Exposição

“Arte que revela e esconde”

“O Tempo dos Sonhos: A Arte Aborígene Contemporânea da Austrália” será inaugurada nesta terça na Casa Fiat de Cultura

Ter, 19/09/17 - 03h00

Um elo com o passado e, ao mesmo tempo, uma expressão que se renova no presente são características de criações artísticas concebidas pelos habitantes mais antigos da Austrália conhecidos como “aborígenes”. As particularidades que distinguem cada uma das etnias locais deram origem a um vasto repertório visual, considerado de extrema riqueza por curadores, artistas e pesquisadores.

Parte desse universo poderá ser vista na exposição “O Tempo dos Sonhos: A Arte Aborígene Contemporânea da Austrália”, que será inaugurada nesta terça (19) na Casa Fiat de Cultura e fica em cartaz até 19 de novembro. Montada anteriormente em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Brasília, reúne 78 obras, entre pinturas, esculturas, litografias e “bark paintings”. As últimas são composições feitas com pigmentos naturais e construídas na entrecasca de eucalipto. Ao todo, esses trabalhos abarcam 45 anos, período que marca o início da circulação da obra desses artistas no mercado internacional de arte, a partir da década de 70. Pertencem a esse grupo nomes como Rover Thomas (1926-1998), que conquistou grande projeção fora de seu país de origem.

“Em 1983, inclusive, uma obra dele veio para a Bienal de São Paulo. Suas pinturas fazem parte do acervo de grandes colecionadores e de museus de várias partes do mundo”, sublinha Clay D’Paula, curador brasileiro que especializou-se em história da arte pela Universidade de Sydney, na Austrália. De acordo com ele, Thomas aprendeu a pintar com sua tia Queenie McKenzie (1930- 1998). “Isso é muito comum entre os clãs. Os mais velhos pintam e passam isso para os filhos, que, depois, transmitem esses conhecimentos para os netos”, completa.

Além de Thomas, a pintora Emily Kame Kngwareye (1910-1996) é outro destaque. “Ela representa um marco e é muito celebrada na Austrália. Emily começou a pintar aos 79 anos e, durante um período de seis anos, produziu cerca de 5.000 obras. Algumas já participaram de bienais, foram expostas no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), ao lado de Kandinsky, Mondrian e Picasso. Há monografias sobre o trabalho dela em vários países, como o Japão, e, na penúltima Bienal de Veneza, suas pinturas ocuparam uma parede inteira de um dos principais pavilhões”, conta D’ Paula.

Singularidade. As peças apresentadas ali refletem diferentes vertentes pictóricas, identificadas em regiões específicas e praticadas por grupos distintos. Algumas, como as encontradas nas ilhas Tiwi, apresentam características mais geométricas, e têm predominância de tons terrosos. Outras, produzidas na região de Balgo, por sua vez, ampliam a paleta de cores ao incorporar vários tons, além do ocre e do vermelho.

O curador também pontua que os trabalhos refletem simbologias próprias desenvolvidas por cada comunidade. Embora facilmente interpretadas como abstratas, principalmente pelo olhar acostumado com a tradição ocidental, D’ Paula alerta que essas telas guardam múltiplos sentidos raramente óbvios.

“A arte aborígene é única. Às vezes, aparecem desenhos estilizados que, para quem não conhece, pode parecer uma abstração. Mas, na verdade, contam uma história. Essa é uma arte que revela, mas que também esconde. A gente nunca vai saber ao certo o que está dizendo”, observa.

Código. Quando perceberam o alcance de seus trabalhos, alguns artistas começaram até mesmo a acrescentar sobre a tela camadas de pontilhados brancos. Este, de acordo com D’Paula, foi um artifício usado para cifrar algumas mensagens. “No início da década de 70, eles não usavam muito essas bolinhas, mas quando alguns perceberam que estavam revelando alguns símbolos, resolveram incorporar esses pontos”, relata.

Vistas aéreas de paisagens, mapas mentais e até o movimento da areia no deserto são, assim, fixados em telas. Ao lado dessas, há outras mais recentes, que colocam em evidência a própria condição dos aborígenes e o contato com o povo colonizador. São exemplos as obras de Richard Bell e Lin Onus (1948-1996).

“Richard Bell é um artista polêmico, tem doutorado e uma obra significativa, em que ele questiona a própria arte aborígene. Para ele, este é um tipo de arte feito para os brancos. Afinal, a maioria das pessoas que compram essas obras é branca, e os museus também representam as casas dos brancos”, detalha o curador. “Num dos quadros de Bell, por exemplo, ele lança a pergunta: ‘Quando você acha que os aborígenes foram os donos da Austrália?’. Ele é muito crítico e irônico”, acrescenta.

Apesar de possuir laços de continuidade com expressões mais tradicionais, como as pinturas rupestre, corporal e as feitas sobre a areia, a arte aborígene contemporânea desponta, principalmente, depois da chegada do professor Geoffrey Bardon (1940-2003) à região de Papunya Tula.

“Ele viu que as crianças gostavam de pintar na areia, que existiam muitas pinturas corporais ali e deu tinta para elas produzirem um mural, que ficou lindíssimo. Depois, os adultos também começaram a tomar gosto. O uso das telas reflete esse encontro e a confluências entre as cultura”, conclui.

Agenda

O quê. “O Tempo dos Sonhos”

Quando. 3ª à 6ª, das 10h às 21h; sáb., dom. e feriados, das 10h às 18h. De 19 de setembro até 19 de novembro

Onde. Casa Fiat de Cultura (praça da Liberdade, 10, Funcionários)

Quanto. Entrada gratuita

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.