Crítica

Eliana Pittman retoma o show com registros inéditos e arquivo luxuoso

'Hoje, Ontem e Sempre' compila novas faixas, como 'Gamei' e 'Drão', e ainda traz bônus de apresentação em Paris

Ter, 17/12/19 - 03h00
Eliana Pittman canta Gilberto Gil, Candeia, Fito Páez, Martinho da Vila e Cazuza acompanhada por um violão | Foto: Murilo Alvesso/Divulgação

Certa vez, Eliana Pittman, 74, foi contratada para uma apresentação no Clube da Assembleia, em Belém do Pará. No auge do sucesso, a cantora, como de praxe, deu voz aos carimbós que ela tornara famosos em todo o país. Ao final do show, o presidente da associação a repreendeu “pela ousadia de cantar uma música do povo em um ambiente de elite” e ainda a chamou de “abusada”. 

Eliana jamais renegou esse adjetivo, pelo contrário. Quem já a viu no palco sabe o domínio que a carioca costuma exercer sobre a plateia. Introduzida no show business pelo padrasto, Booker Pittman, saxofonista norte-americano ligado ao jazz, Eliana iniciou a carreira tendo como referências Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. 

A esse molho, acrescentou o samba-canção e a elegância de Elizeth Cardoso e o suingue do ritmo mais tradicional do país. Ela foi a primeira mulher a gravar um samba-enredo, com “O Mundo Encantado de Monteiro Lobato”, em 1967. Na década de 70, descobriu e promoveu o carimbó. Essa diversidade comparece no álbum que ela acaba de lançar.

Repertório

“Hoje, Ontem e Sempre” interrompe um hiato de quase duas décadas de Eliana no mercado fonográfico. As relações começaram a ser cortadas quando ela se recusou a colocar sua voz em canções feitas sob encomenda e a ser reduzida ao rótulo de “Donna Summer brasileira”. 

O temperamento explosivo da cantora sempre encontrou uma espécie de extensão nos arranjos concebidos por ela mesma, para interpretações geralmente quentes. O sofrimento ou o êxtase, no canto de Eliana, dispensa pudores e distanciamentos e se entrega com fervor, sem abrir mão da técnica apurada de quem entende do riscado. 

Uma prova está em “O Morro Não Tem Vez”, que abre os trabalhos do novo CD, cuja edição física ganhou um luxuoso encarte, com direito a fotos de toda a carreira da anfitriã. Em “Tributo à Vaidade”, samba que a Portela levou para a avenida em 1991, Eliana canta um dos versos que melhor a definem: “Eu sou vaidosa”. 

Experimentando um formato único em sua trajetória, acompanhada apenas por um violão e, em breves momentos, por uma discreta percussão, a intérprete consegue se adaptar e realiza o mesmo feito com “Gamei”, pagode rasgado do grupo Exaltasamba, que recebe contornos de bolero, com direito a frases como “gamei no corpo bronzeado/ ganhei um beijo assanhado/ fiquei todinho arrepiado” sendo praticamente declamadas. 

O atrevimento da releitura traz à tona sua adesão ao carimbó, num tempo em que essas barreiras se supunham bem mais definidas. Para Eliana, importa cantar o que a comove. “Ex-Amor”, clássico de Martinho da Vila, deixa o pano descer com uma interpretação à capela, que valoriza a capacidade de Eliana de entender as palavras que canta. 

“Drão”, de Gilberto Gil, reserva seu brilho para o bonito violão de Jean Barros, companheiro inseparável nessa empreitada. “Onde Estará o Meu Amor” embaça novamente os limites entre o derramamento amoroso que resvala na cafonice e a beleza da emoção sincera. A divertida toada “Até a Lua”, de Ana Maria Pires de Carvalho, reforça essa aposta no amor, que se repete em “Preciso Dizer que Te Amo”, de Cazuza, e “Yo Vengo a Ofrecer Mi Corazón”, de Fito Páez, em tons flamencos. 

“Preciso Me Encontrar”, de Candeia, contempla uma rara melancolia. De brinde, temos oito faixas de um espetáculo captado em Paris, na década de 70. Além de interagir com a plateia na língua local, Eliana canta “Garota de Ipanema”, “Desafinado” e uma arrebatadora “Big Spender”, entre outras pérolas. 

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