Crítica

Almério e Mariene de Castro cantam brejeirices do Brasil em “Acasocasa”

Pernambucano e baiana irmanam vozes em versões para Dominguinhos, Luiz Gonzaga e outros

Ter, 17/09/19 - 03h00

Narrativos, os versos de abertura deixam claro para o espectador todo o conceito do espetáculo: “Pode parecer promessa/ Mas eu sinto que você é a pessoa/ Mais parecida comigo que eu conheço/ Só que do lado do avesso”. A canção “Avesso”, da compositora Ceumar e da poeta Alice Ruiz, é entremeada a “Vai Dar Namoro”, clássico sertanejo de Chico Amado e Dedé Badaró, já regravada, inclusive, por Maria Bethânia, depois de ser lançada com enorme sucesso pela dupla Bruno & Marrone. 

Essa união põe a nu o ambiente que Mariene de Castro e Almério penetram com pés no chão. O contraste entre o canto grave da baiana e a voz aguda do pernambucano revela um Brasil rural, brejeiro, nordestino e prosador, que se encontra no que o país tem de plural e popular. A sabedoria extraída da terra, no que ela tem de experiência vivida, e não empírica, dá o tom do disco “Acasocasa”, título que se enrosca como se costurado por linhas de artesanato, conferindo, quase sempre, sofisticação à simplicidade. 

Repertório

Gravado na Casa do Choro, no Rio, em setembro de 2018, o registro ao vivo traz um repertório generoso, tanto no número de canções quanto na qualidade das selecionadas. A primazia de falar sobre um país interiorano garante a unidade desse trabalho que, muitas vezes, acena à diversidade, imiscuindo-se nas nuances de nossas raízes. 

Por exemplo, o “Lamento Sertanejo” propagado por Gilberto Gil e Dominguinhos tece a melancolia típica do retirante, que enxerga a saudade em cada canto de sua rotina, em versão que respeita a original. “Não gosto de cama mole/ Não sei comer sem torresmo”, canta Mariene, com segurança. A sequência com “Foguete”, de Roque Ferreira e J. Velloso, contém um leve desvio de rota. A saudade permanece, mas passa dos costumes para a relação amorosa. “Tantas vezes eu soltei foguete/ Imaginando que você já vinha/ Ficava cá no meu canto calada/ Ouvindo a barulheira/ Que a saudade tinha”, entoa a intérprete. 

Almério toma a palavra com “Na Primeira Manhã”, resguardando a potência da obra de Alceu Valença. É um dos instantes luminosos do disco, que une o desespero lírico da composição à voz expansiva do cantor, talhada para esse tipo de sentimentalidade explícita. Enquanto Mariene interioriza, Almério explode. Ela pontua com introspecção os momentos de êxtase dele, que, caso não tivessem esse contraponto, poderiam enfastiar o ouvinte.

A estratégia nem sempre funciona. Em “Fala”, música de Luhli e João Ricardo eternizada pela banda Secos & Molhados, Almério não chega perto de atingir a languidez do canto de Ney Matogrosso, recorrendo a gritos quando seus agudos não são suficientes. O mesmo acontece em “Canto de Ossanha”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, que fecha o CD.

Mas os motivos para aplausos superam os poréns. “Boiadeiro”, de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, não permite escapar da lembrança o registro de Luiz Gonzaga. No entanto, é nesta saudação à memória que reside a sua principal qualidade. “Salão de Beleza”, de Zeca Baleiro, se ressente da crítica presente no canto do autor. “Mas quem Disse que Eu te Esqueço” e “Um Ser de Luz” abrem a roda para o samba. “Respeita Januário” injeta blues ao baião e surte um ótimo efeito. “Espumas ao Vento” revive a dor lancinante do abandono. Ao fim, em 25 faixas, o saldo é positivo. 

Disco

“Acasocasa”, une as vozes de Mariene de Castro e Almério e apresenta 18 faixas no CD e 25 no DVD. O álbum foi gravado ao vivo na Casa do Choro, no Rio, em setembro de 2018. No repertório, estão obras de Dominguinhos, Ceumar, Luiz Gonzaga, Dona Ivone Lara e Alceu Valença

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