Perfil

Em cartaz no CCBB, “Hamlet” desafia a atriz Patrícia Selonk

Qua, 20/09/17 - 03h00

Embora conhecida pelo trabalho de construção de uma dramaturgia autoral, a Armazém Companhia de Teatro escolheu um clássico de Shakespeare para comemorar três décadas de trajetória. Segunda investida do grupo na dramaturgia do bardo inglês, “Hamlet” segue em cartaz no CCBB até o dia 25 protagonizado por Patrícia Selonk. Não apenas por se tratar de um personagem masculino, “Hamlet” tem desafiado a atriz pela complexidade dos conflitos e pelo mergulho vertical no universo da loucura.

“Claro que no início achei que não ia dar conta de fazer uma peça tão conhecida, com um texto magistral. Mas passei a considerar que essa é uma peça, e que pode ser reencenada. O personagem é de uma complexidade enorme. Cada dia descubro frases e coisas que estão ali. Tivemos que estudar muito até chegar a um recorte. São muitos ‘hamlets’ dentro dele. Tem hora que precisamos fazer opções e decidir que perfil vamos aflorar e dar luz”, comenta a atriz, uma das fundadoras da Armazém.

Na nossa montagem, ‘Hamlet’ não é um protagonista idealizado. É um cara envolto num jogo político maior que ele. Ele finge de louco em uma corte hipócrita, mas ele faz de uma forma tão vertical que a loucura toma conta dele. Essa loucura acaba sendo a loucura da gente hoje”, afirma a atriz, fazendo referência a “Shakespeare Nosso Contemporâneo”, do polonês Jan Kott. “Ele (Kott) faz uma leitura da peça como uma esponja, que absorve as questões do tempo em que é encenada. Essa concepção nos marcou durante o processo. ‘Hamlet’ é muito atual para pensarmos o Brasil de hoje”, diz a atriz.

 

FOTO: Ricardo Martins/divulgação
Coletivo. Uma das fundadoras da Armazém Companhia de Teatro, Patrícia Selonk optou por viver de teatro e pesquisar uma linguagem de grupo

Armazém. Nascida em Londrina (PR), Patrícia tinha 16 anos quando sua história passou a caminhar ao lado da companhia. O colégio onde estudava oferecia como disciplina complementar um curso de teatro que, à época, era ministrado por Paulo de Moraes, hoje seu companheiro e diretor da Armazém. O colégio era dirigido por José Antônio Teodoro, que também tinha um grupo de teatro na cidade, do qual Moraes fazia parte.

Pouco tempo depois, Teodoro morreu, o grupo de teatro foi interrompido e Moraes seguiu com os alunos na criação de uma nova companhia. Ainda na escola, ele dirigiu a montagem de “Nossa Cidade”, de Thornton Wilder, nomeada por eles de “Aniversário de Vida, Aniversário de Morte”.

Daí em diante, surgiu o desejo de continuar. À época, a chave da economia da região, nos anos 60 e 70, era o café. Havia grandes armazéns pela cidade e um deles acabou sendo sede para o grupo. É daí que vem também o nome da companhia, que ficou dez anos em Londrina, pesquisando linguagens e temáticas características. “Meu trabalho se funde e é imbricado com o trabalho da Armazém. Isso porque existe uma opção minha por trabalhar com teatro, e teatro de grupo”, conta Patrícia.

Além das três décadas dedicadas à companhia, na Armazém o trabalho e a vida de Patrícia também se fundem. Além de companheira de Paulo desde a criação do grupo, há 30 anos, hoje um dos filhos do casal, Jopa Moraes, divide o palco com os pais. “Trabalhar em família é um aprendizado constante. Estamos muito juntos e, às vezes, é chato pra caramba, mas tem sido muito positivo”, afirma a atriz.

Rumos. Em 1997, para as comemorações dos dez anos, a Armazém montou “A Tempestade”, primeiro Shakespeare do grupo e que contou com Paulo Autran no papel de Próspero. Com Autran, foram dois meses de sala de ensaio e algumas viagens, o que acabou por resultar na mudança da companhia para o Rio de Janeiro. “Ele foi um grande incentivador para que eu e o Paulo buscássemos melhores condições de trabalho”, lembra Patrícia.

Na capital fluminense, logo conseguiram se abrigar na hoje Fundição Progresso, na Lapa, e criaram novo espaço para dar continuidade às pesquisas de linguagem. As despesas eram compensadas no trabalho com teatro empresarial e no compartilhamento das contas. No início, outros três atores moravam com o casal. Moraes dava aula na Casa de Artes Laranjeiras e Patrícia, na Martins Pena. “Mudar junto com o grupo nos fortaleceu individualmente. Arriscar sozinho é sempre mais difícil”, observa.

Além da dramaturgia autoral, da relação com a cenografia desenvolvida no espaço da sede do grupo, além do gosto pela música ao vivo, Patrícia comenta que o foco da pesquisa da Armazém se concentra no ator. Ela, por exemplo, se destacou inicialmente pelo trabalho de voz, o que não se deu por coincidência. Aos 18 anos, participou de um festival de teatro em Sorocaba (SP), substituindo uma das atrizes. No debate realizado ao fim das apresentações, ela ouviu de um dos jurados que, apesar de uma atriz razoável, tinha uma voz fraca. “Mas aquilo não me derrubou. Ao contrário. Se minha voz era fraca, eu precisava entender e conhecer como funciona o aparelho vocal, saber utilizá-lo. Eu queria ser atriz e se aquilo era um impedimento, eu precisava trabalhar”, pontua.

Durante muito tempo, Patrícia dedicou-se ao trabalho vocal. Mas não parou nisso. Vencidas as barreiras, foi estudar dança na Angel Vianna. “Fui fazer faculdade mais tarde e pensei que, dentre as coisas do trabalho de atriz que queria aprimorar, tinha o corporal. Hoje, dou aula no técnico e faço a preparação corporal na Armazém. Uma das coisas mais legais do meu trabalho é a determinação. Se preciso estudar, estudo”.

Agenda

O quê. Espetáculo "Hamlet"

Quando. Até 25 de setembro, de sexta-feira a segunda-feira, às 20h.

Onde. Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários)

Quanto. R$ 20 (inteira)

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.