Literatura

A hora de Clarice Lispector

Último livro da escritora editado em vida é relançado pela Rocco, em versão que inclui os manuscritos e seis ensaios

Sáb, 29/04/17 - 03h00
Relançamento de “A Hora da Estrela”, apresenta material que revela processo de criação da escritora | Foto:

“Minha alma tem o peso da luz”. A anotação aparece “irregular, riscada, começa em preto e termina no azul, em um pedaço de papel de correspondência. É algo muito vivo”, define Pedro Vasquez. A declaração refere-se ao manuscrito citado acima, um dentre os vários presentes na edição organizada por Vasquez em comemoração pelos 40 anos de “A Hora da Estrela”, clássico de Clarice Lispector. A primeira publicação, de 1977, tornou-se a última realizada enquanto a escritora era viva. “O livro saiu em outubro, e ela morreu menos de dois meses depois, um dia antes de seu aniversário, em 9 de dezembro”, relata Vasquez. Ele considera essa informação “importante para se compreender o livro”.

“Clarice já estava doente (morreu vítima de um câncer no ovário) e tinha consciência da proximidade da morte”, considera. Esse fato, para Vasquez, “torna ainda mais especial o relançamento”. “São duas datas coincidentes; a publicação de seu livro mais famoso é também a sua despedida”, salienta.

Ensaios. Como se não bastasse, a iniciativa da Editora Rocco reúne, pela primeira vez, seis ensaios que analisam a obra, escritos por autores de diferentes nacionalidades. “Procuramos essa diversidade, já que toda obra da Clarice nos permite interpretações múltiplas”, analisa o organizador. “E não é só a questão geográfica que se impõe, o fundamental é que são todas visões muito amplas. Elas não delimitam o olhar, ao contrário, nos oferecem novas possibilidades para a reflexão”, avalia.

Pedro Vasquez dá como exemplos dois casos, cada um de uma época distinta. “O ensaio do (ex-ministro)Eduardo Portella foi escrito em 1977 a pedido da própria Clarice e utilizado por ela na introdução. Ele segue uma linha mais acadêmica. Por outro lado, o Colm Tóibín (escritor irlandês) apresenta um estilo mais descolado e contemporâneo”, compara.

A eles reúnem-se os textos das brasileiras Clarisse Fukelman e Nadia Gotlib, da francesa Hélène Cixous e da argentina Florencia Garramuño. “Conseguimos traçar um panorama amplo de uma obra que é cada vez mais lida no mundo todo. Isso revela sua atemporalidade temática e a profundidade desta poesia em forma de prosa. A Clarice é diferente para cada um porque fala à alma de todos”, sustenta.

Narrativa. A história narra as desventuras de Macabéa, uma nordestina de origem pobre que parte em busca de melhores oportunidades no Rio de Janeiro. A trama é narrada por Rodrigo S.M., que, de acordo com Vasquez, é “desautorizado pela própria Clarice. Este livro é fantástico por esse caráter dual, com linhas paralelas de narrativa que se sobrepõem”. A fim de reforçar a tese, o organizador cita “as diversas opções de título que ela apresenta na primeira página, a presença ambígua deste narrador masculino e outros mecanismos conhecidos da sua escrita, como a metalinguagem”. Embora ela não tenha passado despercebida por público e crítica em sua época, Vasquez oferece um dado efetivo que comprova o quanto a aclamação à escritora cresceu após sua morte. “Ela não tinha muitos recursos financeiros, tanto que morreu em um hospital público”, conclui. 

 
 

 

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