“Cala a Boca, Philip”

A rica vida dos podres de espírito 

Longa adota narrativa literária para estudar três personagens desagradáveis

Qui, 25/06/15 - 03h00
Talento. Assim como em “Mad Men”, Elizabeth Moss é destaque do filme na pele de Ashley | Foto: Zeta / Divulgação

Há um episódio de “Girls” em que a protagonista e aspirante a escritora Hannah, vivida por Lena Dunham, reclama da sorte que uma ex-colega teve ao ver o namorado se suicidar, o que resultou em um livro de sucesso. “Cala Boca, Philip”, que estreia hoje, tem uma cena similar. O Philip do título (Jason Schwartzman) descobre que um colega que ele quase entrevistou se suicidou, e sua primeira reação é “fico feliz que ele esteja morto, mas teria sido uma ótima oportunidade para mim. Últimas entrevistas são muito difíceis de conseguir”.

A semelhança aponta para um parentesco entre as duas produções que vai além do mero universo – o mundinho hipster-intelectual do Brooklyn contemporâneo em Nova York. Tanto a série quanto o filme do diretor e roteirista Alex Ross Perry desafiam o espectador a passar mais tempo do que você gostaria com personagens cronicamente desagradáveis. O objetivo não é gostar ou sentir empatia por eles, mas esmiuçar a vida interna de seres tão intelectualmente articulados quanto emocionalmente atrofiados.

Para isso, “Cala Boca, Philip” lança mão de um narrador onisciente que descreve com uma verve literária as emoções e pensamentos de três personagens. O central deles é Philip, escritor que, após o fracasso de seu segundo romance, deixa a namorada, a fotógrafa Ashley (Elizabeth Moss), em Nova York e vai dar aula de escrita criativa em uma faculdade do interior. O emprego foi conseguido com a ajuda do aclamado autor veterano Ike Zimmerman (Jonathan Pryce), que toma Philip como pupilo – e como alimento para seu ego tão monstruoso quanto intragável.

A partir do momento em que o protagonista deixa a namorada, o longa se torna, na verdade, a compilação de três contos sobre esse episódio na vida dos personagens. E por mais que o objetivo não seja esse, é impossível negar que o mais agradável é o de Ashley. Embora sofra da arrogância e do esnobismo nova-iorquino como os demais, ela é a mais humana e a única dos três que não está o tempo todo tentando provar que é melhor ou mais inteligente que todos ao seu redor.

O talento da excelente Elizabeth Moss (tão boa aqui quanto em “Mad Men”) confere uma vulnerabilidade à sinceridade emocional da fotógrafa – algo claro no belíssimo plano em que Perry fica com Ashley após sua segunda despedida de Philip, e seu rosto não consegue esconder o que ela sente. Já Philip e Ike trocam essa vulnerabilidade pela armadura da arrogância e agressão verbal de quem acredita que ser desagradável é prova de inteligência. “Eu queria que as pessoas aqui fossem mais maldosas”, diz o protagonista, querendo dizer que elas fossem mais inteligentes.

Schwartzman, especialmente, diverte-se com o quanto seu personagem tenta ser detestável o tempo todo para parecer superior – “ele sofre um pouco de arrogância, tanto na escrita quanto como pessoa”, define Ike. E isso só funciona porque o texto de Perry está à altura de suas ambições. “Cala Boca, Philip” é daqueles filmes com frases como “a inefabilidade inata da decepção humana sempre supera a minha fé”. E se você não gosta desse universo nova-iorquino Woody Allen-Noah Baumbach-Wes Anderson, nem passe perto.

Mas seria errado dizer que o longa é puramente literário. Perry adota uma linguagem específica que traduz visualmente cada vida interna dos personagens que o filme retrata. O capítulo de Ashley tem os tons mais dourados e quentes dos três, enquanto o de Ike traz uma câmera em constantes movimentos que representam a amargura virulenta do veterano. Já a parte de Philip é filmada com o distanciamento emocional que ele mantém das pessoas.

“Cala Boca, Philip” acaba um pouco cansativo – especialmente porque deixa o capítulo de Philip, o pior dos três personagens, para o final. Ainda assim, é uma experiência infinitamente mais interessante do que realmente ter que conviver com essas pessoas.

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