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A música começou a tocar dentro do carro, e Roberto Frejat, 57, teve uma reação imediata. “Era uma coisa tão nossa, misturava cores tão brasileiras que eu tive certeza de que ela só poderia ter sido composta por um brasileiro”, recorda. O músico não estava errado. Quando o radialista da rádio MEC do Rio de Janeiro anunciou que se tratava de uma peça de Heitor Villa-Lobos, ele teve as suspeitas confirmadas.
A emissora pública é a única que Frejat sintoniza para ouvir música, o que ele justifica com a “péssima qualidade que tomou conta das rádios cariocas há uns dois anos”. Com isso, apesar de não se considerar um entendido no assunto, passou a ouvir muita música erudita, indo de Schubert e Vivaldi a Bach, Beethoven, Mozart, Tchaikovsky e “vários outros russos maravilhosos”. “Ouço e acho lindo”, exalta.
A aproximação com o universo erudito gerou o primeiro fruto no ano passado, quando Frejat decidiu abrir mão do baixo e da bateria ao gravar “Tudo Ainda”. A canção, feita em parceria com Mauro Santa Cecília e o poeta alagoano Adriano Nunes, ganhou um arranjo de cordas concebido por Jaques Morelenbaum. É essa versão que será levada ao palco nesta quarta (17), dentro do projeto Prudential Concerts.
“Como não ando com orquestra por aí, dificilmente teria outra oportunidade”, brinca Frejat. Além da canção mais recente, o repertório agrega clássicos do antigo vocalista do Barão Vermelho, como “Beth Balanço”, “Maior Abandonado”, “Segredos”, “Por Você” e “Amor pra Recomeçar”, todas com arranjos de Alexandre Caldi e regência de Carlos Prazeres, maestro da Orquestra Sinfônica da Bahia.
“Queremos quebrar estereótipos e preconceitos”, sustenta Prazeres. “Chamamos o público para ser protagonista e fazer parte de um grande coral”, completa o maestro. Antes de Frejat, a iniciativa convidou Milton Nascimento, Gilberto Gil e Alceu Valença. O compositor pernambucano encarou um desafio, até então inédito, ao cantar bossa nova. Para Frejat, a experiência também tem sido alvissareira.
Na canção “Por Você”, um cravo faz as vezes do violão. “É o avô do piano. Você ter a oportunidade de ver um instrumento como esses soando ao vivo é muito gratificante”, conta Frejat. “O cravo muda a ambiência do espetáculo, nos sentimos num palácio do período barroco”, afiança Prazeres. Para completar, a abertura do concerto enfileira sucessos de Elvis Presley, Beatles, Queen, Scorpions, Ramones e Dire Straits.
Precipício. Há 11 anos sem colocar na praça um trabalho de inéditas, Frejat já tem data para encerrar o longo hiato. Até o final de 2019, ele lança “Ao Redor do Precipício”, com faixas autorais e apenas uma que não traz a sua assinatura. Entre elas, figura uma versão para “Te Amei Ali”, balada com Zeca Baleiro registrada pelo parceiro no disco “O Amor no Caos”. “O álbum está em fase de masterização”, revela Frejat.
Com a conhecida fidalguia, ele se recusa a entregar mais detalhes do novo rebento, mas não esconde o seu descontentamento com o mundo atual. “Estamos regredindo em termos de costumes. Agora até tivemos uma reação na Europa a essa onda conservadora”, observa. “No Brasil, esses setores perderam o pudor de mostrar o seu reacionarismo”, lamenta. A conversa o leva de volta a um tempo em que “o rock despertava medo em gente careta”.
“Acho difícil definir o rock hoje, porque ele pode estar tanto na sonoridade, como na atitude de inquietação, ser áspero, não dourar a pílula, incomodar. Ele sempre foi a voz da juventude e, como alvo da sociedade capitalista, acabou absorvido pela publicidade para vender picolé”, conclui.
Febre. O fenômeno dos encontros entre orquestras e artistas populares pode ser comprovado pela agenda da semana em BH. Nesta quinta (18), Flávio Venturini lança com a Orquestra Sesiminas o disco “Paraíso”, enquanto, na sexta (19), Maria Gadú sobe ao palco com a orquestra Opus.
Contrabaixista da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e idealizador do grupo Docontra, o arranjador Neto Bellotto foi o responsável por criar novas texturas para a obra de Venturini, contemplando um repertório que vai da psicodelia do O Terço ao romantismo da carreira solo e do conjunto 14Bis.
“A música mineira é muito rica, tanto harmonicamente quanto melodicamente. Sinto que a música do Flávio transita bem entre esses universos”, avalia Bellotto, que destaca a formação com oito contrabaixos como um diferencial do grupo Docontra.
“Eles são o foco da orquestração”, confirma ele, sem se esquecer das presenças de outros instrumentos, como oboé, vibrafone, trompete, corne inglês e a própria banda de Venturini. “Essa união entre erudito e popular deveria ser até mais comum, temos que misturar para o povo ver coisas diferentes”, diz Bellotto.
A opinião é a mesma de Leonardo Cunha, regente da Opus. “É uma forma de democratizar e formar público, muitas pessoas podem ter o primeiro contato com a música orquestral porque vão ali assistir a um artista popular”, avalia.
Carlos Prazeres, que realizou na Bahia um “concerto épico” com o BaianaSystem, diz que esse tipo de encontro “representa 5% da temporada”. “Na Europa, é bem mais comum”, finaliza Prazeres.
Serviço. Prudential Concerts recebe Roberto Frejat, nesta quarta (17), às 20h, no Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, centro). R$ 50 (inteira).
Quinta (18). Flávio Venturini com Docontra e Orquestra Sesiminas, às 21h, no Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). R$ 20 (inteira).
Sexta (19). Maria Gadú com Orquestra Opus, às 21h, no Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046, centro). De R$ 28 (meia) a R$ 120 (inteira).
Ouça a música mais recente de Frejat:
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