Entrevista

André Matos tocará "Holy Land" e outros clássicos neste domingo

Vocalista também falou a respeito do aniversário de 30 anos de seu primeiro registro oficial e outros assuntos

Sáb, 16/12/17 - 07h30
André Matos promete um show de mais de duas horas neste domingo, no Granfinos, no bairro Santa Efigênia | Foto: Gui Moraes/Divulgação

André Matos tinha 13 anos quando recebeu um convite para ingressar a banda Viper e 15 no lançamento do primeiro registro do grupo de metal paulista, em 1987. Eram os primeiros passos de um jovem promissor que, ao longo do tempo, tornou-se referência dentro do estilo no Brasil e em vários outros países, ajudou a forjar grandes obras com Angra e Shaman, lançou-se em carreira solo, é constantemente chamado para diversos projetos de rock e fez participações em concertos de orquestras.

Três décadas se passaram desde sua estreia oficial no heavy metal, e André Matos continua na ativa, em busca de novos desafios e esbanjando sua versatilidade. Em entrevista ao Magazine, o cantor – que também mostra aptidões, principalmente, no piano e nos teclados – enfatizou essa marca histórica, falou a respeito de várias fases de sua trajetória e revelou alguns dos detalhes do show que fará neste domingo - em que tocará "Holy Land", do Angra, na íntegra -, no Granfinos, com abertura do Soulspell e do Dynasty, às 18h. Confira abaixo.

Em 2017, completam-se 30 anos desde sua primeira gravação em um disco, que foi com “Soldiers of Sunrise” (sem contar a demo de 1985). O que isso significa para você, tanto a marca, quanto sua história dentro da música?

Significa uma porção de coisas. Primeiramente, que o tempo passa sem que nos demos conta e o que era um sonho virou profissão. Em segundo lugar, a nostalgia daqueles tempos em que tudo era mais difícil, mas também mais humano. Não se falava de marketing; a música importava mais. Não há como negar que nos sentíamos privilegiados em gravar profissionalmente, num estúdio real. Eu tinha apenas 15 anos. Tudo era fantástico e novo. Ali foi lançada a pedra fundamental da carreira de muitos e, quiçá, de muitos que vieram depois. Não me aproprio deste marco individualmente, pois foi algo totalmente coletivo. Guardo, porém, essas lembranças com carinho. Através de uma série de coincidências, estava no lugar certo e na hora certa, a fim de fazer a coisa certa. Para um garoto, foi um feito bastante precoce, e não poderia imaginar o que viria mais tarde. Apenas recordo a emoção de receber uma cópia do disco (em vinil) e, ao abrí-lo, dar-me conta de que naquelas faixas eu também estava, minha voz foi "eternizada" ali. Dessa emoção não esquecerei jamais.

Quais as maiores lembranças daquela época?

Uma certa dificuldade em "nadar contra a maré" naquele período de fim de ditadura, com o país fechado, em que quase não entrava informação; o que dirá, instrumentos de qualidade? Lembremos que não havia internet e celular, e as notícias demoravam para serem ventiladas, ou pela imprensa oficial, ou por meios mais underground, como os fanzines, que circulavam de mão em mão e que foram de extrema importância para o crescimento dessa cena. Talvez por isso o primeiro Rock in Rio tenha sido algo inimaginável. Tive a honra de comparecer ao primeiro dia e aquilo mudou para sempre minha visão. Era aquilo que eu pretendia... Mas, a volta à realidade era dura, e havia muitos empecilhos, que ainda viriam a atrasar consideravelmente a nossa caminhada. De qualquer forma, hoje vejo tudo isso com um certo romantismo. Quem viveu aquela época, ainda que árdua para o nosso tipo de música, sabe o que foi e dificilmente não se emociona ao relembrar o esforço, os improvisos, a obsessão e a paixão de todo mundo que ali estava.   

Na época do “Soldiers”, você tinha 15, 16 anos... como era fazer parte de uma banda naquela idade e o que você mais ensinou à cena metal àquela época, apesar da idade?

Talvez o único ensinamento tenha sido o de que jovens como nós não necessariamente deveriam crescer alienados e que havia outras escolhas. E estas eram muitas. Fazer parte de uma banda, então, não era normal como hoje. Digamos que provavelmente trocamos o esporte pela música. Porém, praticamos muito esporte ao carregar caixas de som e instrumentos nas costas, pegávamos linhas de ônibus intermináveis para tocar em qualquer lugar, fazíamos a própria divulgação percorrendo a cidade a pé... Tudo isso faz parte dessa história que nos orgulha. Pois mesmo para os “moleques” do Viper, em 85, 87 ou 89, não havia moleza. E não havia para nenhuma banda daquela época. Aprendemos muito com o pessoal mais velho que já fazia um som, e éramos fãs deles. Valorizávamos o que era feito aqui tanto quanto o que vinha de fora, quando vinha.

O próximo passo dado, após o Viper, foi o Angra. E aí foram mais clássicos e clássicos, em uma década em que você se tornou ícone do estilo no mundo todo. Como foi essa mudança de plataforma para você como músico, não em termos de banda em si, mas em termos individuais?

Justamente aí foi o momento da profissionalização. Esqueça tudo o que citei anteriormente. Com o Angra, as dificuldades eram de outro nível. Foram muito duras também. Mas já tínhamos dado um grande passo, estávamos no início dos 90, e o mundo mudava aceleradamente. Ainda não tinha ideia do que poderia ser capaz de fazer. Apenas sabia que poderia usar algo de meu conhecimento adquirido na faculdade de música clássica, que eu ainda cursava, no som dessa nova banda. E assim foi. Primeiro disco gravado na Alemanha com alguns dos melhores produtores da época. Pessoalmente não foi fácil; foi uma espécie de exílio forçado. Profissionalmente, no entanto, conheci o que era "fazer direito". E percebi que não haveria chance se não nos dedicássemos e disciplinássemos ao máximo. Isso acabou por nos render um disco de ouro (cem mil cópias) no Japão e o início das turnês pelo mundo. A partir daí, não tínhamos mais tempo. A carreira decolou como um foguete e passamos a nos dedicar somente à banda. Por sorte, o fim do último ano de faculdade coincidiu com o primeiro ano de trabalho intenso na estrada, e pude me formar a tempo. Com o Angra, foi-se um pouco daquela visão romântica do Viper. Tínhamos responsabilidades que envolviam custos altos e devíamos corresponder às expectativas. Ali, percebi que música também era uma atividade comercial. Por outro lado, nunca havia tocado para tantas pessoas, nunca havia composto tantas canções e feito tantos arranjos, nunca havia viajado tanto. E foi assim durante os nove anos em que estive com o Angra, desde a sua formação até a virada do século: um crescente constante que teve de parar em um certo momento, em função do grande esgotamento e do desgaste que afetou não apenas a mim, mas ao grupo todo. No fim, a banda estava mais à mercê dos empresários e das gravadoras e vinha se afastando mais e mais do lado musical e criativo. Na minha opinião, tudo o que havia sido feito primorosamente até então não poderia vir a ser manchado por um esquema de produção comercial que basicamente nos obrigava a copiar uma mesma fórmula de sucesso. Essa pressão era grande. Ao mesmo tempo, perdia-se a confiança entre nós, por motivos diversos. Isso seria um suicídio musical se tivéssemos continuado juntos apenas encarando como "trabalho". Nem nós, nem o público e nem as músicas que fizemos mereciam que continuasse assim. o Angra foi único naquela época. Conseguimos criar algo extraordinário e genuíno, algo que não se poderia entregar por nada no mundo.

No Shaman, o que você acredita ter sido mais positivo em sua carreira?

Provavelmente a ideia de "fazer com as próprias mãos". De certa forma, tínhamos mais liberdade criativa. Decidimos não trilhar exatamente o mesmo caminho musical do Angra; não queríamos nos repetir. E viemos com um conceito quase completamente novo. Atmosférico e vigoroso ao mesmo tempo. Ali começamos a coproduzir os trabalhos e a participar ainda mais do processo de elaboração e finalização. Conseguimos diversificar e, mais uma vez, inovar. Éramos de certa maneira nossos próprios empresários, ainda que houvesse outras pessoas cuidando dos shows etc. Já nos sentíamos maduros para ler e redigir contratos, decidir os rumos futuros, organizar nossas vidas e carreiras. O Shaman começou imbuído dessa ideologia, em que todos participavam e opinavam por igual e tinham os mesmos direitos. Infelizmente, aconteceu um grande entrave nesse sentido, que nos pegou de surpresa e que decretou basicamente o fim da banda. Foi decepcionante, depois de toda a dedicação que tivemos para construí-la. Valeu, no entanto, pelos bons momentos. Não houvesse acontecido a separação, talvez estivéssemos juntos até hoje. Era a banda na qual queríamos desenvolver nossas carreiras definitivamente, e temos muito orgulho do que conseguimos desenvolver naquele momento. 

“Fairy Tale” (do Shaman) fez parte da trilha da novela “O Beijo do Vampiro”. O quão importante foi isso para você como artista, para a banda em si e também para o metal, uma vez que foi uma música de muito sucesso e que até mesmo a Globo se rendeu a ela?

O que importa nesse caso é que a música é boa. E que os "grandes meios" acabaram cedendo a essa qualidade. Isso abriu portas para muita gente e acabou por desmistificar um pouco a imagem distorcida que se fazia acerca desse nosso estilo. Ele também podia ser melódico, sinfônico e sutil, ainda que fosse pesado e denso. Acho que é justamente nessa mistura que mora o fator essencial que me move desde menino: não há outro estilo musical, além da música clássica, que permita todas essas nuances. Por isso é especial. Confesso que fiquei apreensivo com a história da novela: não queria que estereotipassem ou banalizassem a nossa proposta. Depois que foi ao ar, foi um grande alívio. Conseguiram encaixar a faixa nos momentos certos e acabou funcionando muito bem. Curtimos os nossos 15 minutos de Globo. Sabíamos que aquilo ia passar e que voltaríamos ao nosso público fiel. Não foi nada que tenha nos iludido nem prejudicado. Ajudou, em parte, a fazer do Shaman a primeira banda brasileira de metal a figurar nas TVs e nas rádios de igual para igual com os artistas de outros estilos mais populares.

Em Avantasia (ópera-metal), Tobias Sammet (idealizador do projeto) juntou várias personalidades do rock e do metal. O que você mais se recorda dos primeiros álbuns do projeto, "Metal Opera I" e "II"?

Da gravação, quase nada. Estava gravando outro trabalho na Alemanha, creio que era com o Virgo, com Sascha Paeth. E chegou pelo correio um CD-rom com trechos mínimos de músicas e as letras. Colocamos tudo na sequência e gravamos. Improvisei um pouco aqui e ali. E não tinha a menor ideia da temática, nem do tamanho das faixas, dos duetos que rolaram depois, mixagem... Foi uma surpresa total. E, quando peguei a coisa terminada nas mãos pela primeira vez, só pude pensar que aquele era o melhor trabalho de metal que eu ouvia em anos. O Tobias Sammet me convidou um ou dois anos antes, quando fizemos uma turnê juntos. Ele era então um garoto iniciante, mas persistente! Naquele primeiro momento, achei meio delírio da parte dele querer juntar toda essa turma numa ópera metal! Bem, ele me provou completamente o contrário e tive de dar o braço a torcer: era uma obra prima. Anos depois, quando foi montada a primeira tour mundial do Avantasia, fui convidado a fazer parte. Foi uma das maiores e mais divertidas de que já participei e que, literalmente, deu a volta completa no globo.

Você já se apresentou ao lado de orquestras. Como é a experiência?

É indescritível. Como faz parte da minha formação original, tenho muito respeito e admiração pelo formato, e a possibilidade de ter sido escolhido para solar diversas vezes com orquestra me proporcionou alguns dos momentos mais intensos da carreira. Não há som que se compare. Sou muito grato a todos os convites, inclusive às homenagens de arranjos que foram feitos com composições de minha autoria e executados ao vivo. Espero ter retribuído a toda essa gente pela consideração. E certa maneira, creio que sim (que retribuiu), pois uma boa parte de meu público habitual se interessou pelos concertos, e o resultado é que todos, sem exceção, foram com lotação máxima. Ao meu público também fico satisfeito de poder oferecer este outro lado do trabalho. Alguns nunca haviam estado em um concerto sinfônico ao vivo e saíram de lá entusiasmados. Concordo que não é para menos. Para mim, difícil é manter a concentração quando piso o palco junto a uma sinfônica. É uma confusão de emoções e sensações. Mas no final, tudo sai bem.

O que podemos esperar do André para os próximos anos?

A mesma postura de sempre. Àqueles e àquelas que confiaram em meu trabalho durante anos, que possam seguir confiando. Sempre tentarei inovar e manterei a identidade também. Não posso prever para que lado o vento soprará, pois o instinto é decisivo. Sempre deixarei rolar o que tiver de ser, sem a preocupação de agradar. Fiz isso durante toda a carreira e quase nunca se provou errado. Não me importa mais atingir 50, 5 mil ou 5 milhões de fãs. Importa fazer a diferença na vida de cada um com minha música.   

Com que palavra você resumiria o André Matos no alto de seus 46 anos, após tantos episódios na carreira. E por quê?

Precoce. A explicação é óbvia. Nunca imaginei chegar até aqui fazendo o que faço, e por isso mesmo devo me considerar um privilegiado. Sem dúvida lutei muito por isso. Mas apenas a luta não seria garantia de longevidade. Acho que, daquilo que idealizei quando era um principiante, ao menos uma coisa já se concretizou: conseguir deixar uma marca para a posteridade. O resto, de agora em diante, é saber elaborar melhor e fazer sem tanta pressa. Uma carreira longa também proporciona escolhas mais sábias.

Existe algum artista com que você gostaria de trabalhar e que ainda não chegou a forjar uma parceria? Ou um estilo de música que ainda deseja explorar?

Há muitos e muitos anos, ainda quando estava com o Angra, fiz uma entrevista para a mídia mineira acerca do primeiro show que faria em Belo Horizonte. Foi quando citei que estava orgulhoso de poder tocar na cidade de um de meus maiores ídolos: Marcus Viana. Essa entrevista acabou sendo lida pelo mesmo, que veio ao show conferir e pediu para me encontrar ao final. Eu quase não acreditava! Disso nasceu uma amizade de vida, já participamos de diversos eventos, shows, gravações um do outro. E, mesmo amigo, ainda continuo sendo o mesmo fã! Acho que ainda temos coisas pra fazer; me identifico muito com a música dele. Outro músico com quem venho tendo uma parceria constante é o tecladista e compositor Corciolli. Ou seja, procuro sempre músicos e estilos que fogem um pouco ao meu habitual, mas que tenho certeza de que a colaboração será única. Não descartando, claro, os projetos sinfônicos, que são a cereja do bolo.

E o que o fã mineiro pode esperar da apresentação deste domingo, com o Soulspell?

Vou acompanhado de minha banda solo; músicos excepcionais que conseguem executar à perfeição qualquer fase de minha carreira. Também já tenho três discos solo gravados com essa banda. Neste show apresentaremos ainda o repertório do álbum "Holy Land" (do Angra) na íntegra. Talvez, pela última vez. Fora isso, outras faixas que marcaram a carreira. Será um show de no mínimo duas horas. Quanto ao Soulspell, participei intensamente de seu último álbum; são todos muito talentosos e creio que sua hora chegará muito em breve. Espero que os mineiros aproveitem bastante essa apresentação dupla! Estamos ansiosos por voltar a BH! Até domingo.

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