Sacrifício

Mercado vive conflito entre preço baixo e bem-estar animal 

Galinhas poedeiras e porcas matrizes vivem em condições precárias para que possam produzir

Dom, 13/11/16 - 02h00

A indústria alimentícia está mudando suas práticas de produção para diminuir a crueldade contra animais diante da pressão do consumidor, mas os custos ainda são um empecilho para que o país adote medidas para o bem-estar animal. Segundo uma pesquisa do Instituto Akatu, realizada em 2014, 87% dos brasileiros preferem que, na produção, animais não sejam maltratados – mas desde que o preço e a qualidade sejam os mesmos. Enquete realizada pelo portal O TEMPO Online com a participação de mais de 2.000 internautas mostrou que 55% aceitariam pagar um pouco mais para garantir o bem-estar animal, e 45%, não.

“Esse é um desafio diário que enfrentamos: produzir o máximo consumindo o mínimo de recursos naturais, atendendo as exigências do mercado consumidor”, diz o vice-presidente técnico da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Rui Saldanha Vargas.

A realidade é que, no Brasil, mais da metade dos ovos produzidos são provenientes do confinamento intensivo de galinhas poedeiras em gaiolas, segundo a ONG Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal (Arca Brasil). No caso das porcas matrizes, das fêmeas escolhidas para parir a produção de suínos, cerca de 60% vivem em celas de gestação, segundo o pesquisador de aves e suínos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Osmar Antonio Dalla Costa. Segundo a ONG Humane Society International (HSI), são cerca de 80 milhões de galinhas e 1,5 milhão de porcas vivendo em condições de estresse constante no Brasil.

Vargas admite que “algumas empresas do setor já assumiram esse compromisso (de investir no bem-estar dos animais)”, mas argumenta que mudar o atual sistema de produção de suínos custaria ao setor cerca de R$ 1,5 bilhão. “É um processo caríssimo. Mesmo na União Europeia, onde esse processo está mais avançado, ainda não há consenso quanto ao abandono da cela de gestação”, pondera. “O mesmo acontece com a chamada gaiola enriquecida para produção de ovos, que tem custo elevado de manutenção. As mudanças acontecerão gradualmente. Mas precisamos realizá-las sem onerar o consumidor. Em um processo de produção mais caro, o custo do alimento se eleva”, afirma.

Reginaldo Morikawa, presidente da Associação Brasileira da Avicultura Alternativa (Aval), que reúne produtores de aves e ovos caipiras e orgânicos, confirma que a produção fora do sistema de gaiolas de bateria encarece o ovo. Nesse sistema, cada ovo custa R$ 0,50. No sistema de semiconfinamento, o preço unitário vai a R$ 0,80. Já um ovo caipira e orgânico pode chegar a R$ 1,20.

“No confinamento intensivo, um funcionário pode cuidar de até 50 mil galinhas. Já produtores alternativos precisam de um funcionário para cada mil, no máximo 2.000 animais”, afirma Morikawa.

Dalla Costa lembra, porém, que é possível equilibrar as contas. “A ideia não é inviabilizar a produção ou produzir uma carne caríssima que as pessoas não vão poder comprar. Com tecnologia e novas técnicas, é possível ter uma boa produtividade com práticas que respeitem o bem-estar dos animais. E é uma demanda dos consumidores”, afirma o pesquisador da Embrapa.

Crédito

Inovagro. O BNDES tem uma linha de crédito para produtores que pretendam adotar sistemas de produção ligados ao bem-estar animal, o Inovagro. O programa está vigente até junho de 2017.


Mais de 50%

Animais passam a vida em cubículos

Cada brasileiro consumiu, em média, 15,1 kg de carne suína e 191 ovos em 2015. Muitos não sabem, porém, que mais da metade dessa produção envolve sofrimento animal.

As galinhas poedeiras criadas em confinamento intensivo passam a vida – cerca de dois anos – presas em gaiolas superlotadas. Cada ave tem uma área do tamanho de uma folha A4 (29,7 cm x 21 cm) para viver. Elas não conseguem caminhar, bater as asas, ciscar nem empoleirar-se. Segundo a Humane Society International (HSI), isso causa fragilidade óssea, perda de penas e estresse.

Já as porcas matrizes, quando têm cerca de cinco meses, são colocadas em celas de gestação onde serão inseminadas, terão filhotes e amamentarão em um espaço de 60 cm por 2 m. O animal não é capaz de dar um passo para a frente ou para trás, e só consegue ficar em pé ou deitado. Com os filhotes desmamados, as fêmeas são novamente inseminadas, e o ciclo se repete por quatro anos, quando são abatidas. Elas vivenciam tédio, frustração e distúrbios psicológicos, segundo a HSI. (LP)