'Nada Será como Antes'

Bituca entre o velho e o novo

Milton Nascimento lança EP com cinco canções clássicas, em que experimenta o formato acústico pela segunda vez

Por Raphael Vidigal
Publicado em 11 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
Voz e violão. Wilson Lopes acompanha Bituca no EP, a exemplo do que havia feito em “A Festa”, lançado em setembro Diego Ruahn/divulgação

As músicas são as mesmas, embora estejam outras. O truque da vez reside na interpretação. De fato, Milton Nascimento, 76, tem razão ao dizer que “Nada Será como Antes”. A canção, uma parceria com Ronaldo Bastos e lançada em 1972 no LP duplo “Clube da Esquina”, dá título ao EP que Milton acaba de lançar, em que, pela segunda vez, apresenta alguns de seus inúmeros clássicos no formato acústico voz e violão. Esse (quase) ineditismo em uma carreira de mais de 50 anos é a principal surpresa da empreitada.

O novo disco dá continuidade ao que já havia sido proposto em “A Festa”, lançado em setembro com seis faixas acústicas. “A gente não pensou muito, para falar a verdade. Foi tudo acontecendo naturalmente. Começamos tocando lá em casa, sem muito compromisso, até que, quando a gente viu, já estávamos com o disco todo pronto. É um presente para os fãs”, justifica Milton.

O “a gente” que o artista faz referência se completa com Wilson Lopes, instrumentista e maestro da banda que acompanha o cantor há décadas. Munido apenas de seu violão, Lopes costura as intrincadas construções harmônicas que tornaram a música produzida em Minas na década de 70 num fenômeno mundial. Milton não fica atrás. Apesar da voz já não ser a mesma da juventude (afinal “nada será como antes”), ele ainda é capaz de preencher os espaços sonoros com um canto que emociona. Ou, usando o superlativo elogio de Elis Regina (1945-1982): “Se Deus cantasse, seria com a voz de Milton”. Um ‘Deus’ cada vez mais experiente e senhor de si.

Repertório

Mario Quintana (1906-1994) advertiu que “só em linguagem amorosa agrada a mesma coisa cem mil vezes dita”. Mas é o próprio poeta gaúcho que vem ao socorro de Milton, ao também dizer que “é preciso escrever um poema várias vezes para que dê a impressão de que foi escrito pela primeira vez”. Ambas as circunstâncias aparecem no lançamento. Sem colocar na praça um disco com repertório inédito desde “...E a Gente Sonhando” (2010), Bituca admite que o álbum atual é feito para fãs. Recentemente, aliás, esses admiradores foram presenteados com o primeiro videoclipe de “Maria, Maria”, com Camila Pitanga, Zezé Motta e Sophie Charlotte no elenco.

“Nunca parei mesmo para pensar numa coisa acústica. Mas a vontade existia, sem dúvida. E foi uma experiência bastante prazerosa. O Wilson (Lopes) toca comigo há muitos anos, assim foi tudo mais fácil. O resultado está aí, espero que as pessoas gostem”, declara Milton.

O maior mérito do EP, no entanto, é a naturalidade das versões, que emergem da forma como provavelmente vieram à luz. A exceção fica por conta do coro presente em “Para Lennon e McCartney” (de Márcio Borges, Lô Borges e Fernando Brant), que carrega certo artificialismo para a faixa. Escolhida para a abertura, “Clube da Esquina” (parceria com Lô e Márcio Borges) revela as ambições dos garotos que acabariam famosos por um movimento tão espontâneo quanto peculiar. “No claro do dia/ o novo encontrarei”, dizem os versos da canção.

Feita só com Lô, “Clube da Esquina nº 2” reitera as qualidades que o tempo tratou de adensar. Para fechar, “Saudade dos Aviões da Panair” ganha a mais vigorosa interpretação.

“Márcio (Borges), Ronaldo (Bastos) e Fernando (Brant)... Posso definir os três numa só palavra: coração. E o que eles trouxeram de único para mim e para minha vida é uma coisa chamada amizade. Isso sim é uma das coisas mais importantes na minha vida. Sem amizade não consigo fazer nada, nem atravessar a rua”, comenta Bituca.

Daqui para frente, o que se sabe até agora é que Milton registrou em estúdio uma música inédita feita para seu filho, Augusto Kesrouani. “Além de Tudo”, autoral, foi gravada para o disco de Alexandre Ito. Quanto ao futuro, Milton vaticina: “Tenho dito, as coisas andam bem esquisitas. Mas a gente precisa seguir em frente, né? É a nossa única opção: esperança, música, amor e amizade”.

“Nada Será como Antes” apresenta cinco clássicos de Milton Nascimento no formato acústico, como “Clube da Esquina nº 2”.