Alzheimer urbana, matando aos poucos a memória da cidade.

Na rua Célio de Castro, na esquina com Arthur Lobo, no Floresta, na região Leste, um casarão tombado foi largado. Abandonado, se deteriorou até ser condenado, demolido e virou um estacionamento. No Lourdes, a Igreja Universal demoliu três casas que estavam em processo de tombamento, em 2005, para erguer um templo.

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