Queda na venda e produção

Coronavírus: agricultores familiares amargam prejuízos em meio à pandemia

Fechamento de escolas e restaurantes, além de menor circulação nas ruas, obriga produtores locais a se reinventarem para superar a crise

Dom, 12/04/20 - 18h02

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Entre os mais afetados pela crise econômica provocada pelo coronavírus, estão os responsáveis por pequenos comércios. Microempreendedores do ramo da agricultura tiveram grande prejuízo, já que dependiam do funcionamento de escolas, bares, lanchonetes e restaurantes. Responsável por contribuir com a venda de 235 produtores de 30 municípios mineiros, a Cooperativa Metropolitana de Agricultores Familiares (Comale), em Mateus Leme, na região metropolitana de Belo Horizonte, viu sua renda despencar.

O faturamento da entidade, que existe desde 2013, praticamente desapareceu com o fechamento das 800 escolas parceiras. Por semana, a entidade recebia cerca de 50 toneladas de alimentos. 

"Fomos pegos de surpresa com toda esta situação. Nos vimos com mais de 20 toneladas de alimentos no galpão, sem saber o que fazer com elas. Foi aí que o boca a boca precisou entrar em ação e começamos a vender para pessoas físicas. Outra alternativa foi criar uma feira dentro do nosso centro de abastecimento, que funciona de domingo a domingo. Estas alternativas geram uma pequena renda, muito aquém do que teríamos se estivéssemos em atividade normal", lamenta a gerente Luciene Cândida.

A feira estava programada para entrar em ação no futuro, mas a ideia precisou ser antecipada, como medida de urgência para conseguir vender os produtos em estoque. "Precisamos nos reinventar de algumas maneiras. Tivemos que diminuir a quantidade de produtos que recebíamos. Se antes comprávamos 100 caixas de tomate, hoje são cinco", mostra a gerente, que precisou demitir sete funcionários. Segundo ela, se não fosse pela feira, mais demissões teriam acontecido. Ela lembra que outras cooperativas não suportaram a pressão e fecharam as portas. 

Em Janaúba, no Norte de Minas e também em Sabará, na região metropolitana, foram criadas feiras online. Na cidade próxima da capital, os clientes fazem os pedidos por aplicativo e buscam os produtos no local onde funcionava a feira. A extensionista da Emater MG, Ediene Fonseca, explica que cada cliente comparece num horário diferente para evitar aglomerações. “Eles recebem orientações sobre como higienizar os alimentos. Dessa forma, nós tentamos garantir que o produtor continue obtendo a sua renda, garantindo a subsistência da sua família, e que as pessoas da área urbana continuem tendo as suas mesas abastecidas”, diz. 

Parceira sem conseguir ajudar cooperados

Os cooperados da cooperativa de Mateus Leme vendem para sua parceira e também para o Ceasa. A primeira opção, muitas vezes, é mais vantajosa tanto pelo preço como pelo trabalho de logística que a entidade realiza por eles. Alguns dos grandes prejudicados foram aqueles que vendiam somente para a cooperativa. José Ferreira da Silva é tesoureiro da entidade e tinha 90% das suas hortaliças encaminhadas para a cooperativa. "Agora estou vendendo pra eles somente 10%, nem compara com a época em que as escolas estavam abertas. Eu podia tentar vender de porta em porta, mas tenho mais de 60 anos e sei que faço parte do grupo de risco, não posso ficar me expondo. Por enquanto, estou parado. Minha expectativa é que isso tudo passe logo", espera. Assim como ele, boa parte dos cooperados realizou o plantio nas últimas semanas, acreditando que os produtos teriam saída nos meses seguintes. Todos foram pegos de surpresa com a pandemia, que os faz repensar sobre a forma de aproveitar a colheita. 

Oportunidade com maior demanda por alimentação em casa

Coordenador da feira Terra Viva, no bairro de Santa Tereza, zona leste de Belo Horizonte, Antônio Ribeiro conta que a venda dos seus produtos agroecológicos caiu quase pela metade. "Boa parte do nosso principal público é formado por idosos, que agora estão em casa", lamenta. Ao mesmo tempo em que as vendas caíram, uma oportunidade pode aparecer, já que a alimentação dentro de casa vai aumentar, gerando uma maior demanda. "Temos que nos preparar para esta nova situação, devemos colocar em prática o serviço de entrega na próxima semana. Muitos vão procurar por produtos de melhor qualidade e as opções naturais entram nesta busca", projeta. A feira, que antes acontecia duas vezes por semana, agora abre somente aos sábados com restrições. 

Em stand by

O projeto da cooperativa de Mateus Leme de colocar ativo um aplicativo para venda até pessoas físicas, que tinha a meta de entrar em ação no final de abril, precisou esperar, já que os custos de operacionalização são altos. "Tivemos que negociar com nossos fretistas, que agora estão fazendo menos corridas. Antes, eram 25 fretistas, com quase 60 pessoas trabalhando neste tipo de serviço, já que eles tinham seus ajudantes. Agora estamos contando com apenas quatro", pontua a gerente Luciene Cândida. 

Quem segue com sua produção, não tem mais, momentaneamente, a cooperativa para destinar sua produção da mesma forma que antes, precisando se virar por conta própria na venda de porta em porta e também no varejo. "São produtores rústicos, que ainda não tem muito acesso à tecnologia. A questão de aplicativos para eles não é uma realidade ainda", mostra Luciene. 

Fechamento de escolas interrompeu única renda de produtor quilombola

No distrito de Três Barras, em Conceição do Mato Dentro, José Geraldo Gonçalves produzia, no quintal de casa, ao lado da esposa, itens como hortaliças, inhame, tomate, chuchu e banana, que eram destinados para as escolas da cidade na região central de Minas Gerais. Com a suspensão das aulas, o produtor, que vive dentro de uma comunidade quilombola, ficou sem renda alguma. As chuvas deixaram seu terreno úmido, comprometendo boa parte do que era produzido.

Sem veículo próprio, ele não tem a possibilidade de realizar entregas, uma alternativa que poderia ser buscada. "Estou conseguindo produzir agora só inhame e tomate, que estão sendo destinados pras refeições da nossa família mesmo", lamenta. Com duas filhas nas escolas do município, ele espera que a pandemia passe logo para conseguir ter a renda de volta, além de ver as filhas de 11 e 16 anos dentro de sala de aula o quanto antes. 

Governo estuda ajuda aos produtores rurais

Mesmo com a dificuldade de encontrar locais para vender, os produtores seguem realizando sua produção, mesmo que uma menor escala seja estudada por eles. Um importante suporte por vir da esfera pública.

O governo nacional estuda maneiras de manter este produtor com renda para que sua produção não seja afetada. A criação de linhas de crédito, além da prorrogação de dívidas estão entre as ações para dar suporte a este empreendedor que foram sugeridas pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ao governo nacional. A ideia agrada o produtor rural de Jequitibá, Roque Falcão Martins, que viu seu faturamento bruto cair de R$ 2.500 para R$ 1.500.

"As vendas estão acontecendo somente para a cidade, com restrições. É bem possível que eu recorra a esta ajuda do governo porque a situação se complicou bastante. As vendas para a cooperativa da cidade caíram mais do que pela metade e o restante vai para poucos sacolões. A entidade fazia entregas para escola e exército. Agora está fornecendo somente para as forças armadas", conta. 

Este plano de ajuda passa pela autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN), que aconteceu na última quinta-feira. Enquadrados no Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), os produtores rurais poderão ter acesso aos benefícios. A reivindicação do setor era grande já que este setor foi um dos mais afetados pela diminuição na demanda por conta do fechamento de bares e restaurantes. 

“Essas medidas vão permitir que os agricultores tenham mais prazos e liquidez para honrar com os seus compromissos financeiros e tranquilidade suficiente para auxiliá-los em suas tomadas de decisões. O Brasil é um grande celeiro, produtor de alimentos, e não precisamos ter nenhuma expectativa negativa de que não teremos alimentos para nosso povo”, afirmou a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em nota divulgada pela pasta no último mês. 

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