Recuo

Com pressão de todos os lados, Temer reduz alvo da reforma

Após retirar servidores estaduais e municipais, governo é pressionado a excluir trabalhador rural

Qui, 23/03/17 - 03h00
Mudanças. Eliseu Padilha anunciou ontem que o trabalhador rural terá regra diferenciada dos demais | Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

BRASÍLIA. Um dia após o presidente Michel Temer anunciar um importante recuo em sua proposta de reforma da Previdência, ao retirar servidores públicos estaduais e municipais, líderes dos principais partidos governistas na Câmara afirmaram que haverá mais mudanças, entre elas a flexibilização ou retirada das regras que endurecem a obtenção da aposentadoria pelos trabalhadores rurais. Essas outras concessões são para facilitar a aprovação da proposta, que enfrenta críticas não apenas da oposição, mas da própria base aliada, de centrais sindicais e magistrados.

A nova mudança que atingirá os trabalhadores rurais prevê uma aposentadoria diferenciada para eles. “Não é justo que eles contribuam da mesma forma que os trabalhadores urbanos”, disse nessa quarta-feira (22) o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. “Nós estamos estudando uma forma especial de contribuição para eles”. Uma das ideias do governo para que a proposta não enfrente mais tanta resistência no Congresso é adotar uma contribuição de no máximo 5% do salário mínimo para os agricultores. A alíquota para o setor privado, atualmente, varia de 8% a 11%.

Sob pressão até mesmo do PMDB, e também das corporações, o governo começou a promover o que chama de “ajustes” na reforma da Previdência. Nas últimas reuniões com o presidente Michel Temer, deputados disseram que o Palácio do Planalto precisa melhorar com urgência a comunicação da proposta. Preocupados com as eleições de 2018, os parlamentares pediram a ele que arque com o ônus da reforma e vá à TV explicar por que a nova Previdência é necessária.

Pelas regras atuais, por exemplo, a aposentadoria dos trabalhadores rurais também é garantida para aqueles que não contribuem. O projeto do governo prevê a idade mínima de 65 anos para ter direito ao benefício, mesmo para os agricultores, com 25 anos de contribuição.

Ao falar sobre os principais pontos da reforma, que está em tramitação na Câmara dos Deputados, Padilha disse que a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, a regra de transição e aquela que veda o acúmulo de pensões por morte não serão mexidas. “São a espinha dorsal da proposta”, insistiu ele, minimizando as divergências.

Questionado se concordava com a exclusão de servidores estaduais e municipais da reforma, o chefe da Casa Civil desconversou. “Sobre coisa que presidente faz, ministro não opina”, respondeu. Padilha não participou da divulgação do primeiro recuo do governo sobre a Previdência. “Eu não estava no Palácio”, afirmou.

Os recuos na proposta original de Temer foram motivados pela constatação feita por seus principais articuladores políticos de que não há os 308 votos necessários para aprovar a medida assim como foi enviada pelo Palácio do Planalto. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, Antonio Imbassahy, ministro da articulação política, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder do governo na Câmara, e André Moura (PSC-SE), líder do governo no Congresso, são os que comandam a contabilização voto a voto, bancada a bancada.

Obrigação repassada. O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto de Almeida, não demonstrou preocupação com a retirada de servidores estaduais e municipais da proposta de reforma da Previdência. “Mesmo fora, eles terão de fazer reforma da Previdência”, disse o secretário, que nega que o problema cairá no colo federal no futuro. Segundo ele, a obrigação será de Estados e municípios.

Muita gente

Um universo de 5 milhões de servidores estaduais e municipais que têm regimes próprios no país está fora da reforma da Previdência, de acordo com Leonardo Rolim, especialista e consultor da comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados. Entre os servidores, estão professores dos ensinos médio e fundamental, policiais civis, membros da Justiça comum e do Ministério Público Estadual (juízes, procuradores), médicos, dentistas, técnicos e motoristas.

Relator

O relator da PEC da reforma da Previdência, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), ainda estuda com técnicos do Congresso e do Planalto como atender à orientação presidencial de tirar servidores de Estados e Municípios do texto. O deputado afirmou que o fato de o presidente dar uma orientação não quer dizer que seja possível passar por cima da Constituição e afirmou que é necessário estudo para ver a viabilidade jurídica.

“Crioulo doido”

Presidente da bancada evangélica, o deputado João Campos (PRB-GO) afirmou que a decisão do presidente Michel Temer de retirar da reforma previdenciária os servidores estaduais e municipais vai transformar a Previdência no samba do “crioulo doido”. Em vídeo divulgado no grupo de WhatsApp da bancada da bala, João Campos, aliado do governo, argumenta que o resultado da medida será a criação de múltiplos regimes de servidores públicos pelo país.


Previsão

Segurados do INSS vão pagar toda a conta, diz analista

Para o advogado João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, a decisão é política e abala um dos principais pilares da reforma que era a universalização de regras entre os regimes previdenciários. “O governo acabou com o único ponto positivo da reforma, que a universalização das regras do regime próprio e do regime geral previdenciário”, analisa.

Badari observa que Estados e municípios não terão força para alterar seus próprios regimes. “Dificilmente, Estados e municípios conseguirão criar ou alterar regras das previdência e regimes locais. A pressão regional é muito grande e não existe, na maioria dos casos, força política para tal mudança. Essa crença de mudanças das Previdência estaduais e municipais será apenas uma ilusão”, frisa.

Para ele, o trabalhador e segurado do INSS será aquele que pagará a conta da reforma. “Os segurados do INSS serão aqueles que sentirão na pele e que vão perder direitos com as duras regras impostas pela reforma”, critica. Badari diz que é necessária uma reforma da Previdência, mas não da forma que está sendo proposta.

O coordenador do curso de economia do Ibmec/MG, Márcio Salvato, é favorável à reforma. “Se não for feita, vai piorar a situação no futuro”, diz. Entretanto, ele frisa que alguns critérios são discutíveis, como o tempo de contribuição de 49 anos de trabalho para conseguir a aposentadoria integral. Para ele, a exclusão de servidores foi uma estratégia para aprovar a proposta. “Com isso, ela deve passar mais rápido”, diz. (Juliana Gontijo)
 

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