Ações

Perder tempo para resolver problemas gera indenização

Justiça intensifica punição por demora no atendimento por telefone e espera em aeroportos

Seg, 12/06/17 - 03h00
Com cerca de cem protocolos, Camila já perdeu 33 dias da vida | Foto: Denilton Dias

“Eu tenho 31 anos menos 33 dias”, afirma a coordenadora de um centro de idiomas Camila Wigeers Sabato. Em um ano e meio, ela acumulou cerca de cem protocolos contra uma operadora de internet e TV a cabo, tentando resolver, entre outras falhas, a entrega seis vezes abaixo da velocidade contratada. “Já cheguei a ficar quase uma hora no telefone, mas considerando que em média cada ligação teve 20 minutos, foram 2.000 minutos da minha vida jogados fora. Sem falar quando temos que esperar o técnico, pois eles nunca marcam a hora exata. Estou entrando na Justiça e, além do serviço correto, vou exigir indenização por dano moral”, conta Camila. As chances de ela ganhar são grandes, pois, se antes esse tipo de chateação era tratada pela Justiça como mero aborrecimento, agora as coisas começam a mudar.

Nos últimos cinco anos, a Justiça tem reconhecido que a perda de tempo merece indenização. Desde 2011, quando o advogado capixaba Marcos Dessauane lançou a tese do “Desvio Produtivo do Consumidor” para discutir os prejuízos do tempo desperdiçado, já foram cerca de mil acórdãos favoráveis ao pagamento de indenização por dano moral a consumidores que tiveram que gastar seu tempo para resolver problemas de produtos e serviços que nem sequer deveriam existir.

“O tempo é finito, incalculável e inacumulável. Essas três características fazem dele um bem valiosíssimo. Se você tem um bem limitado, ele não pode ser desperdiçado. As pessoas têm suas vidas prejudicadas quando precisam resolver problemas que deveriam ser resolvidos pelo fornecedor, que tem o dever jurídico de colocar produtos de qualidade no mercado e, quando houver falha ou defeito, resolver sem onerar o consumidor”, destaca Dessauane. O advogado Bruno Lewer está finalizando a dissertação de mestrado “Responsabilidade civil pelo tempo perdido”. “Quando você fica dez horas no aeroporto e perde um compromisso profissional, por exemplo, é mais fácil conseguir a indenização, porque há um dano patrimonial. Meu objetivo é construir cientificamente uma tutela autônoma só do tempo. Não quero saber se o consumidor perdeu dinheiro ou foi humilhado. Se ele perdeu tempo, deve ser indenizado. E não precisa mudar a lei para reconhecer o tempo como direito do homem”, defende Lewer, que é membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG).

Em pesquisa feita em todos os tribunais do Brasil, Dessauane encontrou cerca de mil decisões favoráveis à indenização pela perda do tempo, que citaram diretamente o desvio produtivo. Hoje, prestes a lançar a segunda edição com a teoria ampliada, o advogado comemora a revolução na jurisprudência brasileira. “Muitos juízes passaram a reexaminar essas situações e verificar que de fato existe desperdício de tempo, e, como o consumidor jamais poderá recuperar esse bem, ele deve, sim, ser indenizado”, diz.

Na avaliação de Lewer, como vivemos em uma sociedade de mercado, onde tudo é precificado, não existe outra solução para a violação do tempo senão a indenização. “O dinheiro compra experiências. Se você perdeu uma experiência porque desperdiçou seu tempo, não vai recuperá-la, mas nada mais justo do que uma compensação financeira”, ressalta.

Punição pode melhorar os serviços

A presidente do Instituto de Acadêmicos do Direito do Consumidor (Brasilcon) e professora da UFMG, Amanda Flávio Oliveira, comemora o êxito das indenizações pelo tempo perdido.

“Os fornecedores costumam dizer que há uma indústria do dano moral. Mas, na verdade, digo que o que há é uma indústria do mero aborrecimento. Se alguém perde tempo reclamando de uma falha no serviço ou produto, e o tribunal não entende isso como um dano, passa ao mercado o recado de que as empresas não precisam investir em qualidade. Mas, se punir, as empresas vão se reposicionar.”

FOTO: Mariela Guimarães
Bruno Lewer defende cliente que fez 96 protocolos de atendimento


Espera por visita técnica está na mira

Atraso na consulta médica, plantão em casa para esperar uma visita técnica ou o montador de móvel, horas na fila do banco. Em muitas situações, mesmo não se perdendo dinheiro, o prejuízo é grande. “Nosso direito é patrimonialista, sempre quer estimar a perda. Mas está surgindo um movimento de ampliação da proteção da pessoa humana. Além do dinheiro, tem situações em que se perde paciência, dignidade, honra, e a Justiça tem reconhecido esses novos danos extrapatrimoniais”, explica o advogado Bruno Lewer, da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-MG.

Ele cita um caso recente, ocorrido em São Paulo, no qual a foto de um homem abraçando um amigo apareceu no jornal ilustrando uma matéria de encontros homossexuais. “Ele foi indenizado. Nesse caso, o dano foi por identidade de gênero”, disse. Lewer cita ainda o direito ao esquecimento como um novo dano. “A pessoa pode exigir tirar algo da internet. Se uma pessoa adulta sofreu bullying na infância, ficou no passado. Se for o filho dela, a chance de ter um vídeo na internet é grande, mas esse filho tem direito que essa situação seja esquecida. São exemplos de novos danos que a Justiça tem reconhecido”, afirma.

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