Consumidor

Preço regulado e concorrência inviabilizam plano de saúde 

Matermed tem alienação de carteira de clientes decretada e usuários têm até março para migrar

Por ludmila pizarro
Publicado em 09 de fevereiro de 2016 | 04:00
 
 
Migração. Divina da Silva Oliveira lamenta fechamento da empresa, que não é mais cara que o SUS Foto: JAQUES DIOGO / O TEMPO

A região metropolitana de Belo Horizonte perdeu mais uma opção de plano de saúde. Depois da Santa Casa Saúde (que foi transferida para a Vitallis), a Centermed e a All Saúde, a Matermed está saindo do mercado. Os seus usuários estão com a portabilidade determinada pela Agência Nacional de Saúde (ANS) até o dia 26 de março.

A Matermed é mais um exemplo das dificuldades que os planos de saúde estão enfrentando. Nos últimos 15 anos, mil planos de saúde foram fechados no país, segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Só em 2015, a ANS registrou 50 processos de cancelamento de registro ou de alienação de carteira de planos de saúde – primeiros passos para a liquidação da empresa. Destes, 20% são empresas mineiras. A ANS também registrou no ano passado 18 liquidações extrajudiciais, 22,2% delas no Estado. Hoje, funcionam 1.173 operadoras no país.

Segundo um levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), 70% dessas operadoras têm até 20 mil usuários. Porém, “em 2014, apenas as operadoras com mais de 100 mil beneficiários tiveram receita maior do que a despesa”, informa o superintendente executivo do IESS, Luiz Augusto Carneiro.

“Com a judicialização da saúde, com a alta tecnologia avançando, com os médicos mal remunerados e com as operadoras predadoras descendo o preço do mercado para vender o que não têm condição de entregar, não tem jeito de continuar”, lamenta o médico José Leal Domingues Filho, proprietário da Matermed. A operadora chegou a ter 100 mil beneficiários no início dos anos 2000, perdeu 90 mil para “predadores” que cobravam mais barato e hoje tem 270 vidas. “O que aconteceu no mercado foi um dumping”, diz José Leal, se referindo à prática das empresas de baixar muito o preço para tirar outras do mercado. Segundo ele, essas empresas, que ficaram com os clientes, acabaram fechando também. “Eu cobrava R$ 80, a Santa Casa Saúde chegou cobrando R$ 40 e eu perdi. Mas o plano não aguentou e fechou”, conta. O tíquete médio da Matermed é de R$ 110 porque o reajuste dos planos individuais é definido pela ANS. “Não tem como sobreviver. Chegou um ponto que minha receita era de R$ 60 mil por mês e um paciente tinha despesas de R$ 400 mil”, ele conta.

Para a Abramge, o “engessamento dos reajustes causou um desequilíbrio no resultado das carteiras de planos individuais. As experiências de controle de preços no Brasil, via de regra, distorcem a oferta de produtos. O modelo deve ser revisto, e que o preço de equilíbrio se estabeleça pela livre concorrência”, afirma a entidade por nota.

SUS pode ser opção de usuário

A gerente comercial Divina da Silva Oliveira Amaral, cliente da Matermed, já estava avisada sobre o fechamento da operadora. “Se for comparar com o SUS, não é um valor alto que pago”, afirma. A operadora de caixa Virgínia Candeia, concorda. “Entre Matermed e o SUS, a Matermed é melhor”.

“Acredito que 80% dos meus clientes não vão conseguir outro plano de saúde, pelo valor cobrado”, afirma o proprietário do plano José Leal Domingues Filho. “Já estamos vendo um aumento da utilização do SUS em função do fechamento de operadoras”, afirma o superintendente do IESS, Luiz Carneiro. “Em 2015, até setembro, os planos de saúde gastaram R$ 80 bilhões em despesas ambulatoriais. Isso desafoga o SUS”, afirma. 

Quantidade de empresas deve cair

A tendência do mercado de planos de saúde é diminuir o número de operadoras na avaliação do superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), Luiz Augusto Carneiro. “Deverá ocorrer uma consolidação do mercado e diminuir o número de empresas de porte menor. A operadora maior ganha na escala e nas despesas fixas”, explica.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) cita “um setor altamente desconcentrado, com cerca de mil operadoras de saúde em atividade”. A entidade ainda afirma, em nota, que “com o início da atuação da ANS no ano 2000, mais de mil operadoras fecharam ou foram adquiridas por outras empresas, processo de consolidação que aparentemente continuará nos próximos anos”.

Para Carneiro, a regulação é um entrave para as operadoras menores. “A regulação é boa para padronizar o atendimento. Mas regulação excessiva vira falha do governo”, diz. Ele também critica as constantes mudanças nas regras da ANS. “Todo dia tem uma norma nova. A complexidade para cumprir todas elas chega a inviabilizar”, opina. Por nota, a Abramge diz que “considera importante a consolidação dessas normas até mesmo como ferramenta para contenção da escalada de custos dos planos”. A falta de segurança jurídica, com o número de questões “judicializadas” no país, também é considerada por Carneiro um “dificultador” para os planos.