Amargo regresso

Crise faz o trabalhador mineiro trocar carro por ônibus, metrô e bike

Seis em cada dez mineiros mudaram o meio de locomoção para economizar

Por Queila Ariadne
Publicado em 23 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
Crise faz o trabalhador mineiro trocar carro por ônibus, metrô e bike Foto: Acir Galvão

Antes de a crise tirar a renda do bolso, o carro era o principal meio de locomoção para 38,2% dos mineiros. Um levantamento feito pelo grupo Mercadológica com exclusividade para O TEMPO revela que, com menos renda disponível, 67,6% dos entrevistados afirmam que a opção de transporte mudou. A pesquisa, feita com 608 pessoas em 45 cidades de Minas Gerais, revela que o principal motivo para a mudança foi o aumento da gasolina, apontado por 34,7% dos usuários. A opção mais adotada foi o transporte público, escolhido por 28%. Para aqueles que já tinham essa como a principal alternativa de locomoção, a mudança foi para outro transporte público mais barato ou andar a pé mesmo.

O economista André Veloso, autor do livro “O Ônibus, a Cidade e a Luta”, destaca que o grande responsável pela escolha do meio de transporte é o preço. “Em relação ao conforto, o carro ainda é visto como melhor opção. Mas, com aumentos excessivos do preço da gasolina, fica cada vez mais caro. Se quem andava de carro muda para ônibus ou bicicleta, quem já usava esses escolhe outra opção mais barata. Foi o que vimos com o congelamento da tarifa do metrô, que derrubou a demanda do ônibus”, analisa.

Há seis meses, o editor e desenhista Carlos Henrique Barbosa, 42, tem feito um rodízio entre carro e ônibus. “Desde que a Petrobras mudou a política de preços e passou a subir a gasolina todo dia, ficou inviável. Como meu carro não é flex, fica pior ainda. Só vou trabalhar com ele duas vezes na semana, e economizo pelo menos R$ 250 por mês”, conta Barbosa. O problema, segundo ele, é que, como muita gente também tem feito isso, os ônibus estão cada vez mais cheios. “Eles não estão dando conta de atender o aumento dessa demanda”, observa.

O designer Hélio Januzzi, 39, faz parte da parcela que desistiu de vez de andar de carro. “Vendi meu carro em 2010 para economizar e comprar meu apartamento, e nunca mais senti necessidade de possuir outro. Colocando no papel as despesas, como IPVA, seguro e gasolina, (vejo que) não compensa. Eu venho trabalhar de bicicleta e, quando preciso, uso ônibus, aplicativos ou ando a pé”, conta Januzzi, que ainda economiza com academia.

Demanda. O professor de economia do Ibmec Paulo Pacheco afirma que, como qualquer outro bem e serviço, o transporte oscila de acordo com a demanda. “Fatores como a recessão afetam a demanda, pois a renda disponível das famílias fica menor. Certamente, a substituição do carro pelo transporte coletivo seria muito maior se houvesse opções para essa troca. Mas, como a mobilidade pública é muito ruim, ainda tem muita gente que, mesmo com a dificuldade financeira, prefere manter o automóvel”, analisa o economista.

De acordo com a pesquisa da Mercadológica sobre os impactos da crise no acesso ao transporte, entre quem trocou o carro por outras modalidades de locomoção, a gasolina foi a maior responsável. Segundo o estudo, 28% migraram para ônibus ou metrô, 25% passaram a andar mais a pé, 17,1% recorreram à motocicleta, e 9,2% à bicicleta.