Panorama

Após ameaça em barragem, Macacos apresenta queda no turismo de até 95%

Restaurantes do distrito vivem hoje de almoço para moradores pagos com tíquetes da Vale

Seg, 24/06/19 - 03h00
90% da população ativa de Macacos vive da atividade turística segundo a prefeitura de Nova Lima | Foto: Alexandre Mota

O comércio de cada cidade afetada pelas barragens – com o rompimento ou com o risco iminente de acontecer – convive com impactos diferentes. Se, em Brumadinho, na região metropolitana, as doações da Vale aqueceram as vendas, os restaurantes do distrito de São Sebastião das Águas Claras (Macacos), em Nova Lima, na mesma região, sobrevivem de um voucher no valor de R$ 40 por dia, para almoço e jantar, distribuído pela mineradora aos cerca de 3.000 moradores da comunidade. “Estou sobrevivendo dos vouchers, porque turista não vem mais aqui”, conta Rolf Flister, 30, dono do Cabana Marcenaria Bristô. Ele abriu quatro meses antes da sirene, após um ano de reformas, e R$ 230 mil investidos. “Com o faturamento dos vouchers, eu pago as contas, mas a lucratividade ficou muito menor”, declara.

Em 16 de fevereiro, 21 dias após o rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, que vitimou ao menos 246 pessoas, a sirene de segurança da barragem B3/B4 da mina de Mar Azul, da Vale, que atingiria parte de Macacos em caso de rompimento, foi acionada. O risco está em nível 3, o mais alto, até o momento, segundo a Vale.

“Inicialmente, a queda foi 100%. Hoje, há de 90% a 95% de impacto no turismo”, afirma a Prefeitura de Nova Lima, onde o distrito está. Segundo a gestão municipal, 90% da população de Macacos “vive da receita turística”, declara.

Tradicional, o bar Digníssimo recebia cerca de mil turistas por fim de semana. No dia 14, uma sexta-feira, ele fechou às 18h. “Não saía daqui antes de meia-noite, numa sexta-feira”, conta a gerente do bar, Maria da Penha Melo, 43. O Digníssimo funcionava de quinta a domingo. Agora, abre todo dia para almoço e jantar de moradores que usam o voucher.

Um dono de pousada, que pediu para não ter no nome divulgado, afirmou que o problema foi na imagem do distrito. “A área que pode ser atingida é pequena. A barragem (B3/B4) é muito menor do que a de Brumadinho”, diz. A capacidade da B3/B4 é de 1,89 milhão de metros cúbicos de rejeitos. Na barragem de Brumadinho, eram 12,7 milhões. Segundo a prefeitura, 100% dos restaurantes formais de Macacos estão fora da Zona de Autossalvamento (ZAS). “Enquanto a Vale não garantir que a cidade está 100% segura, (os turistas) não vão voltar”, opina um morador de Macacos, que pediu anonimato. A Vale não especifica até quando os tíquetes serão distribuídos, mas “reitera o compromisso com a comunidade de Macacos até que a situação seja completamente normalizada”. Sobre obras, desde maio e até julho, a empresa fará sondagens para “definir a solução mais viável para as obras de contenção da Barragem B3/B4”. “Serão avaliados nove pontos para a instalação da estrutura de contenção, ao longo de 8 km a partir da barragem, incluindo a entrada de Macacos”, diz por nota.

Em Mariana, onde o comércio vive com os impactos do rompimento da barragem de Fundão há mais de três anos, o comércio ainda não se recuperou. “Estimamos que o comércio está 30% menor (do que antes do rompimento)”, afirma o gestor da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Mariana, Rubens de Souza Nunes. Ele avalia que, diante das medidas tomadas em outras cidades, o comércio de Mariana “foi esquecido”. Já a Renova informa que o Termo de Ajustamento de Conduta “não estabeleceu ações para amenizar os impactos econômicos da paralisação da Samarco”. O economista Adriano Miglio, do Corecon-MG, analisa que órgãos como o Ministério Público devem garantir a “equidade” de reparações. “É o Estado que tem a visão do todo, da situação de todos o municípios e deve garantir a equidade”, diz.

Produção de 220 a zero

Produtor da bala delícia Xuru, Carlos Alberto de Melo (Xuru é seu apelido), 48, ficou 62 dias com sua fábrica interditada. Ela estava na Zona de Autossalvamento (ZAS), onde a lama passaria em caso de rompimento da barragem B3/B4 da Vale. “Eu produzia até 220 potes de bala por dia. De repente, não podia fazer nada. Tive até que vender um carro para pagar as contas. Vai demorar um ano para recuperar”, diz. Carlos também está entre as 227 pessoas cujas casas estão na ZAS.

Saudade da agitação

As pousadas de Macacos, que não são beneficiadas pelos vouchers, sofrem sem turistas. “Meu faturamento era de até R$ 3.000 por mês. Agora, não vem ninguém há quatro meses”, conta Sebastião Gonçalves de Melo, 74, que tem uma pousada no distrito. “Ganhei uma ajuda de R$ 10 mil da Vale pelo Carnaval. Mas, depois, não teve mais nada. Minha melhor data era o Dia dos Namorados. Neste ano, a data passou como se não existisse. Sinto saudade dos meus hóspedes”, lamenta. Segundo a Vale, a doação ocorreu em função da proximidade do feriado à data do acionamento da sirene.

Prefeitos reivindicam isonomia

Quando a sirene tocou em fevereiro, anunciando o risco de rompimento da barragem Sul Superior da mina de Gongo Soco, da Vale, 450 moradores de Barão de Cocais, na região Central, foram desalojados. A Vale providenciou local (hotel ou casa), roupas, cesta básica e ajuda de custo. O prefeito da cidade, Décio Santos (PV), porém, requer um auxílio a todos. “Queremos ajuda emergencial aos moradores. Essa é a alternativa para salvar a economia. Eles fizeram isso em Brumadinho, e nós também precisamos”, afirma. Mais de 85 mil moradores de Brumadinho receberam o auxílio da Vale.

“O mesmo tratamento que é dado a Brumadinho tem que ser dado a Mariana. Aqui, os empresários que foram afetados diretamente (pelo rompimento) não receberam nada”, reclama o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PCdoB).

Duarte lembra que outras cidades recebem o repasse do Cfem integral. O prefeito de Nova Lima, Vítor Penido (DEM), diz que esse repasse precisa continuar. “Recebemos R$ 30 milhões, referentes a três meses de Cfem. Se o repasse parar, não vai ter dinheiro para saúde e educação”, afirma. Para o prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo (PV), a Vale se comprometeu a manter o pagamento do Cfem até dezembro de 2020, cerca de R$ 4 milhões por mês. “A Vale precisa continuar pagando mesmo depois do ano que vem, porque 80% da arrecadação dependem da mineração, e, sem ela, a cidade pode fechar”, concorda.

Para Duarte, o caminho é a diversificação econômica. “Estamos trazendo uma empresa do ramo têxtil para Mariana”, diz.

A Fundação Renova lançou um programa de Desenvolvimento e Diversificação Econômica. “Em março de 2018, lançamos o fundo Diversifica Mariana, com R$ 55 milhões, com o objetivo de subsidiar os juros de empréstimos feitos por empresas fora da cadeia da mineração”, explica o líder de economia e inovação Paulo Rocha, mas ainda não houve adesão.

Fábrica. Com um aporte de R$ 60 milhões do BDMG, a Multifiber está chegando a Mariana, segundo o prefeito Duarte Júnior. Serão gerados cem empregos inicialmente, podendo chegar a 400.

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