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Grupo Maria Cutia dá início nesta segunda-feira à Mostra Excêntrica

Festival online da companhia mineira traz cenas inéditas concebidas para o digital por palhaços convidados e estudantes de palhaçaria

Seg, 10/05/21 - 08h10
Rodrigo Robleño: O palhaço Viralata, quase que sem nada melhor para fazer, resolve investigar qual é o objeto mais importante de sua casa… | Foto: Carla Mesquita/Divulgação

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O grupo Maria Cutia dá iníco hoje à primeira edição da Mostra Excêntrica, iniciativa que tem como tônica a arte da palhaçaria, que é também uma linha de pesquisa investigada pelos integrantes da trupe há tempos. O festival segue até o dia 27 deste mês, com oficinas, apresentações e uma atração especial, o “Fim de papo” - uma conversa entre palhaços e público, que vai dar o fecho à programação. As obras serão disponibilizadas sempre às segundas e quintas-feiras, pelo Instagram @GrupoMariaCutiadeTeatro e pelo Youtube @GrupoMariaCutia

Ator e co-fundador da trupe, Leonardo Rocha conta que realizar um festival de palhaços era um desejo antigo do Maria Cutia. "Já há alguns anos que a gente pensava em fazer - no caso, obviamente, presencial. Mas, por conta da pandemia, vamos fazer agora de forma remota, pelas redes sociais", diz, acrescentando que há muitos anos a palhaçaria vem sendo um dos principais pilares do trabalho do grupo. "Em certa medida, a gente usou essa linguagem em todos os nossos espetáculos, às vezes de uma forma mais explícita, até mesmo com o nariz de palhaço, às vezes mais como um recurso cênico, jogo, técnica". Sobre a palavra "excentricidade" do título da mostra carega, Rocha diz vir do fato de o palhaço ser, por natureza, um grande excêntrico. "É uma figura muito fora da curva, vamos dizer assim, que tem um comportamento imprevisível, improvável. Essa excentricidade se apresenta como uma coisa diferente, e tudo o que tem uma estranheza, a gente, do grupo, gosta - ou pelo menos se interessa por aquilo", pontua. 

Leonardo, aliás, enfatiza a constatação de que, ao fim, todos nós temos as nossas idiossincracias, particularidades, que às vezes podem soar excêntricas para o outro. "Na mostra, a ideia nunca foi tratar o tema do isolamento social ou da pandemia, mas (colocando em relevo o fato de que) estando em casa, a verdade é que todos nós temos as nossas excentricidades. Às vezes, a gente não se enxerga assim , mas, vamos dizer, se outra pessoa  pudesse entrar na nossa casa e observar a forma como, digamos, a gente coloca o chinelo quando vai dormir, sempre no mesmo lugar, ou o modo como organiza o controle remoto para colocar do lado da TV, ou mesmo a forma como cozinha.. Enfim, hábitos muito particulares que, aos olhos dos outros, podem soar excêntricos. Aqui, a ideia também é muito refletir - ou colocar uma lupa clownesca, o olhar do palhaço - sobre estas 'excentricidades' cotidianas".

Durante a Mostra Excêntrica, o público terá acesso inicialmente ao "Minuto Excêntrico" - que são cenas experimentais, com um minuto de duração, feitas por alunos dos cursos online de palhaçaria do Maria Cutia. Todas serão exibidas pontualmente às 18h21, no Instagram. São frutos das aulas e treinamentos artísticos que o Maria Cutia ofereceu para iniciantes e palhaços com formação desde o início da pandemia. O "Minuto" que abre nesta segunda-feira a grade é “The Chock”, cena da Palhaça Brechô (Camila Freire). Já na quinta, segundo dia de atividades, tem “Enganei uma boba na casca do ovo”, da Palhaça Generosa (Dôte Furtado). 
A programação segue na outra segunda (17), com a Palhaça Neve (Renata Safe), com sequência na quinta-feira (20), com o Palhaço Bertulino (Leonardo Alcântara), e, no dia 24 (segunda-feira),  “O Natal Solitário de Catatau”, do Palhaço Catatau (Paulo Rezende).

No mesmo período – portanto, desta segunda ao dia 24 -, porém no minuto seguinte - às 18h22 -, palhaças e palhaços convidados, vindos de Minas e São Paulo, apresentam o Cenas em Casa,  no YouTube (youtube.com/grupomariacutia). São obras inéditas (entre 5 e 10 minutos), concebidas especialmente para a mostra por artistas como Rodrigo Robleño e Thainá Rodrigues, e que utilizam a casa como ponto de partida. 

O trabalho que puxa a fila, nesta segunda, é “Temperatura Máxima”, do Palhaço Toninho Caetano (Kauê Rocha). “Telemarquetim Caseiro”, da Palhaça Ricota (Thainá Rodrigues), será a atração da quinta-feira (13). Depois, na segunda (17), tem “Plano Baixo”, da Palhaça Julieta (Julia Mendes).  Na quinta seguinte (20), “Estopim da Terra”, da Palhaça Estopim (Malu Grossi Maia). E por fim, "Um Palhaço Objetivo”, do Palhaço Viralata (Rodrigo Robleño), no dia 24 (segunda-feira).

A Mostra Excêntrica será encerrada no dia 27, quando o Maria Cutia e artistas convidados se reúnem para uma conversa (que eles afirmam que será "descontraída") e um brinde entre palhaços, ao vivo, pelo Youtube da companhia (@GrupoMariaCutia), às 18h22. Em tempo: o projeto foi viabilizado graças a recursos da Lei Aldir Blanc .

Confira, a seguir, mais da entrevista

Como veio a ideia da mostra online? O que acontece é que a gente, da cultura, também teve que se adaptar (à pandemia), sobretudo no teatro, que é uma arte essencialmente presencial. E a verdade é que não temos ainda uma dimensão de quando a gente vai poder voltar a se apresentar presencialmente. Assim, o ambiente virtual é o que nos resta neste momento, então é uma forma também de a gente se reinventar. 

Como foi o processo de construção das cenas que compõem o "Minuto Excêntrico"?
A gente deu muita liberdade dramatúrgica para os palhaços. Claro, demos uma orientação dramatúrgica, uma orientação de câmera, de enquadramento, a trilha sonora também foi composta exclusivamente para as cenas... Aliás, é um material 100% original. Se fossem espetáculos feitos presencialmente, em palco ou rua, provavelmente seriam cenas completamente diferentes, apesar de os mesmos temas serem os mesmos, a dramaturgia, a mesma. Um direcionamento que foi muito forte para os artistas foi o de não ignorar a presença da câmera. 

Explique mais... A gente está num híbrido de passar entre auvidisual e o teatro, eu diria até que é um audiovisual teatral, ou um teatro audiovisual, não acho que seja teatro filmado, não é esse o caminho, porque se torna uma coisa muito estranha e muito maçante para quem está assistindo, uma camera parada, só fazendo ali na frente. Com dois minutos, a pessoa se desinteressa. E ao mesmo tempo não é cinema, porque esta é uma arte muito específica, que requer um cuidado muito delicado com a imagem. É mesmo um híbrido dos dois. Sobretudo na forma de interpretar. Você vai fazer para a câmara, não pode ignorá-la, pois, em teoria, ela seria o público, olhar no olho da lente é olhar no olho do público, nesse caso agora. Então, esse processo criativo de construção, nesta época de pandemia, foi também uma forma de a gente se reinventar na linguagem ou na abordagem do público.

Na semana passada, tivemos a comoção da morte do ator Paulo Gustavo, de Covid-19. Muitos pontuaram o quão emblemática era essa perda, por se tratar de uma pessoa que sempre levou a alegria ao público. O humor é importante mesmo em períodos tão duros, como o que estamos vivendo? 
O humor é importante em todos os momentos da nossa vida, e neste momento pandêmico, ele se torna mais prepoderante, visceral e vital. Essa notícia da morte do Paulo Gustavo é muito simbóica. Claro que ele não é mais que os outros 420 mil mortos, mas simbolicamente ele representa muita coisa, sobretudo isso do humor. Era uma figura que representava esse novo humor do Brasil, e com um posicionamento claro de levar a sua orientação sexual para a própria da casa das pessoas de uma maneira que todos amavam. Assim, neste momento que a gente vive hoje, tão retrógrado, com uma tendência à agressividade gratuita muito forte... No caso da pandemia, a gente está muito ensimesmado. Estamos todos dentro de casa, e é um isolamento social muito complicado, porque a gente também não sabe quando vai sair dele, por uma inoperância, displicência do governo. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem que pensar que se ficar só nisso, vai se adoentar, no caso, não diretamente pelo vírus, mas pelo que ele pode causar como efeito colateral. Assim, ter um pouco de respiro é importante, por isso a gente fugir desse tema. Já tem tanta coisa falando diarimente da pandemia como tema de trabalho, além das notícias diárias. Então, a ideia era fugir, para ter respiro, senão a gente enlouquece. O humor, a comicidade, o sarcasmo, são coisas das quais o ser humano sempre precisou, e, agora, se fazem de forma essencial mesmo, para a gente continuar sobrevivendo psicologicamente neste mundo já tão complexo, de agruras e de problemas que muitas vezes a gente não tem muito como resolver, foge das nossas mãos. 

O humor é, pois, revolucionário
Sim, um ato de resistência, como o próprio Paulo Gustavo disse. Revolucionário porque pode revolucionar sim, o cotidiano das pessoas. Muitas vezes a gente assiste a alguma coisa, que seja mais bem humorada, e aquilo muda o nosso humor. Não é alienação, mas necessidade de revolução, tem que ter o humor para resistir, fazer uma revolução interna para depois a gente ter forças pra fazer uma revolução mais comunitária. Curar individual para podermos curar coletivamente. Então, o humor é primordial, essencial, tão importante quando comer. 

Serviço

Grupo Maria Cutia realiza a Mostra Excêntrica

Desta segunda, 10, ao dia 27 de maio

Cenas experimentais + Oficina + Bate-papo de encerramento “Fim de papo”

Instagram @GrupoMariaCutiadeTeatro e Youtube @GrupoMariaCutia

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