Insegurança

CPMF traz amargas lembranças 

Para evitar operações bancárias, mais dinheiro vivo circula, e o risco de furtos aumenta

Por ludmila pizarro
Publicado em 20 de setembro de 2015 | 03:00
 
 
Sem saudade. Marcelo Belico se lembra de fazer tudo para escapar do banco, e acha que a CPMF é injusta porque atinge os mais pobres Foto: JAQUES DIOGO / O TEMPO

Calcular a CPMF na hora de comprar, evitar transações bancárias, usar dinheiro sempre que possível, discutir com fornecedores ou clientes quem vai arcar com o tributo diante de um depósito, informalidade. Essas são as nada doces lembranças evocadas pela proposta do governo federal de voltar com o tributo que incide sobre qualquer movimentação financeira. “Eu me lembro de fazer o mínimo possível de operações no banco. O problema da CPMF era não ter mais certeza do que era seu, ter que fazer contas para saber em que deixar de gastar para colocar a reserva da CPMF”, conta o publicitário Marcelo Belico, 38.

Para o mercado, o tributo traz recordações de preços mais altos e, principalmente, informalidade. “Naquela época, a informalidade foi um dos efeitos da CPMF”, afirma o coordenador do curso de economia do Ibmec, Márcio Salvato. Ele explica que isso ocorre porque a única forma de fugir da incidência do tributo é evitando os bancos.

“O comércio é o principal circulador financeiro; recebe, troca, desconta. Se tiver que pagar em toda transação, os pequenos comerciantes serão jogados na informalidade”, afirma o presidente do Sindicato do Comércio Lojista de Belo Horizonte (Sindilojas-BH), Nadim Donato.

A volta do tributo, para Donato, tem outras desvantagens para o comerciante e para os compradores. “Com a CPMF, cresce a circulação do dinheiro, o que pode aumentar os furtos e diminuir a segurança do consumidor. É uma medida que não incentiva o comércio. Pelo contrário; com o efeito cascata, que onera a produção, a mercadoria que vamos vender fica mais cara. Além disso, o consumidor tem menos dinheiro para comprar”, afirma. Marcelo Belico concorda com o raciocínio. “É algo que acho pouco justo nesse imposto. Ele parece democrático, porque vai tributar todo mundo igual. Mas não é, porque atinge diretamente a camada mais pobre, aqueles que contam os centavos”, opina.

O mercado publicitário também não gosta de lembrar do tributo. “Nosso faturamento é baseado em serviços de terceiros. Isso causa uma série de dificuldades. Tínhamos que negociar uma composição de preço já imaginando o tributo”, explica Delmar Gentil, proprietário da Dez Comunicação e presidente do Sindicato das Agências de Propaganda do Rio Grande do Sul.

O empresário Francisco Pimenta, da Climatizar Engenharia Térmica e Automação, também vê aumento de preço com a CPMF. “Cobramos por projeto de ar-condicionado baseados no preço dos equipamentos. Se eles ficam mais caros, os projetos também encarecem”, diz.

Campanha

Manifesto
. O Sindilojas-BH iniciou, na última sexta-feira, a campanha #NaoCPMF. No manifesto da campanha, o presidente do sindicato, Nadim Donato, diz que a volta da CPMF “prejudicará a atividade comercial do país”.

Para advogado, retorno piora “colcha de retalhos tributária”

Segundo o advogado tributarista Antônio Roberto Winter Carvalho, a volta da CPMF vai deixar o sistema tributário brasileiro mais complexo e gerar mais burocracia nas empresas. “O que eu observo no Brasil é uma colcha de retalhos tributária desvantajosa. Se a CPMF fosse o único imposto... Mas numa seara que já é complexa, gera mais dificuldade. Nos outros países que adotam esse tipo de tributo existe uma tendência à simplificação tributária. No Brasil, vamos colocar a CPMF sem tirar outros impostos”, observa Carvalho.

FOTO: João Gonçalves/Divulgação
Antônio Roberto acha que CPMF vai gerar mais burocracia

Não é possível para as empresas fazer o planejamento tributário com a CPMF, segundo o advogado especializado em direito empresarial Sérgio Rosi. “Com outros impostos, as empresas podem planejar, criar estratégias para diminuir os fatos geradores de impostos. No caso da CPMF, não tem como planejar, ela vai incidir em toda transação financeira”, explica.

A alternativa de criar faixas de isenção para micro e pequenas empresas deveria ser estudada durante a implantação do tributo, segundo Rosi. “É uma ideia que respeita o princípio da capacidade tributária, que está, inclusive, previsto na Constituição Federal”, acrescenta o advogado.

Reindustrialização. Tentar retornar com a CPMF pode afetar os objetivos de reindustrialização do Brasil, na análise do coordenador do curso de economia do Ibmec, Marcio Salvato. “A CPMF recai em cascata nos custos de produção. Por essa razão, a medida viria na contramão da reindustrialização do país, já que aumenta os preços dos insumos”, explica o professor. Essa incidência do imposto várias vezes “sobre o mesmo recurso”, ou seja, sobre o mesmo dinheiro, é a característica “perversa” da CPMF, na avaliação de Carvalho.

Junto com a diminuição da capacidade produtiva, Salvato também prevê o fortalecimento da inflação pelo mesmo mecanismo.

Sigilo. Para Winter Carvalho, a CPMF também trará de volta uma fiscalização feita pela Receita Federal que quebra, de maneira indireta, o sigilo fiscal de pessoas físicas e jurídicas. “Considero positiva toda fiscalização, desde que esteja dentro da legalidade. É negativo quando um tributo é utilizado para acabar com o sigilo fiscal, que é um direito garantido”, explica o advogado tributarista.

FOTO: Editoria de arte