Maratona

BH tem o quarto pior tempo de deslocamento do Brasil 

Operador tem 7 minutos para trocar de roupa, bater cartão, atravessar a BR e pegar seu ônibus

Por Ana Paula Pedrosa
Publicado em 25 de julho de 2016 | 03:00
 
 
Após bater o ponto, às 16h48, Hiago troca de roupa Foto: Moisés Silva

O operador de máquinas Hiago Dias de Oliveira, 24, é um maratonista do transporte público. Todo dia, ele tem exatos sete minutos para enfrentar a fila do cartão de ponto com mais de 200 funcionários, registrar sua saída, ir para o vestiário trocar de roupa, sair correndo e atravessar a BR para pegar seu ônibus do outro lado da rodovia. “É praticamente um pit- stop de Fórmula 1. Eu saio às 16h48, e meu ônibus passa às 16h55. Se eu perder, demora mais 40 minutos até o próximo passar. Às vezes acontece de chegar na porta da empresa e ver ele passando. Aí é como uma facada no peito. Ainda tem os riscos de atravessar e ser assaltado no ponto”, conta Oliveira.

Ele trabalha em Sabará e demora cerca de uma hora até chegar em casa, em Caeté, dois municípios da região metropolitana de Belo Horizonte. As duas horas diárias de deslocamento de Hiago para o trabalho – uma hora para ir e uma hora para voltar – são a realidade de 1 milhão de trabalhadores na grande Belo Horizonte.

De acordo com pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o trabalhador da capital mineira e de municípios do entorno gasta, todos os dias, 125 minutos no trajeto casa-trabalho-casa. São 11 minutos a mais do que a média nacional, de 114 minutos, e o quarto maior tempo do país, atrás de Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.

No mesmo horário em que Hiago realiza sua corrida para sincronizar o fim do expediente com o horário do ônibus, centenas de funcionários fazem o mesmo na porta da Hipolabor, indústria farmacêutica onde ele trabalha. “Saem todos em disparada. Se eles perdem o ônibus, sabem que vão ter que esperar muito pelo próximo, que em alguns casos demora até mais de uma hora para passar”, diz a gerente de recursos humanos da empresa, Eunice Tadim.

Se para quem trabalha no turno do dia o problema é correr para não perder o ônibus, para os trabalhadores que saem de madrugada, o desafio é a falta dele. Desde 2012, a indústria farmacêutica Hipolabor desistiu de ficar refém das limitações do transporte público noturno e contratou um serviço particular para levar os funcionários que trabalham à noite para casa.

A opção sai 33% mais cara do que se a empresa simplesmente fosse arcar com o convencional vale-transporte. Segundo Eunice Tadim, o gasto mensal com a terceirização do transporte é de R$ 16,2 mil. “A despesa do vale-transporte seria de R$ 12,2 mil”, compara a gerente de RH .

Atualmente, 78 de um total de cem funcionários que encerram o expediente à 1h55 da madrugada dependem das vans contratadas pela indústria.

Construção

Para não atrasar, a opção é chegar na obra uma hora antes

Ou chega uma hora antes de o trabalho começar, ou chega 20 minutos depois. O pedreiro Juraci da Conceição Santo, 59, começa às 7h. Mas, para não se atrasar, ele chega por volta das 6h todos os dias. “Eu pego o ônibus às 5h20, em Ibirité. Se eu perder esse, o próximo só passa às 6h45, aí eu chegaria à obra às 7h20. Quando a gente atrasa, a firma desconta no salário”, conta.

Na construção, a maioria dos trabalhadores mora longe. De acordo com o coordenador sindical do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Daniel Furletti, eles pegam em média quatro conduções por dia, duas para ir e duas para voltar do trabalho para casa.

“O custo disso é enorme, pois eles demoram muito durante a locomoção, chegam tarde, dormem tarde e muitas vezes acordam às 4h da madrugada para conseguir chegar a tempo ao trabalho. É claro que afeta a produtividade”, afirma Daniel Furletti.

Sem opção de horários da linha que o leva de Betim, onde mora, para Contagem, onde trabalha, o pedreiro Roberto Solano, 45, precisa madrugar. Ele acorda às 4h30, sai às 5h, e chega às 6h10 à obra. Mas só começa a trabalhar às 7h. “Os ônibus colocam no jornalzinho um horário, mas não respeitam. Então, o jeito é sair cedo, para não arriscar”, destaca. Solano larga o serviço às 17h, mas só chega em casa depois das 19h. Normalmente, se deita às 22h, portanto, dorme cinco horas e meia por noite.

Além do custo social, o financeiro pesa. Segundo Furletti, considerando o valor médio da passagem em R$ 3,70, são R$ 11,10 por dia e R$ 326 por mês. A construtora fornece o vale-transporte e, por lei, desconta 6% do salário. “Eles ganham em média R$ 1.000, então a empresa desconta R$ 60 e arca com o resto. Se tivesse mais metrô ou ônibus, reduziria o custo e o cansaço. E, se fosse possível pegar só um ônibus, reduziria o gasto também”, avalia.

De acordo com o diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção de Belo Horizonte e Região (Marreta), Marcos Félix, é muito comum que os funcionários de obras cheguem uma hora antes. “Como não tem ônibus, a alternativa é antecipar, pois, se chegar atrasado, muitas empresas costumam até cortar o ponto daquele dia de trabalho”, observa. (APP/QA)

FOTO: Moisés Silva
“Começo a trabalhar às 7h, mas tenho que pegar o ônibus das 5h, senão eu me atraso. Então tomo café e fico na fila para bater o ponto.” Roberto Solano, 45

 

FOTO: Moisés Silva
“Saio de casa às 4h, em Betim. Chego no serviço às 4h30, pra começar às 5h50. Não dá para correr risco de atrasar.” Geraldo Magela, 61
FOTO: Moisés Silva
“Entro às 7h. Ou eu pego o ônibus das 5h20 e chego por volta das 6h, ou o outro só passa às 6h45. Aí só chego 7h20.” Juraci Santo, 59