Noroeste

Vila mantém cultura sertaneja  

Fogão a lenha e escambo de produtos cultivados no quintal são rotina em distrito de Unaí

Dom, 12/10/14 - 03h00

A realidade dos moradores do pequeno vilarejo de Ruralminas, distrito de Unaí, no Noroeste de Minas Gerais, é um paradoxo. As cerca de 150 famílias que ali residem, cercadas de grandes plantações de milho e de soja, ainda cultivam a agricultura de subsistência e vivem de suas pequenas propriedades – principalmente da produção leiteira e da pesca. Margeado pelo rio Preto, o lugar parece ter parado no tempo. De uma maneira quase lúdica, a figura do típico sertanejo ainda está viva. O clima é de comunidade, e a terra e o rio são quase sagrados. Há um respeito pela tradição, e nunca falta o delicioso cafezinho coado no pano, servido com pão de queijo e doces caseiros, tudo feito com produtos cultivados no quintal de casa.

As ruas são de chão batido, e muitas das casinhas tiveram origem no projeto original. A vila foi criada em 1977, pela Fundação Rural Mineira e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Quinze anos depois, em 1991, as famílias dos colonos conseguiram a emancipação. Atualmente elas ainda são a maioria dos moradores do local e também são resistentes na maneira como vivem.

“Aqui todo mundo tem uma hortinha e galinhas no quintal, tudo pra a gente mesmo. Temos tudo por aqui, e às vezes compramos algo do vizinho”, conta Luzia Maria Azevedo, 64. Ela considera que a sua sabedoria – na maior parte aprendida com a família e o marido – está na terra. O orgulho das plantas, do pomar e das galinhas foi passado para os filhos, que também moram na região.

Modo de vida. Na comunidade rural, os lotes são padronizados, as ruas, largas, e há um pequeno centro comercial, onde estão igreja, escola e posto de saúde – com apenas uma enfermeira. O comércio local tem vendinhas, bares e cooperativa, com poucas opções de industrializados. A economia gira em torno da produção do escambo – um saco de limão é trocado por um vidro de pimenta, e assim por diante.

É possível percorrer todas as ruas do lugar a pé, e as casas têm sempre as mesmas características. Para os moradores, não há vida sem fogão a lenha, queijo caseiro e cachaça. A simplicidade é a riqueza desse vilarejo.

“A minha casinha é simples, não tenho nada a não ser esse canto aqui. Mas a gente é feliz. Não dá para dizer que falta alguma coisa. Temos tudo em Ruralminas”, resume Luzia, uma das moradores mais antigas do lugar.

Criada na região e tendo educado os filhos no distrito, Luzia não pensa em se mudar do local. Ela diz não conhecer mais outro modo de vida e considerar estranhos o asfalto, os shoppings e a comida enlatada das cidades grandes.

Folia de Reis ainda resiste

Outra tradição forte em Ruralminas é o festejo religioso conhecido como Folia de Reis, em celebração à data de visitação dos reis magos ao menino Jesus – que, segundo a Igreja Católica, é 6 de janeiro. Os cortejos passam pelas casas com estandartes, porta-bandeiras e vozes que, quase como um coral, alegram a celebração. A folia começa logo depois do Natal, com diversos cortejos, mas ganha força na primeira semana de janeiro, logo depois da virada do ano. Em Ruralminas, a festa acontece anualmente – além da oficial, em janeiro, outros cortejos são realizados em outros meses. Os moradores se organizam com antecedência para o evento e sempre colaboram para oferecer comidas e bebidas aos foliões.

Importância do rio Preto

O povoado foi planejado para pequenas plantações, mas, com o passar do tempo, a proximidade de Ruralminas com o rio Preto, que corta a região, trouxe outra fonte de sustento para as famílias. Ele pertence à bacia do rio São Francisco, nasce em Formosa, no Estado de Goiás, e deságua no rio Paracatu, em Minas Gerais. A pesca é tradição local, e os moradores vivem como uma comunidade ribeirinha. Tudo é planejado em função da pesca, já que na piracema a prática não é permitida. A comunidade respeita o rio e tem o costume de fazer uma poupança para essa época. Além disso, é durante a piracema que mais se planta, já que o sustento fica restrito ao que se retira da terra.

O leite como pilar econômico

As propriedades em Ruralminas foram divididas em três partes, e uma delas foi separada para a plantação não irrigada. Com o passar do tempo, os colonos adaptaram esse terreno para criação de gado bovino. Foi assim que o leite se tornou o principal produto no vilarejo. “Quase todo mundo da região traz leite para a cooperativa. Além dos moradores aqui, da Rural, seis assentamentos vizinhos também trazem o produto para a gente. Temos 140 produtores ao todo”, explica Graciolino Nunes, 56. Visionário, o produtor rural explica que a ideia é manter a tradição do pequeno produtor, mas produzir e comercializar mais leite. O produto é vendido em Unaí e Paracatu, ambas na região.

“Vendi as minhas coisas na capital”

Paulo Fernando Carneiro, 66, chegou a Ruralminas muito tempo depois da criação do local. Ele morava em Brasília, a 170 quilômetros do povoado, onde prestava serviços para seguradoras. O idoso conta que estava sempre apressado e que nunca tinha hora para descansar.

“Vim por causa da pesca, que é algo de que gosto muito. Depois só pensava em morar aqui. Vendi as minhas coisas na capital (federal) e vim embora sem pensar duas vezes”. Carneiro montou um pequeno bar no vilarejo e considera o trabalho um lazer. “Os clientes são meus amigos, a gente até toma cerveja juntos.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.