Televisão

Da hegemonia ao cenário de desafios e recomeços 

Rede Globo chega aos 50 anos sem a soberania de décadas passadas, mas ainda no topo das TVs

Dom, 12/04/15 - 03h00

Prestes a completar 50 anos no dia 26, a Rede Globo chega a sua maturidade com uma trajetória marcada por sucesso e muitas controvérsias. Da sua origem em pleno início da ditadura à postura omissa diante do movimento pelas Diretas Já, em meados da década de 80, são conhecidos os pontos mais questionáveis de sua história.

Apesar disso, a emissora permanece como a mais importante empresa de televisão brasileira e que ainda atrai olhares pela qualidade tecnológica alcançada, além de possuir um legado de produções, como séries e telenovelas, bastante fixado na memória da população brasileira.

Mas, distante do passado glorioso das décadas de 70 e 80, quando era líder absoluta de audiência, o presente se revela para ela cada vez mais afastado dos tempos áureos. Prova disso, são as dificuldades de sustentação de dois dos seus principais pilares, a telenovela das nove e o “Jornal Nacional”. Enquanto este alcançou a média de 20 pontos numa segunda-feira do mês passado, marcando o registro mais baixo de sua história, “Babilônia”, de Gilberto Braga, não passa dos 25 e tem atraído menos telespectadores que “Alto Astral”, trama das 19h.

Os motivos para essa queda no Ibope são muitos, e se deve tanto às mudanças no cenário midiático como a emergência de uma cultura digital em que outras plataformas disputam o interesse do público, à concorrência com as TVs pagas. Porém, o que talvez mais pese é o apontado declínio do conteúdo telejornalístico e ficcional.

Acrescenta-se a esse cenário, as fissuras na credibilidade do meio de comunicação, que pressionado pela opinião pública, já se viu obrigado a rever a sua cobertura jornalística. Um caso recente foi a alteração do tom das matérias veiculadas durante as manifestações do Movimento Passe Livre, duramente reprimidas pela Polícia Militar de São Paulo, em 2013. Vídeos e depoimentos, na época, postados nas redes sociais, revelaram outros olhares que levaram a sociedade a repensar o tipo de representação dos protestos apresentada pela TV.

Outra arena. “Isso mostra que o lugar de construção da opinião pública e de debate dos interesses da população brasileira vai além da grande arena do ‘Jornal Nacional’. Há agora essa outra arena de visibilidade possibilitada pelas redes socais, e a internet talvez seja a maior concorrente das emissoras de televisão. No caso dessas manifestações, a Rede Globo teve que rever o recorte editorial, tecendo outras análises do Movimento Passe Livre porque os conteúdos feitos, por exemplo, com celular, pelas pessoas que estavam próximas dos acontecimentos, ganharam uma visibilidade enorme”, reflete Juliana Guttman, especialista em telejornalismo e professora da Universidade Federal da Bahia.

Bruno Leal, professor e pesquisador da UFMG, acrescenta que a resistência das pessoas envolvidas naquelas manifestações à presença dos repórteres da Globo também deixa claro como as escolhas anteriormente feitas pela emissora deixaram marcas na maneira como parte do público entende a forma como são construídas as suas notícias.

“Do ponto de vista jornalístico, a Globo é vista como ideologicamente contaminada, e o que se percebe é que ela não dá conta de sair desse lugar. Ela tenta fazer um discurso que almeja a credibilidade quando afirma ser imparcial e que tem compromisso com a verdade, mas a pessoas veem a Globo como algo altamente parcial. Ao meu ver, parece que ela hoje passa por uma crise no seu jornalismo”, observa Bruno Leal.

Ele acrescenta ainda outra fragilidade nesse segmento que é a desconexão entre o Brasil mostrado, por exemplo, pelo “Jornal Nacional”, e a real diversidade do país.

“A Globo é uma central de produção gigantesca do ponto de vista do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mas o Brasil que ela nos apresenta é muito pouco reconhecido pela maioria da população brasileira, especialmente para as classes que melhoraram de vida e tiveram acesso a outras referências, sem aquela dicção e aquele modo centralizado de ler o Brasil”, sublinha Leal.

Guttman reforça, em relação a esse aspecto apontado pelo pesquisador, que essa é uma questão de dimensão histórica. “O ‘Jornal Nacional’ nasce com o enfoque de integrar o Brasil, sendo o primeiro telejornal em rede, com transmissão para todas as capitais do país, mas sem abandonar a perspectiva do Rio de Janeiro e de São Paulo. O que fica evidente agora, com a força maior das produções locais, e da internet, é que esse não é um problema específico desse programa, mas da televisão brasileira em si que ainda não dá conta de olhar de maneira mais equilibrada para o centro e também para as periferias”, diz a estudiosa.

Pressões. A teledramaturgia, segundo pilar fundamental da emissora, é um segmento que não passa isento de pressões. A novela “Babilônia”, tem sido alvo de boicote por grupos conservadores. Uma das polêmicas é a presença da relação homoafetiva entre duas mulheres, interpretadas por Fernanda Montenegro e Nathália Timberg. Na sexta-feira, foi divulgado, inclusive, que não haverá mais cenas de intimidades entre as personagens.

O crítico Nilson Xavier comenta que o percurso do folhetim deve seguir trajetória semelhante a “Torre de Babel” (1998), com o seu roteiro sendo redefinido. “A TV Globo sempre acompanhou, porque essa é uma questão de sobrevivência, a evolução da sociedade. Se ela retrocede e está mais careta, ela entra num movimento de retranca, que é o que está acontecendo com ‘Babilônia’, diz.

Para Leal, esse tipo de situação é acompanhado do envelhecimento do público da TV aberta, que encontra dificuldade em conquistar as faixas etárias mais novas. “Enquanto quer conquistar essa parcela, sendo ao mesmo tempo uma TV de caráter generalista, ela traça movimentos sempre controversos. O beijo gay que apareceu na novela ‘Amor à Vida’, por exemplo, chegou extremamente tarde para uma parcela da população. Em outros canais isso já acontece há muito mais tempo”, conclui o professor.

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