Diagnosticado com um câncer de pulmão, o diretor de teatro Antunes Filho, reconhecido como um dos mais importantes do país, morreu na última quinta-feira (2), em São Paulo, aos 89 anos, após internação que durou uma semana no Hospital Sírio-Libanês. Ele foi velado na manhã desta sexta-feira (3) no Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, na região central da capital paulista, e, depois das 15h, seu corpo foi levado para o crematório da Vila Alpina.

Durante o velório, diversos artistas compareceram para manifestar adeus a Antunes, entre eles Giulia Gam e Cacá Carvalho, que foram alunos do diretor. Experiência semelhante teve a atriz Juliana Galdino, que está em cartaz na capital mineira com a tragédia “Fedra”. Para ela, um dos maiores legados do seu mestre é o cuidado que ele defendia com a formação artística dos atores. 

“Ele tinha uma obstinação em puxar das pessoas uma excelência, que, na minha opinião, é justamente a envergadura que a vida exige de nós. Podemos muitas vezes nos perder pelo caminho, chafurdando em coisas insignificantes e banais, e o Antunes sempre, para onde quer que apontasse o olhar e seu coração, transformava tudo em poesia. Ele tinha consciência plena de que cada segundo de imagem e que cada ser humano eram milagres na face da terra”, sublinha Juliana.

A postura sempre exigente consigo mesmo e com as pessoas com quem trabalhava trouxe para Antunes a fama de autoritário e carrasco, mas a atriz rebate essas críticas e diz que ele nunca foi “leviano nem vil”. “Ele nunca foi vulgar com nenhuma pessoa e sempre buscou, ao máximo, extrair o melhor de cada uma das pessoas que passaram por ele, sempre com o pensamento e a sensação de que todos os encontros são milagrosos, e oportunidades únicas”, acrescenta a atriz. 

Testemunha de um desses momentos foi também a atriz e pesquisadora mineira Luciana Brandão, que esteve com Antunes no dia 28 de março, realizando com ele uma entrevista que agora tornou-se a última feita com ele. Luciana relata que uma das falas mais pertinentes de Antunes, a seu ver, relaciona-se à maneira como o diretor compreendia a relação com o ator.

“Ele disse que um desafio era oferecer a inserção de uma luz, um objeto ou qualquer interferência na cena de forma que o ator entendesse aquilo como um presente, e não como algo que o pudesse deixá-lo desesperado. Ele via essa troca como uma espécie de oportunidade, que poderia instigar o ator a pensar em como ele poderia incorporar aquilo no seu trabalho. E, como atriz, eu acho que eu vou lembrar disso para sempre”, ressalta Luciana. 

Permanência

Criador do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), atualmente localizado no Sesc Consolação (SP), Antunes, em razão disso, para o diretor mineiro Marcelo Bones, permanecerá como referência na valorização da pesquisa teatral. 

“Ele deixa um legado muito importante na junção de formação e criação ao mesmo tempo. O CPT tem um papel fundamental em relação à formação do ator e dos técnicos envolvidos em artes cênicas e cinematográficas. O aprendizado era, sobretudo, prático, algo feito meio que artesanalmente, no dia a dia”, pontua Marcelo, que situa o diretor de “Macunaíma” (1978) ao lado de outros grandes nomes, a exemplo de Augusto Boal (1931-2009), José Celso Martinez Corrêa e João das Neves (1934-2018). 

“Ele faz parte de toda essa geração de grandes diretores que investiram na criação e na pesquisa teatral, proporcionando grandes saltos no teatro brasileiro”, completa Marcelo. 

O também diretor Eid Ribeiro, por sua vez, diz que as montagens de Antunes baseadas nas obras de Mário de Andrade (“Macunaíma”) e Nelson Rodrigues representaram verdadeiras quebras de paradigma no Brasil. “Eu acho que ‘Macunaíma’ realmente abriu possibilidades nas artes cênicas, esteticamente falando, além de trazer a questão da brasilidade. Da mesma forma eu entendo ‘Paraíso Zona Norte” (1980), trabalho criado a partir de textos de Nelson Rodrigues. Antunes é uma peça fundamental do teatro brasileiro”, finaliza Eid.