Processos

Artistas dizem como trabalhos transitam entre livros e artes visuais

Em seus processos criativos, artistas exploram caráter visual da palavra

Sáb, 19/01/19 - 02h00
Ilustração do livro “A Boborela” de Fernando Vilela | Foto: Fernando Vilela/Reprodução

O livro ilustrado encontrou na literatura infantil e infantojuvenil um manancial de possibilidades criativas praticamente infinito. Não é à toa que para esse universo são atraídos muitos artistas plásticos. Alguns, inclusive, construíram carreiras como ilustradores, e outros seguem transitando entre projetos editorais e expositivos, que, muitas vezes, se retroalimentam.

Dessa forma, livros deságuam em mostras, enquanto pesquisas em diversas linguagens, seja ela a música, a pintura ou a arquitetura, também podem dar origem a novos títulos.

O paulistano Fernando Vilela é exemplo de artista que atua nessas várias searas. Atualmente com a mostra “Enquanto Isso”, em cartaz na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, Vilela foi o único brasileiro selecionado para participar da Exposição de Ilustradores, que integra a Feira Infantil do Livro de Bolonha, a ser realizada em abril e conhecida por ser a de maior prestígio do mundo.

Vilela disputou a seleção com mais de 2.000 nomes e, por fim, foi um dos 76 contemplados de 27 países. Ele vai exibir cinco ilustrações do livro “A Boborela” (2018), concebido em parceria com Stela Barbieri. Ao comentar sobre a feitura de mostras e livros, o artista ressalta haver mais semelhanças que diferenças. “Eu estou sempre tentando encontrar novos caminhos e experimentar formas de usar os materiais quando penso em um livro, e o mesmo acontece também nas artes visuais, em que eu misturo fotografia com gravura, por exemplo”, afirma Vilela.

Além de já ter sido premiado com três Jabutis, sendo um deles pelo aclamado “Lampião e Lancelote” (2006), ele tem obras que pertencem ao acervo de instituições renomadas, como o Museu de Arte Moderna de São Paulo e o Museu de Arte Moderna de Nova York.

A ilustração tornou-se uma atividade em sua trajetória a partir de 2002, após um convite da extinta editora Cosac Naify. De lá para cá, ele não só conectou-se cada vez mais com o ramo, como este inseriu-se de maneira particular em seu processo criativo. “As duas áreas acabam conversando de forma muito intensa. Algumas exposições se tornam livros e vice-versa. O livro ‘Os Heróis do Tsunami’ surgiu a partir de uma mostra de 2011. ‘Caçada’ também virou livro depois de eu ter feito uma grande instalação na Funarte em São Paulo”, relata Vilela.

Espaço poético

Quem compartilha experiência parecida é a artista Edith Derdyk, que desde a década de 70 propõem criações que compreendem o livro como “um espaço poético”, enquanto dialoga com outras linguagens, como a música – sendo ela uma das letristas do grupo Palavra Cantada –, a gravura e as instalações. Explorar o caráter visual da palavra é uma das características dos seus títulos, que, em comum com as obras de suas mostras, levam em consideração a ideia de um leitor/espectador coautor.

“É recorrente a presença das combinações tanto nas minhas instalações, nas minhas gravuras quanto nos meus livros de artista, nos quais incluo também os infantis. Em um título para criança, como ‘Estória Sem Fimm’ (1980)’, eu procuro trazer essa visão das mil possibilidades das histórias. No caso desse livro, a criança podia recortar e fazer várias combinações, a partir das instruções nas páginas. Eu tento ativar, seja na criança ou no adulto, a percepção de que há sempre múltiplas interpretações”, diz.

Edith não só ilustra, como escreve, a exemplo de “Leonardo da Vinci – Fábulas, Alegorias, Advinhações” (2010). “Eu peguei alguns trechos em que da Vinci falava sobre vários elementos, como a sombra, a água, e criei fábulas a partir desses registros deixados pelo artista”, detalha.

Motivação calcada no gosto pelo desenho

Andrés Sandoval é outro nome que divide-se entre a ilustração, as artes visuais e o design gráfico. O interesse pelo desenho foi o que o conduziu da graduação em arquitetura até o meio editorial, em que os livros ilustrados tiveram grande crescimento no início dos anos 2000 – quando ele entrou nesse circuito.

Um dos trabalhos em que mais convergem seus múltiplos interesses é o título “Empenas”, o qual emerge de sua própria observação sobre a paisagem de São Paulo. “As empenas, que são as paredes cegas dos prédios, se tornaram algo que me interessava revelar por meio do desenho. Se a cidade forma uma espécie de texto, eu queria sublinhar esses elementos”, comenta ele.

Mais recentemente, Sandoval concluiu “São Paulo”, que oferece uma espécie de mapa subjetivo da capital paulista e tem previsão de ser publicado no Brasil em 2020. Uma versão foi lançada no ano passado, em Portugal, pela editora Pato Lógico.

Ao refletir sobre seus projetos, ele identifica a investigação sobre o desenho como um traço comum em todos eles. “Do ponto de vista do livro infantil, é como se eu estivesse, em cada projeto, compartilhando com a criança, mas também com o leitor adulto, as minhas reflexões sobre essa linguagem”, afirma Sandoval.

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