Música

Céu lança em BH 'APKÁ!', disco que aborda a maternidade e o Brasil atual

Com 9 faixas autorais, trabalho também traz uma inédita de Caetano Veloso

Qua, 16/10/19 - 03h00
O novo disco da cantora paulista Céu apresenta 11 faixas inéditas, com nove autorais e uma do baiano Caetano Veloso | Foto: Fábio Audi/Divulgação

Céu, 39, gosta de palavras inventadas. Se em “Tropix” – disco de 2016 – ela uniu “tropicalidade” e “pixel” para chegar ao título, desta vez o batismo parece ainda mais inusitado: “APKÁ!”. “É o meu ‘lado Manoel de Barros’, a licença poética de subverter palavras e significados e criar uma linguagem própria, realizar misturas. Na música e na poesia temos essa permissão para brincar”, declara a artista, que tem a literatura como um ativo importante de seu processo criativo. “Sou louca por (Pablo) Neruda, li muito Mia Couto, Hilda Hilst, José Saramago. Esses autores me influenciam demais. Ler, assistir a filmes, mergulhar em outras artes é algo que me alimenta e me deixa propícia a criar”, observa. 

Mas o mistério de “APKÁ!” é mais pessoal. Céu já estava com o álbum pronto quando, ao olhar para um caderno de anotações, visualizou a expressão, escrita mais de uma vez. “Além de ter um som e um desenho bonitos, achei que era a palavra que agregava mais significados amorosos e profundos para mim, entendi que era a melhor tradução para esse momento”, informa. Céu não se lembra do dia exato em que escutou o seu filho Antonino balbuciar, pela primeira vez, o misto de alegria e estupefação que daria nome a seu futuro trabalho, porém garante que foi “logo no início”. “Foi assim que ele começou a falar, ele está com 1 ano e 8 meses e começou a balbuciar com 1 ano”, rememora. 

Dessa e de outras maneiras, o segundo filho da artista, irmão mais novo de Rosa Morena – atualmente com 10 anos –, interferiu na feitura das canções. “A maternidade esteve presente, posto que foi um disco concebido a partir, especialmente, da experiência que tive com o parto natural”, conta. A faixa “Ocitocina”, que por pouco não se chamou “Partolândia”, é o exemplo mais explícito. “Descrevo o que é a caminhada de você parir sem nenhuma intervenção química e ir ao encontro de seu bebê pelo seu próprio corpo e tempo. Não é um disco só sobre maternidade, no entanto, ele está banhado de ‘ocitocina’, esse hormônio atrelado ao amor maternal, tem bastante esse tempero”, avalia.

Poço

A turnê do quinto registro em estúdio de Céu chega neste sábado (19) a BH. Olhando para o Brasil e para o mundo, ela confessa que considera o panorama “assustador”. “Estamos vivendo o fundo do poço, fico assustada inclusive de gerar uma criança em meio a tudo isso. Ao mesmo tempo, sinto que temos um dever de cidadãos de criar pessoas mais interessantes, para que a futura geração seja mais promissora. Trazer uma nova vida é, ainda, uma maneira de ter esperança”, reflete.

A cantora trata do tema em “Forçar o Verão”. “Ouviram do Ipiranga/ Quem foi que ouviu, eu não vi/ Estava à sombra de um coqueiro/ No céu azul anil/ E o tempo fechou/ E ninguém viu/ Derrubando a rima/ Fez-se então frio no Brasil”, dizem os versos. “Me pego interessada pelo que acontece ao meu redor. É impossível fazer uma arte alheia à realidade, a não ser que você produza uma música de entretenimento, que também pode ser maravilhosa, mas, nós, como pessoas e artistas sensíveis, somos tocados pelo ambiente social”, afiança. 

A gama de questões contemporâneas reaparece em “Pardo”. A música é uma das únicas que não trazem a assinatura da entrevistada, mas, no caso, foi um pedido especial feito por ela para ninguém menos que Caetano Veloso, cujas canções inéditas são cada vez mais raras. A intérprete não economiza na hipérbole ao tratar do ídolo e acaba, distraidamente, repetindo uma palavra inventada. “Caetano é um capítulo ‘importantésimo’ da cultura brasileira. Pedir a música foi também o meu jeito de homenageá-lo, e ele, gentilmente, atendeu”, agradece ela. 

A trama capta um relacionamento homoafetivo entre dois homens de pele escura. “Veio um beijo preto/ Sangue sob a pétala/ Veio um papo reto/ Língua sobre a úvula”, canta Céu na faixa. “O Caetano disse que achou fantástico eu, como mulher, interpretar essa música. Foi por isso que ele a entregou para mim. Temos muito o que refletir sobre o lugar de fala. É de extrema importância que a gente alcance um cenário mais equalizado, onde as pessoas tenham voz. A defesa racial, de gênero e LGBT precisa, de fato, ser colocada”, sublinha a artista, que amplia a reflexão. 

“Há uma tentativa de tomar os espaços em seus devidos lugares, de ter contornos bem-definidos num país de contornos bastante indefinidos. Somos fruto da mestiçagem, que se agregou à nossa história desde o princípio. Espero que o Brasil continue sendo uma nação de grandes misturas. Viemos de ‘Macunaíma’, é complicado desatar esse nó. Podemos nos organizar e melhorar para dar mais voz a quem está tendo esse direito negado, com inteligência e sensibilidade”, completa.

Em “Pardo”, outra presença especial é a de Seu Jorge, que comparece nos vocais. “Ele é um cara que tomou para si a tarefa importante de representar o seu povo, ao sair de onde saiu e chegar aonde chegou. Além disso, eu o admiro demais, tem uma grande estrela, uma linda voz, foi um auxílio luxuoso”, derrete-se a anfitriã. Mirando as estrelas, Céu começou a escrever “há muito tempo” uma canção para Gal Costa, que deveria ter sido incluída em “A Pele do Futuro” (2018), o que não foi possível.

A abertura de “Coreto” surgiu com essa intenção: “Eu sou a voz que balançou o teu coreto” apresenta, de cara, a musa. “Depois, a música foi para outro lugar, e a deixei estacionada. Tenho uma maneira mais burilada de trabalhar, não possuo aptidão para sentar e resolver”, admite Céu, que, em “Make Sure Your Head is Above”, tomou para si os versos de Dinho Almeida, dos Boogarins. “O assunto que permeia todo esse disco é sobre ‘ser o que se é’, assumir nossas imperfeições e ser real em tempos de imagens digitais e ‘vida margarina’”, resume. 

Serviço

Turnê “APKÁ!”, de Céu, neste sábado (19), às 21h, no Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046, centro). De R$ 40 (meia) a R$ 80 (inteira)

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