Série

Dos anos realmente incríveis

Programa norte-americano que marcou o início da decáda de 90 para o público brasileiro finalmente é lançado em DVD

Qui, 12/01/17 - 02h00

“Crescer acontece em um instante. Em um dia você está de fraldas e, no outro, está indo embora. Mas as memórias da infância ficam com você por um longo tempo. Eu me lembro de um lugar, uma cidade, uma casa, como muitas outras casas, um quintal como muitos outros quintais. Em uma rua como outras ruas. E o negócio é que, ainda olho para trás, maravilhado”.

A frase dita por Kevin Arnold, no capítulo derradeiro de “Anos Incríveis”, sumariza a lógica da série – que, tanto pela qualidade do programa quanto pelo caráter afetivo que emanava, explica muito do seu sucesso e a comoção causada pelo anúncio de que ele finalmente vai ganhar versão em DVD, produzido pela Vinyx Multimídia. A distribuidora tem ainda a intenção de lançar um livro, em abril, sobre cada episódio com fotos inéditas dos bastidores da produção.

“Anos Incríveis” é produto daquilo que os norte-americanos sabem fazer com maestria: empacotar memórias e vender nostalgia. Talvez possamos dizer que a série, que foi ao ar pela primeira vez na TV dos Estados Unidos em 1988 (pela rede de TV ABC), é herdeira de obras como “American Graffitti”, de George Lucas, e prenunciou filmes como “Forrest Gump”, de Robert Zemeckis; ou seja, é uma forma de contar (e romantizar, por meio da ficção) o imaginário de uma América já mitológica naquela época: os anos 1960. “‘Anos Incríveis’ representa a cultura norte-americana alinhada com o clássico ‘american dream’”, acredita Cristal Bittencourt, responsável pelo blog Apaixonados por Séries. “Com uma família do subúrbio, vivendo uma vida feliz com o essencial. Por isso acaba sendo uma forma atemporal de representação da família norte-americana. As críticas e os fundos políticos são raros, ajudando apenas a situar o espectador no tempo-espaço”, diz.

Mais do que isso, foi a carta de apresentação para jovens de todo o mundo daquilo que, de uma forma ou outra, já encontrava ecos em seus cotidianos e moldariam gostos e escolhas culturais dali pra frente, sempre pautado por aqueles detalhes trabalhados na série. De saída, tínhamos a unidade Beatles/ Woodstock/Joe Cocker, todas as tardes, colonizando o inconsciente da molecada, que era apresentada de forma brilhante à “With a Little Help From My Friends”, canção dos Fab Four regravada por Joe Cocker (talvez a única versão de uma canção beatle que supere a original) e eternizada no festival dos festivais.

A canção de abertura marcava no cotidiano adolescente um horário (geralmente pós-escolar) para estacionar os olhos em frente à TV. Se para muitos adolescentes dos anos 80 o combo “sessão da tarde”, regado a doses generosas de leite com achocolatado e biscoitos mil, só ficava completo com aquele filme do John Hugges passando na TV, no início dos anos 90 a companhia televisiva ideal era “Anos Incríveis”. A partir de 1993, a aventura de ser adolescente filmada por meio das lentes do jovem californiano Kevin Arnold foi também o refúgio para adolescentes brasileiros, que encontravam ali vínculos, dilemas, paixões. Logo no primeiro episódio, Kevin e Winnie Cooper trocam o primeiro beijo de suas vidas. E, assim, muitos de nós “perderam a virgindade” no vício em séries com essa produção.

Legado. “‘Anos Incríveis’ começou a ser exibida nos anos 90 na TV Cultura (a série ainda ganharia casa nos canais Multishow, Bandeirantes e Rede 21), e, por isso, fez parte da infância de muita gente. Antes mesmo de eu entender o conceito de “série” (produção para a TV seriada, dividida em episódios e com temporadas fechadas), eu já sabia que precisava assistir TV sempre no mesmo horário para conseguir acompanhar aquela história”, lembra Bittencourt.

A história seguia o truque de um cenário simples para entender acontecimentos complexos. Começa em 1968, onde o telespectador é apresentado a um estudante secundário. Vive no mesmo quarteirão que ele Winnie Cooper, garota abalada pela morte de seu irmão mais velho no Vietnã e que ainda irá viver o divórcio dos pais, e Paul Pfeiffer (Josh Saviano) prenuncia o nerd: doce, fiel, extremamente inteligente e alérgico a quase tudo.

Tendo o trio como núcleo central de ganhos e perdas típicos da juventude, o telespectador é apresentado a dilemas de vestiário, tensões familiares, escândalos políticos e tesouros da juventude. “A partir de “Anos Incríveis” foi ficando cada vez mais comum ver crianças protagonizando séries sobre suas famílias. E, embora “Anos Incríveis” não tenha inventado o conceito de narração em off, foi uma das séries mais bem-sucedidas com esse formato, até hoje bastante utilizado em séries como “Sex and the City” e “How I Met Your Mother”. Essa última, inclusive, usa o mesmo conceito de “Anos Incríveis”: o narrador é o próprio protagonista mais velho contando sua história.

Torcida

Os desencontros amorosos vividos por Kevin e Winnie eram dos maiores chamativos do programa. “O público de hoje certamente ‘shipparia’ Kevin e Winnie, embora talvez Winnie fosse um pouco julgada por não ter certeza do que quer e por algumas escolhas. De certa forma, é uma série até a frente do seu
tempo, justamente por não julgar Winnie e também por retratar a mãe de Kevin, Norma Arnold, como uma mulher, dona de casa, que decide começar a trabalhar”, acredita Bittencourt.

Curiosidades

A casa dos Arnold virou ponto turístico, visitado pelos devotos da série. O endereço é 516 University Avenue, Burbank, na Califórnia, nos Estados Unidos.

Jovens atores que depois se tornariam estrelas do cinema e da TV dão as caras em participações especiais. Alguns deles: Juliette Lewis (de “Assassinos por Natureza”), David Schwimmer (“Friends”) e Alicia Silverstone (“As Patricinhas de Beverly Hills”) Neal Marlens e Carol Black, os criadores da série, são casados.

Danica Mckellar, que interpreta Winnie Cooper, é formada em matemática e fez pontas em séries como “The Big Bang Theory” e “How I Met Your Mother”.

Aliás, Winnie é um apelido, e não o nome real da personagem. Seu nome é Gwendolyn.

Fred Savage, que fazia Kevin Arnold, se tornou diretor de filmes e de séries, assinando episódios de “Hannah Montana”, “Modern Family” e “2 Broke Girls”.

Uma das lendas não verídicas mais divertidas dos anos 90: Josh Saviano, que interpretava Paul Pfeiffer, e o cantor Marlyn Manson não são a mesma pessoa.

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