Espaço para estudar, para ler livros, assistir a filmes e séries, jogar online, trabalhar, para se conectar com o mundo. Já faz algum tempo que o quarto não é apenas o cômodo da casa para dormir e descansar. Em muitos lares, ele se transformou em um local multifuncional e, também, no universo particular de quem prefere passar horas ali a conviver com as demais pessoas que moram sob o mesmo teto. É a chamada “geração do quarto”, nome dado pelo educador e psicólogo Hugo Monteiro Ferreira aos adolescentes, público que, nos últimos anos, mais tem demonstrado esse comportamento. Entretanto, essa tendência tem levantado questionamentos sobre a saúde física e mental desses adolescentes. 

“No quarto, esses meninos e meninas sentem pertencimento. Ficar no quarto, separado da família, é não precisar disfarçar sua orientação sexual, sua opinião política, seu medo de fracasso, seu anseio por liberdade, sua confusão mental, sua vontade de descobertas. O quarto é um lugar mais aconchegante do que os locais nos quais sempre há alguém a quem dar satisfação”, disse Hugo, autor do livro “A Geração do Quarto – Quando Crianças e Adolescentes nos Ensinam a Amar”, em entrevista recente à “Folha de S.Paulo”. 

“Nas novas gerações, a interação social passou a ser mais comum por meio da internet e das redes sociais”, observa a psicóloga Renata Borja, especialista em terapia cognitivo-comportamental. Segundo ela, essa tendência não é algo recente e se caracteriza pelo uso excessivo de telas. “Há muitos motivos que podem ter contribuído para esse comportamento no Brasil: com alto índice de violência urbana, as crianças não brincam mais na rua; há maior indisponibilidade dos pais, pois ambos trabalham; além de superproteção parental; diminuição das famílias, com muitos filhos únicos; e uma modificação no comportamento de pessoas mais velhas também em função das redes sociais”, pontua.

“Dentro do quarto, onde se encontra esse jovem, ele não está parado, há um universo de coisas acontecendo, com informações, entretenimento, bate-papo. Tudo acontece através das telas, seja do computador ou do celular”, completa a psicóloga Telma Cunha, especialista em criança, família e escola, citando que, nesses casos, as conexões são, na maioria das vezes, somente virtuais. Ela considera que há um fator que contribuiu para que esse comportamento atingisse mais lares nos últimos anos. “A pandemia, de certa forma, levou todo mundo para esse universo tecnológico e online”, explica. 

Segundo Telma, a chamada “geração do quarto” ganhou mais força no pós-pandemia. “Criou-se um costume ali, até como amparo, diante da realidade que nós passamos de não poder ter essa relação pessoal. A partir daí, a tecnologia veio de uma forma mais intensa e necessária, na qual tudo acontecia ali, como as aulas. Aquilo se tornou uma zona de conforto, e ela continuou”, analisa. “Muitas pessoas, depois que tudo voltou ao normal, se distanciaram dessas outras possibilidades e ficaram ali no seu mundinho, no seu quarto, acessando e controlando tudo aquilo ao que gostaria de assistir e de vivenciar através das telas”, diz a psicóloga.

Especialistas alertam sobre as consequências do isolamento

Se, para a “geração do quarto”, ficar isolada no cômodo e interagir com o mundo somente através das telas é uma comodidade, os especialistas, entretanto, alertam sobre os perigos e as consequências desse comportamento. “Observa-se que a falta de contato interpessoal dificulta as interações sociais. Ou seja, uma pessoa que tem pouco contato social, sai pouco e conversa pouco terá dificuldade de desenvolver estratégias socioemocionais e, consequentemente, apresentará uma alta vulnerabilidade no contato social e em eventos sociais”, cita a psicóloga Renata Borja. 

A especialista em terapia cognitivo-comportamental acrescenta: “Considerando que o ser humano é um ser sociável, que vive em grupo, esse comportamento poderá agravar e contribuir para problemas psicológicos como depressão, ansiedade, fobia social, pânico, entre outros”. 

A psicóloga Telma Cunha ressalta a importância de recorrer a ajuda de profissionais especializados: “A saúde mental, com certeza, merece toda uma reflexão. Essas pessoas que estão dentro do quarto têm, sim, uma limitação, uma dificuldade para lidar com frustração, para lidar com relacionamentos, para lidar com a exposição”.

Equilíbrio

Para as especialistas, o ideal é encontrar um equilíbrio entre a realidade do quarto e o mundo real. “O primeiro passo é a pessoa tomar consciência dos prejuízos que ela está tendo e, assim, conseguir fazer essa mudança”, alerta Telma Cunha. Já Renata Borja deixa a dica: “Procure fazer programas com amigos e familiares; aceite mais convites, mesmo que seja difícil e desconfortável; conecte-se mais com a natureza”.