Limitação

Mercado para idosos é dúvida 

Com crise e opções restritas de trabalho, desemprego para faixa acima de 60 anos cresceu 46%

Qui, 08/12/16 - 02h00
Mudou. Brasileiros terão que se aposentar com no mínimo 65 anos e pelo menos 25 de contribuição | Foto: LINCON ZARBIETTI/17.4.2015

 Com as novas regras da aposentadoria, uma pessoa que entrar na universidade aos 18 e sair aos 22 para o primeiro emprego, vai se aposentar apenas aos 71 anos, caso queira receber o valor integral do benefício. A pergunta é: haverá mercado de trabalho para os idosos? Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, enquanto o índice de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos cresceu 30,5% em relação ao ano passado, para quem tem mais de 60 anos, a taxa de desocupação subiu 46,2%.

Segundo dados secretário de finanças do Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga (Sindipa), Geraldo Magela, cumprir essa meta é impossível para quem trabalha com alto-forno e coquerias, expostos à liberação de gases tóxicos. “Na metalurgia e na siderurgia, a maioria se aposenta antes dos 60, pois muitos adoecem antes. E o comum é vermos a empresa trocar os mais velhos pelos mais novos, com salários menores”, destaca Magela.

Na avaliação da presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) Jane Berwanger, a obrigação de se aposentar com no mínimo 65 anos de idade e 25 anos de contribuição vai trazer a seguinte dúvida: “Ou os jovens vão se formar, mas não conseguirão emprego, porque os idosos ainda estarão trabalhando; ou os idosos serão substituídos e não vão conseguir se aposentar”, afirma.

De acordo com o especialista em direito previdenciário do escritório Carvalho Pereira Pires e Fortini, Felipe Mucci, a segunda hipótese é a mais provável. “Lamentavelmente, vamos criar uma sociedade de não aposentados”, ressalta.

Ele explica que, pela regra atual, a mulher se aposenta com 60 anos de idade e 15 de contribuição e o homem com 65 anos e 15 de contribuição. Só para ter direito a se aposentar, terão que contribuir 25 anos. Se quiserem receber 100% do benefício, terão que contribuir por 49 anos. “Temos muitos profissionais autônomos como pedreiros, marceneiros que às vezes só começam a contribuir com a Previdência aos 40 anos, por exemplo. Elas não vão ter tempo de contribuição”, comenta a especialista.

Para Mucci, o mais eficiente seria criar regras de transição mais flexíveis. “As pessoas com idade mais avançada não aguentam trabalhar por tanto tempo. Não dá para nos basearmos em modelos usados na Europa, onde a qualidade de vida é melhor. Olhem, por exemplo, para o serviço de transporte coletivo”, questiona o advogado.

Segundo ele, até a gratuidade para os idosos acima de 60 anos nos ônibus pode ser reconsiderada, caso eles continuem trabalhando por mais tempo. Em São Paulo, o governador eleito João Doria (PSDB) já anunciou que pretende rever o passe-livre para essa faixa etária.


Queda

Tendência é perder arrecadação que vem de autônomos

Para virar lei, a mudança de regras da aposentadoria ainda terá que passar duas vezes pelo Congresso e duas vezes pelo Senado, como manda o procedimento de alteração da Constituição. O objetivo é equilibrar as contas da Previdência, que convivem hoje com um rombo de R$ 140 bilhões previsto para 2016. Entretanto, para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) Jane Berwanger o governo está desconsiderando a chance de a arrecadação cair. “Muita gente que hoje é autônoma não vai mais querer contribuir, porque não valerá a pena ficar pagando 49 anos para receber o valor integral”, destaca.

Ela ressalta que a responsabilidade do desequilíbrio das contas é dos governos, que gastaram os recursos com outros setores. “Essa situação continua, pois hoje 30% do Orçamento da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência) são desvinculados”, diz.

O engenheiro mecânico Derly Eustáquio de Araújo tem 60 anos e 30 de contribuição. Ele já estava tentando se aposentar por invalidez há um ano, devido a problemas de saúde. Faltavam só cinco anos, mas agora ele terá que contribuir por mais tempo. No caso dele, que se encaixa na transição, por mais sete anos e meio.

“A minha pergunta é: essa economia de recursos para a Previdência não seria muito maior se essas regras fossem para os grandes salários dos políticos? O que vai acontecer com a aposentadoria deles?”, questiona Derly. (QA)


Legislação trabalhista terá que ser revista com mudanças

A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) Jane Berwanger afirma que a legislação trabalhista terá que ser revista com as novas regras da aposentadoria. “Hoje há, por exemplo, uma estabilidade para quem está a um ou dois anos de se aposentar. Agora, quem quiser receber 100% da aposentadoria, terá que contribuir mais 24 anos. Então como é que fica?”, questiona.

Segundo a especialista, não se pode pensar uma reforma previdenciária isoladamente. “Tem a questão do mercado de trabalho e da saúde. Tem que considerar se essa pessoa que sai da faculdade com 22 anos e trabalha (ininterruptamente) até os 71 anos – para ter contribuído 49 anos e conseguir receber 100% – terá condições de continuar trabalhando até lá”, afirma Jane. (QA)

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