Classe social

Mineiros abaixo da linha da pobreza gastam R$ 13 bilhões por ano

No Estado, cerca de 20% da população vive com até R$ 420 por mês e se vira para consumir

Dom, 17/11/19 - 03h00

Em um barracão de fundos, cuidadosamente ornamentado com caixotes e vários móveis encontrados na rua ou ganhados, vive a ex-moradora de rua Sônia Gonçalves de Oliveira, 53. É nessas quatro paredes que ela divide o arroz e o feijão – conquistados com muito suor nas ruas de Belo Horizonte – com a companheira Regina e a cachorra Maria Flor.

É lá também onde ela guarda o fogão e o forno recém-comprados de dez vezes sem juros e faz planos de novas aquisições, entre elas uma televisão. A ambulante é mais uma mineira de um contingente de 4,18 milhões (19,9% da população do Estado) que estão abaixo da linha de pobreza: com renda mensal de até R$ 420, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mesmo ganhando menos da metade de um salário mínimo, juntas, essas pessoas vão inserir mais de R$ 13 bilhões na economia de Minas neste ano.

Em Belo Horizonte, a estimativa é que esse público consuma R$ 1,7 bilhão ao longo de 2019, segundo a IPC Marketing – empresa especializada em pesquisas de mercado. A cifra bilionária é usada, em sua maior parte, para garantir a subsistência. Em torno de 70% do dinheiro vai para pagar alimentação dentro e fora de casa, transporte urbano e itens de higiene e cuidados pessoais, segundo o levantamento.

“Não sobra quase nada para o não essencial”, afirma o responsável pela pesquisa, Marcos Pazzini. Sônia confirma essa teoria: ela acorda às 7h, sai sem comer nada para economizar, caminha por cerca de uma hora entre a casa dela, na região Noroeste, e o centro da capital com sacolas de mercadorias para vender. Ela almoça a marmita feita na noite anterior, até que, às 19h, pega um ônibus, volta para a casa, toma banho, janta e dorme. “É uma luta diária. Tem dias que eu não vendo nada”, conta.

Em alguns meses, Sônia até consegue esbanjar um pouco mais e comprar uma “carninha para dar um cheiro”, como ela costuma dizer. No dia em que a reportagem esteve na casa dela, nem para cheiro ela tinha. O bife de boi encareceu 7% na capital em novembro frente a outubro, segundo pesquisa do site Mercado Mineiro. “Hoje estou de regime”, tentou justificar a geladeira praticamente vazia.

E é nesse sufoco que Sônia tenta equipar a casa, que já tem dois televisores de tubo e uma cama ganhados, um sofá encontrado no lixo, um guarda-roupa soltando as portas e prestes a cair, uma máquina de lavar comprada de segunda mão e o mais importante para ela: um fogão e um forninho elétrico novinhos em folha.

“Na minha vida inteira, eu nunca tinha comprado um fogão novo. Me dei a esse luxo. E, claro, não paguei à vista, paguei a perder de vista”, afirma a ambulante. Os eletrodomésticos nem sempre são usados como ela gostaria. O fogão fica mais “encostado” por causa do custo do gás. O forninho elétrico é ligado uma vez ao dia.

"Quando cheguei nessa casa, já tinha gato de luz e água. Se vierem cortar, esse forno elétrico aposenta”, garante. Um risco real, já que a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) eliminou, só no primeiro semestre deste ano, 115 mil ligações irregulares no Estado.

Pobres sustentam lojas do hipercentro de Belo Horizonte

O hipercentro de Belo Horizonte tem aproximadamente 4.000 lojas. Dessas, 2.800, ou 70%, são sustentadas por pessoas com renda mensal inferior a R$ 420.

“O centro sempre foi focado nesse público. Por isso, temos lojas com produtos populares. Essas pessoas compram coisas de baixo valor, mas precisam de roupa, vasilhas, enfim, têm as necessidades delas”, afirma o presidente da Associação de Lojistas do Hipercentro, Flávio Fróes Assunção.

Assunção reforça que a inadimplência é menor entre essa classe social. “Elas prezam nome. Afinal, é o que elas têm para se garantir”, afirma.

Se o dinheiro acaba antes do fim do mês, a ambulante Sônia Gonçalves de Oliveira, 53, “dá seus pulos”. Ela recorre ao cartão de crédito, empréstimo com amigos e até mesmo agiotas.

“No mês passado, peguei R$ 300 emprestado com agiota e paguei R$ 18 por dia durante 20 dias. Cheguei a deixar de comer para conseguir pagar isso”, conta, mostrando o carnê com os comprovantes dos pagamento feitos pelo agiota.

Perdas

Há uma semana, Sônia teve as mercadorias apreendidas. Segundo a prefeitura de BH, de janeiro a setembro, foram levados 25 mil pacotes de produtos de ambulantes.

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