Susanna Lira

Cineasta fala sobre 'Clara Estrela' e projetos sobre Mussum e outros

O documentário “Clara Estrela”, que estreia neste domingo no Curta!, possui 1 hora e 12 minutos de duração e contou com a parceria de Rodrigo Alzuguir

Dom, 04/02/18 - 02h00
Susanna Lira é codiretora do filme sobre Clara Nunes, em parceria com Rodrigo Alzuguir | Foto: Christian Faccin/divulgação

A opção de uma narrativa em primeira pessoa no documentário “Clara Estrela”, que apresenta momentos da vida da saudosa cantora Clara Nunes (1942-1983) e estreia nesta segunda-feira, às 22h20, no canal Curta!, tem explicação. “Queríamos colocar a Clara mais próxima do público, deixá-la em primeiro plano o tempo todo e mostrar a essa nova geração quem foi ela”, afirma a carioca Susanna Lira, 47, codiretora da obra e realizadora de mais dois projetos bastante aguardados para este ano: um filme sobre o humorista Mussum e outro a respeito das ex-companheiras de cela da ex-presidente Dilma Rousseff, durante o período ditatorial brasileiro.

“Estamos fazendo uma biografia do Mussum (1941-1994), dos Trapalhões. Será bem diferente da biografia da Clara. Será algo engraçado, uma coisa bem transgressora. Faremos uso criativo do arquivo dele. O Mussum fez mais de 50 filmes e mais de 800 programas de TV, na época dos Trapalhões. Não será narrado em primeira pessoa. Vamos utilizar um narrador que vai amarrar essa história. Mas ainda não posso revelar outros detalhes”, diz ela, em meio a risos, para, logo em seguida, falar um pouco sobre o outro documentário previsto.

“Estou terminando de montar um filme que se chama ‘Torre das Donzelas’. Será um filme sobre as ex-companheiras de cela da Dilma. Esses dois filmes vão ficar prontos para o segundo semestre deste ano. Ambos vão estrear em festivais, como se deu com o documentário da Clara, que rodou bem em 2017”, completa.

Clara. O documentário “Clara Estrela” possui 1 hora e 12 minutos de duração e contou com a parceria de Rodrigo Alzuguir, o outro diretor. “O projeto começou em 1998. O Rodrigo e a irmã dele, a Renata, pesquisaram sobre a Clara. E essa pesquisa chegou a mim em 2004. Então, tentamos, ao longo de vários anos, fazer esse documentário. Só conseguimos em 2017, com o apoio do canal Curta!”, relata ela.

A princípio, a obra teria uma narrativa diferente. “O filme passou por vários tipos de linguagem. A gente chegou a entrevistar, por exemplo, o Chico Buarque, a Marisa Monte e várias outras pessoas. No fim das contas, descartamos essas entrevistas, e o documentário hoje é todo narrado em primeira pessoa”, destaca.

O que se vê nas telas é uma mescla de trechos de apresentações ao vivo, entrevistas em programas de TV e fotos da artista mineira, com a voz da atriz Dira Paes recitando depoimentos que a cantora deu para veículos impressos. Por isso diz-se que o documentário é narrado em primeira pessoa.

“A gente queria uma atriz que tivesse um pouco dessa mistura do Brasil, como a Clara Nunes tinha, para narrar esses depoimentos. A Clara era de Minas, mas havia pessoas que achavam que era baiana, por conta das músicas e das vestimentas. Ao mesmo tempo, era muito atuante no Rio, então também tinha gente que achava que ela era carioca. E a Dira também traz esse caldeirão miscigenado, essa jornada de uma mulher que representa a mistura de raças do Brasil”, salienta Susanna.

Representatividade. A diretora não poupa palavras para enfatizar sua admiração com o trabalho de Clara Nunes e da figura feminista que possuía. “A Clara Nunes foi a primeira cantora que realmente vendeu discos no Brasil. Isso foi um marco. Daí em diante, ela abriu portas para que outras cantoras fizessem o mesmo. Isso foi dito por Alcione e Marisa Monte, por exemplo, nas pesquisas que fizemos. Todas vieram no rastro dela. Uma estrela que veio trazendo outras para essa constelação de vozes femininas da música popular brasileira”, afirma.

“Isso foi feito com muito trabalho. Ela capitaneou a escolha das músicas e dos figurinos. Claro que teve ajuda das pessoas, mas tudo veio da cabeça dela. Uma mulher que se colocava à frente de suas próprias empreitadas. Ela falava que mulher tinha que trabalhar, ter dinheiro próprio. E falava numa realidade em que a mulher era vista como dona de casa. Então, ela deixou essa semente nas pessoas. No documentário, mostramos o vigor que ela tinha e o quão visionária era em suas lutas”, complementa.

Em um dos momentos do filme, Clara diz que não tinha medo de morrer e muito menos envelhecer, o que encantou a diretora. “Quando começamos a fazer o filme, a gente lamentava que ela morreu tão nova (aos 40 anos). Só que ela teve uma vida incrível e fez coisas inacreditáveis. Então, ela não morreu nem envelheceu. A artista está viva”, declara.

FOTO: Canal Curta!/divulgação
Uma das grandes cantoras da música brasileira, Clara Nunes (à esq.) tem parte de sua vida retratada em “Clara Estrela”

Minientrevista

Susanna Lira
diretora

Como foi o processo de seleção de imagens e momentos da vida de Clara para a montagem do filme?

Pegamos o lado da artista. Por uma questão de preservarmos a privacidade dela. A Clara era uma artista muito popular, muito vencedora em seus projetos e em seus discos. Mas era muito discreta em sua vida pessoal. Então, a gente optou, por uma questão de respeito à memória dela, por só tocar em assuntos em que ela provavelmente teria tocado, coisas relevantes para ela. Optamos por um documentário de uma memória bastante afetiva da artista.

Há algumas imagens em que se mostram os pés de uma pessoa num lago, com narrações feitas pela Dira Paes. De quem são aqueles pés?

Faltavam imagens para compor o arquivo, e queríamos imagens poéticas. Essa imagem foi feita por uma amiga minha, que também é cineasta. Ela tinha feito essa imagem para outro filme e me cedeu essa cena. Como exercício narrativo, pretendi não fazer imagens. E essa cena pode representar a Clara, como se ela estivesse em qualquer lugar do mundo e em qualquer fase da vida dela.

De que forma você veria a Clara no contexto atual do país?

Ela era combativa e corajosa, como sempre foi. Se estivesse viva hoje, a Clara estaria ao lado das minorias, das mulheres, das pessoas que sofrem intolerância religiosa, dos gays na luta contra homofobia, lutas contra uma sociedade extremamente conservadora. Usaria a popularidade dela, não para proveito próprio, mas para ajudar os outros. Tem artista que só se importa com o próprio ego. A Clara não. Ela ajudaria as minorias.


Agenda

O quê. Documentário “Clara Estrela”

Onde. Canal Curta!

Quando. Nesta segunda-feira (5), às 22h20; terça-feira (6), às 2h20 e às 16h20; quarta-feira (7), às 10h20; e sábado (10), às 22h30.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.