Mercado

Trabalho híbrido, e não remoto, é tendência nas empresas, com queda da Covid

Até gigantes da tecnologia, como Apple e Google, repovoaram os escritórios neste momento da pandemia

Seg, 16/05/22 - 06h00
Patrícia Chausson, 46, vai ao escritório apenas alguns dias por semana, e valoriza o trabalho em casa | Foto: O Tempo

A adoção do trabalho remoto nas empresas durante a pandemia de Covid-19 nunca foi obrigatória no Brasil. Agora que os casos da doença estão em queda no país, a adesão à modalidade torna-se ainda mais uma questão de escolha de cada companhia e, enquanto algumas obrigam o retorno integralmente presencial para todos os funcionários, outras adotam modelos híbridos ou até 100% remotos sem data para terminar. As mudanças agradam alguns funcionários, desagradam outros e se refletem nos prédios comerciais, muitos deles ainda com baixa ocupação em Belo Horizonte

Nem totalmente remoto, nem totalmente presencial. O trabalho híbrido, em setores em que seja possível, é a tendência mais forte deste momento, avalia o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) Fernando de Holanda, que pesquisou o trabalho remoto durante a pandemia. Cerca de 42% dos trabalhadores ouvidos em uma pesquisa do site de recrutamento Vagas.com declararam que preferem o modelo híbrido aos demais. 

A modalidade, pontua Holanda, permite que o funcionário vá ao escritório apenas alguns dias por semana e atende, por um lado, à pressão das empresas para reduzir custos e, por outro, à pressão dos trabalhadores para manter a comodidade do home office. 

“O trabalhador tem flexibilidade muito maior e acaba ‘ganhando mais’, dado o custo que tem para ir trabalhar. As empresas também têm redução de custos. O Brasil caminha muito para um ambiente híbrido, em que ainda há convívio entre funcionários, para que a cultura da empresa passe adiante”, diz. A gerente de marketing e comercial de uma empresa de tecnologia Patrícia Chausson, 46, por exemplo, vai ao escritório no máximo duas vezes por semana. “Produzo até mais em casa, mas tem dias em que quero ir ao escritório, porque sair de casa faz bem para a saúde mental. Eu toparia retornar ao presencial, porque, como colaboradora, e não dona, preciso seguir o critério que a empresa adotar. Mas, se eu puder optar, prefiro a forma como estou, híbrida”, conta.  

Mesmo serviços essenciais, como o cuidado de saúde domiciliar, adaptaram-se à pandemia e mantêm marcas dessa mudança. Na empresa Cuide-se Mais, que fornece serviços como fisioterapia e nutrição em casa, profissionais da saúde ganharam, com a pandemia, a possibilidade de dar orientações básicas aos pacientes e cuidadores de forma remota quando viajam a trabalho, e enfermeiras cumprem a parte administrativa do trabalho em casa. “Muitas têm crianças em casa e não têm com quem deixar. Agora, em vez de saírem do trabalho às 18h e ficarem uma hora no ônibus, saem às 18h e já estão em casa”, diz a diretora da empresa, Nívea Furtado. 

A empresa de suporte de TI para clínicas de imagem Expert, tomou um caminho oposto e, após quase dois anos de trabalho remoto, convocou todos os funcionários ao trabalho presencial diário novamente em 2022. O dono da empresa, Fuad Nacif, justifica que a falta de interação pessoal na equipe vinha prejudicando a qualidade das entregas. “A parte técnica, na teoria, funciona, mas a falta de interação entre uma equipe de suporte é muito ruim. Faltava aquela troca do dia a dia. Todo mundo quer ficar em casa e não gosta de voltar ao escritório, mas fomos uma empresa justa na pandemia”, pontua ele. Mesmo com o retorno, a empresa mantém um nível de flexibilidade que não tinha antes da pandemia e, na sexta (22) após o feriado de Tiradentes, permitiu o trabalho remoto para os funcionários. 

O economista Fernando de Holanda articula que a falta de interação é problemática especialmente para a integração de novos funcionários na equipe, mas pondera que formas de trabalho híbrido podem amenizar as dificuldades, já que os funcionários mantêm o contato presencial eventualmente. “No remoto, a pergunta é o que fazer quando se introduz um funcionário novo, o que acentua o desafio desse esquema de trabalho”, pontua. 

Desigualdade desvelada por trabalho remoto persiste

Embora quem viva em grandes centros urbanos do Sudeste, como Belo Horizonte, possa ter uma impressão contrária, o home office foi uma raridade no Brasil durante a pandemia. Em 2020, no primeiro ano da crise sanitária, somente cerca de 10% dos trabalhadores brasileiros trabalharam de casa, a maior parte deles moradores de áreas mais urbanizadas, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). A falta de estrutura em casa, como acesso estável à internet, é um dos empecilhos para a ampliação da modalidade. 

Além da desigualdade econômica, o fortalecimento de novas formas de trabalho exemplifica a desigualdade de poder entre patrão e funcionário, já que, na crise atual, os argumentos para o trabalhador negociar sua forma de trabalho diminuem. “O mercado, hoje, está melhor para a empresa do que para o funcionário. As empresas estão recontratando e pagando menos”, pontua o professor Fernando de Holanda, um dos autores da pesquisa. Ele não acredita que o fenômeno da “great resignation” — ou “grande pedido de demissão”, onda nos EUA neste momento — repita-se no Brasil no curto prazo.

No mercado de TI, com alta demanda por profissionais, o cenário muda de figura. A empresa BHS tem cerca de 250 funcionários e realizou pesquisas de opinião entre eles antes de decidir pela manutenção do trabalho remoto. “Metade dos funcionários respondeu que sairia da empresa se o trabalho fosse híbrido e 70% disseram que sairiam se fosse totalmente presencial. Ninguém preferia o presencial”, descreve a gerente de gestão de pessoas da BHS, Deise Souza.

Além da economia de 50% de aluguel e 90% de material de escritório, o CEO da startup do mercado financeiro U4crypto, Túlio Ianine diz que a qualidade de vida dos trabalhadores também pesou na decisão de manter o trabalho remoto. “Estamos em um ponto central da cidade, mas tem gente que mora em Nova Lima, Betim, Sabará. A pessoa gastaria quatro horas por dia no trânsito para trabalhar no escritório, isso não faz sentido”, pontua.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.