20 de novembro

Dia da Consciência Negra: resistência diária e afetiva

O Magazine destaca iniciativas que acontecem ao longo do ano na capital e têm o propósito de ressignificar e celebrar o ser negro

Por Graziele Martins
Publicado em 20 de novembro de 2019 | 03:00
 
 
Fatini Forbeck, 28: outra das sócias do projeto Samba das Pretas Fred Magno

"Foi no dia a dia que eu aprendi a trabalhar a minha negritude, e assim foi passado para os meus filhos”, diz Maria da Consolação Martins Saraiva, 54, mãe de dois jovens negros e professora aposentada, que criou os filhos com um misto de afeto e resistência. “Consola”, como gosta de ser chamada, é mãe de Luísa Helena, estudante de Direito, 21, e de João Víctor, 24, assessor técnico de projetos especiais na Secretaria de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, ambos envolvidos em iniciativas diárias que promovem o pensamento e o debate sobre o que é ser negro em Belo Horizonte.

No Dia Nacional da Consciência Negra, data que faz referência à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, que se tornou símbolo de luta e resistência dos negros escravizados no Brasil, é necessário ressaltar a importância histórica desta data, mas não se limitar a ela. “Isso é um momento que a gente guarda, mas é importante se discutir de maneira diária, contínua, já que é uma preocupação constante e que tem impacto todos os dias na população negra”, afirma João Víctor.

A partir da indignação causada pela morte de Marielle Franco, no ano passado, Luísa (uma das poucas alunas negras no curso de uma faculdade particular de Direito) começou a pensar na possibilidade de criar algum movimento que ressignificasse o papel do negro na sociedade por meio do afeto. Em novembro de 2018, nascia o coletivo Flor dos Palmares, um espaço afroafetivo. “Flor é a partir da semente de Marielle; se ela foi semente, nós somos flores”, destaca Luísa.

Formado por cinco jovens negras, o coletivo é pautado pela resistência afetiva, priorizando a saúde mental de seus participantes (em sua maioria, homens e mulheres negros), o amor-próprio e a negritude. O coletivo promove rodas de conversas mensais abertas à população, não somente negra, e publicações semanais de textos no perfil do Instagram, com temas variados do universo negro.

Todo dia é Dia da Consciência Negra

O Flor é dividido em alguns grupos, como o projeto Florescer, que consiste em rodas voltadas somente para mulheres negras, e o Raízes, voltado para o resgate da ancestralidade.

Luísa Helena complementa dizendo da importância de se refletir sobre a negritude o ano inteiro. “O Flor dos Palmares está aí para mostrar que somos pretos o ano todo, desde o dia 1° de janeiro até 31 de dezembro. Porque nós existimos e morremos todos os dias do ano”, defende.

Outra iniciativa que debate o ser negro, mas com o foco em homens negros, é o Masculinidades Negras, do qual João Víctor faz parte. O projeto é comandado por Everton Black e Paulo Miranda. 

Miranda – projetista industrial, palestrante e estudioso sobre masculinidade – conta que o coletivo nasceu da necessidade de debater pautas que envolvem o universo do homem negro. As conversas acontecem a cada 15 dias, com temáticas predefinidas pelo grupo em uma reunião.

“Um homem preto, ao chegar ao grupo pela primeira vez, descobre que existe afeto entre homens pretos, e isso, por si só, é revolucionário”, afirma Miranda. Ele também aponta sobre a importância do dia de hoje, mas de ir além da data: “Falar de questões de negritude diariamente é necessário para que não sejamos lidos como personagens de folclore do qual só se lembra em datas específicas. A nossa humanidade tem de ser reconhecida”.

De preto para preto

Outra iniciativa potente na cidade é o Segunda Preta, movimento teatral que acontece sempre às segundas, em temporadas, no Teatro Espanca, no centro da capital. Dentro da iniciativa, são propostas peças teatrais feitas por artistas negros que buscam diálogos sobre questões raciais, além de cenas, espetáculos e performances.

Com foco no protagonismo da mulher negra, desde à portaria do evento, passando pelo balcão de atendimento, até chegar ao palco com as cantoras da roda, o Samba das Pretas BH se reafirma como um novo espaço de celebração para a comunidade negra – principalmente as mulheres.

Uma vez por mês, a roda de samba é realizada no bar Deu Brasa Espeteria, localizado no bairro Penha. Fatini Forbeck, 28, assistente social e uma das produtoras do samba, acredita que o espaço não é somente uma simples festa.

“O Samba das Pretas é mais que um evento, é um espaço de afetividade, de cura, de reconhecimento. O lugar onde a gente vê o nosso poder: seja econômico, cultural, educacional, ancestral, espiritual”, explica. A proposta do samba é, a cada edição, dar mais visibilidade para cantoras negras da capital – que, segundo Fatini, eram minoria nas rodas espalhadas pela cidade. O ponto alto do encontro é a apresentação de Adriana Araújo, cantora do grupo Simplicidade Samba e madrinha do projeto.