Prejuízo

Encolhimento da indústria corrói receita das cidades

Apenas com esse tributo, Betim perdeu potencial de arrecadar até R$ 506 milhões a mais por ano

Seg, 20/05/19 - 03h00
Refinaria Gabriel Passos | Foto: Geraldo Falcão/Petrobras

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Um polo acrílico de R$ 600 milhões, que a Petrobras prometeu construir em Minas Gerais, foi feito na Bahia. A fábrica de amônia, que geraria 200 empregos diretos em Uberaba, no Triângulo Mineiro, foi abandonada pela Petrobras depois da aplicação de quase R$ 700 milhões. Com investimentos que pararam ou nem sequer vieram, em um quadro agravado pela crise econômica nacional, Minas Gerais vem sofrendo com o avanço da desindustrialização. Estudo da Fundação João Pinheiro (FJP) mostra que a indústria respondia por 33,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010. Em 2016, dado mais atualizado do IBGE, caiu para 24,8%.

O pesquisador da FJP e professor de economia do Ibmec Glauber Silveira explica que o estudo é feito com base em dados do IBGE, com uma defasagem de dois anos. “Mas os dados são atuais, pois a participação da indústria no PIB deve estar nessa faixa, se não tiver piorado”, diz.

O fenômeno da desindustrialização (explicado pelo fechamento de fábricas ou reduções drásticas na produção) afeta a receita dos municípios. Para Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, o recuo no total de veículos fabricados, ao lado de uma menor produção de combustíveis pela Refinaria Gabriel Passos (Regap), é a principal explicação para a desindustrialização. A cadeia toda também pisou no freio. A cidade, tradicionalmente no topo da lista das que mais arrecadavam ICMS no Estado, viu sua participação no Valor Adicionado Fiscal (VAF) de Minas cair de 9,74% em 2010, para 6,36% em 2018. No ano de 2010, a Fiat, localizada em Betim, produzia praticamente um em cada quatro carros emplacados no Brasil (22,8%). Em 2018, caiu para 13,8%, segundo levantamento da Federação Nacional de Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave).

O secretário municipal de Finanças, Planejamento e Gestão de Betim, Gilmar Mascarenhas, explica que, enquanto a arrecadação da cidade teve crescimento nominal de 277% entre 2001 a 2010, no período de 2011 até 2018 o ritmo de expansão caiu para 4,39%. “O pico foi em 2010, quando nossa fatia no ICMS indicado pelo índice do VAF era de 9,74%. Em 2018, esse índice reduziu a 6,36%. Para se ter uma ideia das perdas, se esse índice se mantivesse como em 2010, nós teríamos um potencial para arrecadar até R$ 506 milhões a mais por ano”, afirma.

Em 2018, Betim recebeu R$ 688 milhões de ICMS. “Se a média fosse mantida, deveríamos ter arrecadado R$ 1,19 bilhão”, diz Mascarenhas. Procuradas, as secretarias de Desenvolvimento Econômico e de Fazenda do Estado não responderam aos questionamentos da reportagem.

Em Contagem, a desindustrialização também mostrou a cara. O secretário municipal da Fazenda, Gilberto Ramos, explica que a fatia da cidade no Valor Adicionado Fiscal (VAF) caiu de 5,04% para 4,82%. “Contagem também sofreu com fechamento de indústrias e queda na produção e na demanda. Mas tivemos a sorte de termos diversificação na prestação de serviços, como o setor de logística, por exemplo”, diz Ramos.

Queda por setor. As maiores quedas estão na indústria extrativa e na de transformação. “A redução da extrativa está diretamente ligada às perdas da mineração. O rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, em 2015, está nesse período. Os impactos de Brumadinho ainda nem foram contabilizados, pois aconteceram depois”, diz Silveira.

Nesse período, a indústria extrativa encolheu 47,3%. A participação de 5,9%, em 2010, caiu para 2,9%. O recuo no setor de transformação foi menor, de 21,6%, entretanto o peso desse segmento é maior. Representava 17,1% em 2010, agora caiu para 13,4%. “A queda foi grande, principalmente pela redução da produção da metalurgia, com a diminuição da produção da indústria automotiva, que, além de vender menos no mercado interno, também exportou menos”, explica Silveira.

Segundo a Fundação João Pinheiro, enquanto a indústria perdeu participação no PIB, serviços avançaram de 61,2%, em 2010, para 68,3% em 2016. “Um dos grandes fatores é a tecnologia, com surgimento de serviços que antes não existiam, como Uber”, explica o pesquisador da FJP Glauber Silveira.

Entenda. O chamado “Valor Adicionado Fiscal” (VAF) é apurado com base em declarações transmitidas pelas empresas, cujas operações ou prestações de serviços foram realizadas em cada município.

Investimentos são comprometidos

Segundo o secretário de Finanças, Planejamento e Gestão da Prefeitura de Betim, Gilmar Mascarenhas, a desaceleração da industrialização no Estado, principalmente nos setores automotivo e petrolífero, junto com a Lei Robin Hood – que mudou a redistribuição do ICMS –, tirou a capacidade que o município tinha de investir. “De 2004 a 2008, Betim tinha capacidade de aplicar de 12% a 13% da sua receita corrente líquida. Agora, caiu para praticamente zero. Temos buscado alternativas, como contrapartidas sociais e reestruturação das receitas próprias, como IPTU e ISS”, explica.

A dificuldade do Estado em repassar recursos constitucionais para os municípios foi outro agravante. Em 2018, Betim deixou de receber R$ 94 milhões e teve queda de 10,18% na arrecadação. “Se o governo tivesse repassado, teríamos um acréscimo de cerca de 2%”, destaca Mascarenhas.

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