A revolta dos centavos

Para cortar a dependência das rodas seria preciso R$ 1 trilhão

Mesmo se União investir R$ 198 bi em outros modais, país seguiria rodoviarista

Sex, 13/07/18 - 03h00

Em 2014, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) apresentou um Plano de Transporte e Logística estimando que o país precisaria de R$ 987,18 bilhões – praticamente R$ 1 trilhão – para desenvolver os 2.045 projetos existentes para o setor. Não bastasse o valor alto, seriam necessários cerca de cem anos para que todos fossem executados, levando em consideração o ritmo de investimentos do governo federal, que, em 2018, tem um Orçamento de R$ 10 bilhões para o setor de transporte.

Em 2015, o governo federal lançou com pompa, circunstância e apresentações para empresários estrangeiros um Plano de Investimento em Logística (PIL). Previa R$ 198,4 bilhões no período de 2015 a 2018. O ano de 2018 chegou, o plano já deu lugar a outro, e o Ministério dos Transportes não informa quais partes dele foram, de fato, realizadas.

Mesmo que tudo fosse executado, seria insuficiente para mudar a direção da dependência que o país tem do transporte rodoviário, que, em 195,2 mil quilômetros de rodovias, concentra 54% do transporte de cargas. Se todas as obras previstas fossem realizadas, até 2035 o país ainda seguiria sobre rodas. Os dados estão no estudo “Projeções para a Infraestrutura de Logística de Transportes no Brasil”, divulgado pela Fundação Dom Cabral (FDC) no mês passado.

O estudo da FDC – que leva em conta o Plano de Investimento em Logística (PIL) lançado pelo governo federal em 2015 – estima que, até 2025, as ferrovias aumentem sua representatividade no transporte de cargas dos atuais 26,4% para 29,5%. O problema é que, dez anos depois, em 2035, a tendência é que esse avanço já esteja diluído por dois motivos: o crescimento do volume de produção de cargas de 36,8% e do transporte em toneladas, de 43,7%. Além disso, até lá, cerca de metade dos 1,71 milhão de quilômetros de estradas brasileiras deve estar em péssimas ou inaceitáveis condições de conforto e conveniência.

“Continuaremos em um país sobre rodas se não houver um plano nacional, de prioridade do Estado brasileiro de infraestrutura de transporte para o Brasil suficientemente forte e ousado para não só melhorar a qualidade das rodovias, como também para ampliar o potencial das ferrovias e hidrovias e do transporte de cabotagem”, afirma Paulo Resende, diretor da Plataforma de Infraestrutura em Logística de Transportes (Pilt) e coordenador do Núcleo de Logística, Infraestrutura e Suply Chain da FDC.

Mudar a direção dessa realidade, que leva a nação ao atraso, é algo que demanda alto investimento e tempo, fatores escassos em um país em crise financeira. Nos últimos cinco anos houve seguidas quedas no Orçamento do governo federal para o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, situação que leva a uma tendência à deterioração permanente do setor e à manutenção da dependência das rodovias para a movimentação de cargas.

“É preciso um investimento mais longo e consistente, sem variações orçamentárias negativas entre um governo e outro. No Brasil, o plano de integração e logística ainda é desconexo e de referência política grande, em que interesses de alguns políticos priorizam determinadas obras, deixando de lado outras mais importantes”, critica o diretor executivo da CNT, Bruno Batista.

Segundo o Ministério dos Transportes, o PIL deu lugar aos programas Avançar e Avançar Parcerias. No primeiro, estão previstos investimentos de R$ 141 bilhões entre 2016 e 2018, sendo que R$ 77 bilhões já foram empenhados e, até dezembro deste ano, a previsão é de execução de mais R$ 64,7 bilhões. No segundo, serão investidos R$ 161,7 bilhões junto com a iniciativa privada.

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