Entrevista

Dando sequência a um legado

Elaine Ramos, arquiteta e designer gráfica

Dom, 23/04/17 - 03h00

Diretora de arte da extinta Cosac Naify e uma de suas “herdeiras”, Elaine fala da Ubu Editora, que abriu ao lado da ex-diretora editorial da casa, Gisela Gasparian. Organizadora de “Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil”, ela ainda fala do papel da forma na hora de se criar um livro. Elaine estará em BH entre os dias 27 a 29 de abril num encontro sobre projetos gráficos.

Como você enxerga o lugar do design na produção editorial? Ele é essencial quando se pensa na publicação de um livro?

Antes de qualquer coisa, é preciso entender o livro como um objeto industrial. O design é intrínseco a ele. Para ter uma capa que dobra, um papel com flexibilidade, ele já tem design. Daí, o design entra em duas coisas importantes: transformar esse objeto em algo que dialoga com o conteúdo que ele está portando e que essa forma comunique o que ele é de maneira mais eficiente. A segunda coisa é também chamar atenção no contexto em que vários outros livros estão presentes. É atrair o leitor pelo sex appeal, mas é atrair a pessoa que seja o leitor daquele livro, daquele conteúdo.

Como se dá o diálogo entre o design e o conteúdo? E também entre o designer e o autor?

O conteúdo é o ponto de partida e de chegada de qualquer projeto. Boa parte do funcionamento do mercado livreiro tem projetos padrões, “neutros”, em que o designer é chamado apenas para a capa e o miolo segue padronizado. Mas, ainda assim, a capa tem que comunicar a informação e essa informação é o conteúdo. O conteúdo do livro é tanto ponto de partida como o endereçamento. Tem que chamar atenção, atrair e comunicar.

Na sua fala, ficam perceptíveis tanto uma visão do marketing, como uma ação que pensa o mercado, quanto da comunicação.

Sim, e essas noções estão ligadas. Claro que o marketing cria a ideia de venda, de uma comunicação mercadológica. E é claro que ele pode ser usado a partir da ideia de vender a qualquer custo. E aí, não necessariamente, você está comunicando com quem tem interesse naquilo, em uma relação verdadeira com o que está dentro do livro, se você tem como único objetivo a venda. Por isso, eu prefiro pensar o design a partir da comunicação.

Passado algum tempo após a comoção pelo fechamento da Cosac, como você avalia o que representa esse fechamento? O que se perdeu, de fato, e porque se perdeu?

Acho que a Cosac tinha o lado utópico. O que fazia dela uma maravilha era também a sua fragilidade, que era o mecenato. Isso podia acabar a qualquer momento como, de fato, acabou. Eram projetos incríveis e, comercialmente, difíceis. No Brasil, temos pouca tradição de mecenato. A família Moreira Salles é um exemplo, mas que não tem foco em editorial, embora tenha publicações tão boas quanto a Cosac. Mas os livros da Cosac ficam. Eles esgotam, mas circulam entre sebos, entre familiares, serão editados por outras editoras. O legal de fazer livro é que ele não vai para o lixo, não é descartável. É um patrimônio. O legado da Cosac continua circulando.

Como pensar design gráfico e uma produção editorial sustentável?

O design é, essencialmente, a arte de adequar um produto ao público e ao orçamento. Não gostamos de chamar livro de produto, mas não deixa de ser. Não vejo o design como algo que encarece. Isso é equivocado. O projeto tem que ser pensado dentro do orçamento e da tiragem. O difícil da equação da Cosac e de qualquer editora nesse perfil é que as tiragens são pequenas. Para a equação funcionar, diante dos custos de papel, gráfica e do funcionamento do mercado livreiro, a tiragem precisa ser acima de 5.000. Isso não é nada, mas para o perfil da Cosac era muito. A maioria dos livros tinham de 2.000 a 3.000 exemplares. O que é mais determinante na saúde de uma editora é a tiragem. Os assuntos e o tipo de literatura que a Cosac publicava têm um público pequeno no Brasil e isso tem a ver com qualidade do ensino. O mercado editorial, como todas as economias, é feito para funcionar com a máxima do lucro. As livrarias dão espaços nas lojas para livros de giro mais rápido. Quanto mais se vende, maior a publicidade, mais espaço na livraria. É um processo e o design vai existir nessa equação. A Cosac tinha como marca a excelência e a invenção gráfica. Isso custa mais, mas foi isso que fez o público dela. O fim da Cosac não significa o fim dessa fórmula. Eu tanto acredito nisso que abri uma editora. A Cosac tinha questões internas que eram próprias da maneira como ela se organizou. Não é a prova que não se pode fazer livros com 2.000 tiragens. Nesse sentido, o design não é uma atividade que enfeita o livro e o deixa mais caro. Ele se adequa à equação e constrói um projeto. Trata-se de pegar um conteúdo, de ter uma tiragem e um orçamento para aquilo e fazer caber dentro daquele projeto. Um exemplo é a coleção de bolso que tinha uma série de invenções para que o livro custasse entre R$ 20 e R$ 30. O designer vai fazer uso do seu instrumental para se adequar a isso.

Qual a proposta da Ubu Editora?

Somos três sócias, todas mulheres. Eu e Florença Ferrari, que era diretora editorial da Cosac, e Gisela Gasparian, que já trabalhava com livros. Nossa proposta é, sobretudo, publicar temas contemporâneos e participar do debate contemporâneo, sempre com edições caprichadas do ponto de vista do texto e do design, com tiragens em torno de 2.000 a 3.000 exemplares.

E como tem sido a vida da editora?

Estamos de acordo com nosso plano de negócios. Sabemos que uma editora demora para ser sustentável. Temos a experiência do que vende ou não, que tem público ou não e estamos trilhando caminhos de acordo com nossa programação, o que significa que dependemos de investimentos por alguns anos. Com esse perfil, temos que ter um catálogo com um número suficiente. Cada um vende pouco, mas a soma paga os custos. Aprendemos com a Cosac que precisamos ter uma estrutura e custos fixos enxutos pra que os livros, mesmo vendendo pouco, possam pagar isso.

Você é uma das autoras de “Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil”. O que a pesquisa revelou do desenvolvimento design no país?

Uma das coisas que ficou clara é que o design sempre existiu. A palavra, a profissão e o ensino formal é que passaram a existir na década de 50. Mas a atividade que hoje damos esse nome sempre existiu. E uma coisa que se percebe é que existe pouco cultivo dessa memória gráfica. Boa parte dessas coisas não existem em arquivos organizados, com critério de catalogação. Temos cinematecas, mas não temos, por exemplo, arquivos que tenham como critério o designer, como os cartazes, por exemplo. E acho que o objetivo do livro era fomentar a pesquisa, a memória gráfica e isso é um mapeamento que ajuda muito a pesquisa em uma época que crescem os cursos de pós-graduação em design, em um movimento de maturidade da profissão, formalmente, falando.

Agenda. No dia 27 de abril, às 19h, Elaine Ramos realiza a palestra “O Livro, o Objeto: Meios Expressivos & Projetos Gráficos”, no Memorial da Vale (Praça da Liberdade, 640, Funcionários). Nos dias 28 e 29, ela ministra a oficina “Design de Livros: Do Conteúdo ao Objeto”. O horário da oficina no dia 28 de abril é de 19h às 22h, e no dia 29, das 9h às 18h, no ESPAI (av. Tentente Anastácio Moura, 683, Santa Efigênia). O investimento para participar da palestra é de R$ 45 e, para a oficina, R$ 450. As inscrições podem ser feitas pelo e-mail contatoespai@gmail.com ou pelo telefone: 2510-5512. 

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