Caso Brumadinho

Vale propõe extinção de ações como premissa para fechar acordo

Mineradora quer que pedidos que tenham a ver com o objeto do acordo sejam eliminados

Sáb, 24/10/20 - 03h00
Na última quinta-feira (22), atingidos pelo rompimento ocuparam a entrada da sede da Vale, em Brumadinho | Foto: MAB/ Divulgação

Pelos cálculos do governo Estadual, a indenização da Vale pelas perdas provocadas após o rompimento da barragem em Brumadinho deveria ser de R$ 54,6 bilhões, sendo R$ 26,6 bilhões para reparação socioeconômica e R$ 28 bilhões de danos morais. As partes se reuniram na última quinta-feira (22), em audiência de conciliação, onde o valor nem chegou a ser mencionado. A  Vale tem até o dia 3 de novembro para apresentar uma contraproposta.

Entre as premissas apresentadas pela mineradora como condições para fechar o acordo, a empresa pede a extinção de ações que tratem de pontos que vierem a ser contemplados. “Os pedidos das ações serão extintos na medida em que correlacionados com os objetos do acordo”, diz a primeira das nove premissas descritas na ata da audiência, realizada no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Questionada sobre quais ações judiciais a Vale pretende extinguir com o acordo, a empresa respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que avaliou a audiência como positiva e “seguirá mantendo o diálogo construtivo com os representantes do Poder Público e instituições de Justiça para a construção das premissas de um acordo em benefício de toda a sociedade, em especial as populações de Brumadinho e dos municípios da calha do rio Paraopeba.”

O procurador geral de Justiça do MPMG, Antônio Sérgio Tonet, explica que o fechamento de um acordo com a Vale não substitui os processos criminais nem as indenizações individuais. “Independente desse acordo, as pessoas que se sentirem lesadas (pelo rompimento da barragem) podem buscar o Judiciário. E a ação criminal que o MPMG entrou contra aqueles considerados responsáveis continua”, diz Tonet.

Participação dos atingidos

Segundo a ata da audiência (do dia 22), a Vale concordou em permitir a participação organizada da população atingida na minuta do acordo. Por discordar com a ausência deles nas discussões, o Ministério Público Federal (MPF) não compareceu à mediação do dia 22. O MPF comunicou ainda que não tem conhecimento dos termos que estão sendo desenhados e ressaltou que, sem a presença dos atingidos, o acordo não deveria ser levado adiante.

A pressão não veio apenas do MPF. A semana foi marcada por vários protestos. “Se for levada a sério, a participação de pessoas atingidas no processo de reparação do desastre pode garantir a reparação integral. As instituições de Justiça e o governo aparentemente entenderam essa importância”, afirma o coordenador institucional da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) na região 2, Luiz Ribas.

"Confiamos que Defensoria Pública do Estado e Ministério Público do Estado de Minas Gerais estão sempre comprometidos com a participação dos atingidos. Os protestos e a postura do MPF também podem ter colaborado neste entendimento. Um acordo com as portas fechadas para a participação dificilmente será justo e efetivo, neste sentido", destaca Ribas.

A procuradora da República do MPF, Flávia Cristina Tôrres, que faz parte da força-tarefa do caso de Brumadinho, afirma que no início de 2020, antes ainda do início da pandemia, a ideia do Estado  para um possível futuro acordo com a Vale para a reparação e compensação dos danos foi apresentada ao MPF. "Na primeira oportunidade, o MPF solicitou que tal apresentação fosse feita com a presença de representantes dos atingidos, e manifestou-se no sentido de que eventual acordo precisaria contar com a participação efetiva deles, desde a sua construção até a futura execução. Depois disso o MPF não foi chamado a participar da construção de nenhuma minuta de acordo e não participou de nenhuma tratativa para discussão das premissas, desconhecendo os exatos termos do que está sendo proposto", afirma a procuradora. 

"O MPF também não foi informado das condições impostas pela Vale, mas entende que não há como as ações em curso serem extintas, pois há danos ambientais e sociais ainda a serem identificados e cuja reparação e compensação, portanto,  somente poderão ser definidas no futuro", avalia a procuradora Flávia.

Na audiência de quinta-feira (22), ficou definido que o Estado e as instituições da Justiça terão até o dia 16 de novembro para analisar a contraproposta da Vale. No dia 17, as partes se encontrarão novamente em outra audiência, para bater o martelo. Tanto mineradora como governo estão otimistas em relação ao fechamento do acordo.

Entrevista

Flávia Cristina Tôrres

Procuradora da República do MPF/ Força-Tarefa do caso Brumadinho

O governo do Estado, o MPMG, a Defensoria Pública, a AGE e a AGU estão costurando um acordo de indenização com a Vale. Qual é a importância da presença dos atingidos nas discussões? As pessoas atingidas devem ocupar a posição central no processo de reparação. Afinal, a vida, os direitos e os projetos dessas pessoas é que foram atingidos. Impedir a sua participação viola o devido processo legal, em sua dimensão coletiva, e é uma negativa de um direito fundamental. Devem ser assegurados os meios de participação qualificada, viabilizando que expressem suas opiniões e anseios.


Na sua avaliação sobre os processos de reparação, os atingidos tiveram mais conquistas ou pendências até agora? Houve inúmeros avanços desde o acordo firmado pelo conjunto das Instituições de Justiça na audiência realizada no dia 20 de fevereiro de 2019, na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, que assegurou pagamento mensal emergencial às pessoas atingidas e reconheceu o direito a assessorias técnicas independentes de sua livre escolha. Porém, o acordo que foi objeto da audiência judicial (22), segundo os termos que vêm sendo divulgados, constitui um grave retrocesso, pois contém inconsistências graves em suas próprias bases, deixando em segundo plano as pessoas atingidas e implicando inclusive a parcial extinção das ações em curso na Justiça. 

O acordo pode trazer algum prejuízo em relação às indenizações individuais? Não são de nosso conhecimento os exatos termos da proposta de acordo que vem sendo discutida com a Vale. Mas, pelo que constou da ata da audiência (realizada no dia 22), “o teto do acordo não contemplará as indenizações individuais”, ou seja, o acordo não englobaria e não prejudicaria as reparações e indenizações individuais.   

Conheça as 9 premissas em negociação

1.Os pedidos das ações serão extintos ou prejudicados na medida em que correlacionados com o objeto do acordo

2.Definição de terminologias de acordo com a legislação e a doutrina ambiental 

3. Atingidos podem participar, de forma organizada, na minuta a ser apresentada

4. Serão ratificados integralmente os acordos previamente celebrados, incluindo o termo de compromisso entre a Vale e a Defensoria Pública

5. O teto do acordo não contemplará indenizações individuais e medidas de reparação ambiental integral

6. Pagamentos serão quitados imediatamente após o cumprimento da obrigação

7. Auditorias e consultorias terão papel consultivo

8.O acordo não versará de antecipação de responsabilidade penal ou administrativa 

9.A Vale apresentará a contraproposta, com o valor do acordo, até 3 de novembro

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