Literatura infantojuvenil

Críticas que impulsionam 

Receber uma carta editorial de Julie Strauss-Gabel praticamente garante o sucesso de crítica ou de público

Dom, 26/04/15 - 03h00

John Green ainda se lembra da primeira linha da crítica contundente que sua editora, Julie Strauss-Gabel, escreveu depois de ler um rascunho de seu romance, “A Culpa É das Estrelas”.Nova York, EUA.

“Ela dizia: ‘Gostei muito de ler o primeiro rascunho deste romance promissor e ambicioso’, e depois disso seguiram-se 20 páginas onde ela destruía o livro. Suas cartas editoriais são famosas por sua capacidade de fazer você chorar e se sentir ansioso. São muito longas, muito detalhadas e muito intimidantes”, contou Green. Uma de suas farpas mais memoráveis comparou o clímax exagerado com “uma péssima fanfic de John Green”, recorda-se. Ele acabou mudando o final.

Pelo menos, Green não se sentiu humilhado em vão. Em sua forma final revisada e lapidada, “A Culpa É das Estrelas”, um romance sobre dois adolescentes com câncer que se apaixonam, se tornou um grande sucesso.

Três anos depois, ele ainda está na lista dos mais vendidos, com mais de 18,5 milhões de cópias impressas no mundo todo. Foi adaptado para o cinema e desencadeou uma onda de romances adolescentes contemporâneos realistas, mudando os paradigmas da popular trama de ficção jovem depois de mais de uma década de livros sobre magos, vampiros e lobisomens.

No mundo da publicação de livros infantis, receber uma carta editorial de Julie, a editora da Dutton Children's Books, é o equivalente literário a ganhar o bilhete dourado para a fábrica de chocolate de Willy Wonka, pois praticamente garante sucesso de crítica ou de público, muitas vezes dos dois.

Ela não distribuiu muitas. “Sou extremamente exigente. Se não me apaixono pela escrita de alguém no nível das frases, não assino embaixo”, ela disse.

Seu dom de encontrar e desenvolver talentos se reflete na lista dos mais vendidos do “New York Times” desta semana, onde há cinco de seus livros na lista dos dez mais. Ela já editou 22 best-sellers do “New York Times”.

Com seu time de escritores de grande sucesso, Julie se tornou uma das pessoas mais influentes, conduzindo e moldando uma onda de ficção para jovens, uma mudança que não só transforma a indústria editorial, mas muda os hábitos de leitura norte-americanos.

Bastiões. Nos últimos dez anos, época em que os editores começaram a enfrentar a queda nas vendas de livros impressos, menor espaço nas lojas e batalhas sobre os preços de e-livros, os livros infantis se tornaram um dos últimos bastiões do setor.

Oito das dez obras impressas mais vendidas eram títulos para jovens e crianças, com Bill O’Reilly e Gillian Flynn se destacando como os estranhos autores de literatura para adultos. Em 2014, a renda de livros infantis e juvenis subiu 21% com relação ao ano anterior, enquanto a não ficção e a ficção adulta diminuíram 1,4%, de acordo com a Associação de Editores Americanos.

O gosto pouco convencional de Julie e sua capacidade de perceber vozes literárias idiossincráticas ajudaram a identificar e construir algumas das maiores estrelas da ficção para jovens.

Além dos livros de Green, que tem mais de 30 milhões de cópias impressas em todo o mundo, ela cuidou de campeões de vendas como a série “Destino”, de Ally Condie, que tem 3,3 milhões de cópias impressas só na América do Norte. Moldou também as carreiras de astros emergentes como Nina LaCour, Stephanie Perkins e Andrew Smith, cujo romance surreal, “Selva de Gafanhotos”, foi comparado a Kurt Vonnegut.

Alguns autores famosos de literatura para adultos também a procuraram, incluindo John Grisham e Meg Wolitzer, que já publicaram vários romances pela Dutton.

Autor. “Quando Julie compra um livro, ela não compra apenas o livro, ela compra um autor por sua carreira”, disse Don Weisberg, presidente da Penguin Young Readers, que controla dez editoras de livros infantis, incluindo a Dutton.

A publicação para adolescentes decolou nos anos 60 e 70 com grandes sucessos de Judy Blume, S.E. Hinton e Lois Duncan. A categoria infantil começou a crescer e evoluir rapidamente na década de 90. O sucesso dos livros de Harry Potter, de J.K. Rowling, que atraiu hordas de leitores adultos e já vendeu mais de 450 milhões de cópias em todo o mundo, abriu o caminho para outros sucessos que não se limitam a um único segmento. Eles vieram um atrás do outro – “Crepúsculo”, “Os Instrumentos Mortais”, “Jogos Vorazes”, “Divergente” – e acabaram chegando a Hollywood, que por sua vez, trouxe os leitores mais velhos.

A linha que divide a literatura infantil da adulta fica cada vez mais tênue, quando autores jovens experimentam com histórias e estruturas narrativas sombrias, desafiadoras e sofisticadas. Adultos com idades entre 18 e 44 anos responderam por 65% das compras de livros jovens em 2014, de acordo com uma pesquisa recente da Nielsen Books & Consumer, e os homens somaram 44% dos compradores desses livros em 2014, número que era 31% em 2012. E 65% dos adultos comprando livros jovens relataram que estavam comprando os livros para si mesmos e não para os filhos.

“Livros sobre a adolescência têm uma espécie de urgência. A ficção jovem de hoje é tão selvagem, diferente e interessante que não dá para generalizar”, disse Meg Wolitzer, que publicou o romance jovem “Belzhar” pela Dutton no ano passado e já tem mais dois livros contratados por Julie.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.