‘Big brother’

Não se iluda: você está sendo espionado a cada clique online

Gigantes da internet sabem sua localização, idade, gênero, vídeos que vê e apps que usa

Dom, 02/07/17 - 03h00
Alexandre Borges explica que a exibição de anúncios online é reforçada pela inteligência artificial | Foto: Douglas Magno

Basta observar os anúncios dos portais de notícias e das redes sociais para ter a nítida sensação de que alguém está lendo e ouvindo nossas conversas. Teoria da conspiração? Paranoia? Nada disso. As grandes empresas digitais – principalmente aquelas que oferecem serviços gratuitos, e-mail, redes sociais, apps de conversas instantâneas, como Google, Microsoft e Facebook – coletam e armazenam informações sobre cada usuário para oferecer a seus clientes anúncios “mais assertivos”.

E o mercado é enorme. O Google faturou globalmente com anúncios, só nos três primeiros meses de 2017, US$ 24,1 bilhões (R$ 70,6 bilhões). A empresa, que tem mais de 1 bilhão de usuários no mundo, não informa qual é o faturamento ou o público no Brasil. Em 2016, o Google faturou US$ 89,5 bilhões (R$ 294,4 bilhões): mais do que o PIB da Eslováquia no mesmo ano. Já o Facebook tem 117 milhões de brasileiros (56,3% da população do país) cadastrados em sua rede social e 2 bilhões em todo o mundo. Se fosse um país, seria o mais populoso da Terra. A rede social faturou US$ 26,8 bilhões (R$ 88 bilhões) no ano passado, mas também não informa o faturamento no Brasil.

Uma fonte do Facebook afirma que os dados para definir os anúncios que aparecem para os usuários são “desindividualizados”, mas confirma que, desde que a pessoa aceite a política de privacidade da empresa, todas as informações que estão na rede social, disponibilizadas no perfil e no comportamento, como as páginas e as postagens curtidas, podem ser usadas para isso.

O Google responde, em nota, que seu “objetivo é mostrar anúncios que sejam relevantes para os usuários”. “Para isso, usamos dados coletados de seus dispositivos, incluindo buscas e dados sobre localização, bem como websites e aplicativos usados, vídeos e anúncios vistos e informações pessoais fornecidas por eles, como faixa etária, gênero e interesses”, confirma.

As empresas contam com a anuência dos usuários, que, em sua maioria, aceitam a política de privacidade delas e dão, voluntariamente, acesso a conteúdo escrito, áudios, contatos, câmeras, localização, grupos de discussão e histórico de navegação de notebooks e smartphones.

“A internet segmentou (o público) pelo interesse, de acordo com local, faixa etária, hábitos. Com isso, os anúncios do Google e do Facebook ficaram mais específicos e muito mais assertivos”, explica o fundador da Central Comm Publicidade Online, Alexandre Borges.

Leilão em tempo real. Duas pessoas navegando o mesmíssimo site vão ver publicidades diferentes. Os anúncios que aparecem na tela de cada uma são definidos por meio de um leilão que acontece em tempo real utilizando a computação. “O Google conta com o ‘rankbrain’, que é a tecnologia que usa inteligência artificial e aprendizado de máquina para automatizar o processo”, explica.

O mercado de publicidade online estima que cerca de 90% dos sites brasileiros estejam cadastrados no Google e exibam anúncios pelo sistema de publicidade da empresa.


Sem permissão, sem serviços

Os usuários que optam por reduzir o acesso das empresas a seus dados acabam ficando sem o serviço ou perdem benefícios. “Quem retira as permissões de acesso pode ficar com uma versão com só 5% das funcionalidades”, explica o diretor de relações institucionais e mídia da Associação de Consumidores Proteste, Henrique Lian.

“O que mantém a internet hoje são os anúncios. A forma que as empresas encontraram para monetizar e manter os serviços gratuitos foi essa”, diz o publicitário Alexandre Borges.

O próprio Google confirma essa lógica, ao afirmar em nota que boa parte dos seus negócios “baseia-se na exibição de anúncios”. “Os anúncios ajudam a manter nossos serviços gratuitos e úteis”, diz a nota. “Google e Facebook montaram seus modelos de negócio em cima da venda dessas informações. A alternativa é quase abandonar as redes sociais, teria de habilitar uma série de controles até na hora de navegar na internet”, declara um especialista na área de segurança digital que trabalhou para o governo brasileiro, e hoje está em uma organização internacional.


Políticas de privacidade são difíceis de entender

Tanto o Google como o Facebook afirmam que só usam, para indicar anúncios, dados que os usuários concordaram em disponibilizar. Mas, para especialistas e usuários, falta transparência. O analista de sistemas Marison Lacerda, 42, considera que parte dos usuários do Facebook não tem noção do que é feito com os dados. “Há pessoas superinseguras, que têm medo de tudo, e pessoas que não tem medo de nada, colocando em risco a si e a outros”, opina.

“Ler as políticas (de privacidade) dá uma ideia do que eles dizem que fazem com os dados. Isso se você entender o que está escrito. As informações inferidas ou oriundas de correlação com outras fontes nem sempre são citadas. Eles vão dizer que não vendem seu e-mail, por exemplo, mas não dirão, claramente, que ajudam anunciantes a mostrar produtos relacionados com artigos em que você dá ‘like’”, explica um especialista em segurança digital que já trabalhou para o governo brasileiro.

Por nota, o Facebook afirmou que tem “políticas de dados e privacidade claras que dizem que tudo o que uma pessoa publica no Facebook é de propriedade dela e só ela é quem pode determinar os níveis de privacidade de suas publicações e informações na plataforma”.

Gmail. O Google anunciou no fim de junho que não vai mais usar o conteúdo das mensagens do Gmail para oferecer propaganda. A prática incluía o conteúdo da versão gratuita do serviço. 

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